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Brasil muda Wi-fi e importa disputa entre EUA x China

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Uma mudança radical promovida pelo Brasil na forma como o Wi-fi pode ser usado no país desencadeou uma crise entre empresas de internet e a Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações).

A tensão transporta para o país um capítulo da queda de braço que China e Estados Unidos promovem em escala global. Mostra ainda que a corrida pelo 6G não só começou como acaba de aterrissar no Brasil. E, se os piores prognósticos se comprovarem, pode comprometer a conexão de aparelhos eletrônicos que dependam do Wi-fi, de geladeiras a TVs inteligentes, passando por óculos de realidade virtual e videogames.

No front internacional, a guinada do órgão público significa que as gigantes chinesas Huawei e ZTE viraram o jogo vencido até agora pelas poderosas norte-americanas Cisco, Qualcomm, Intel e Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp). Na trincheira nacional, é uma vitória das teles sobre os provedores de internet.

O que rolou?

Em 31 de dezembro de 2024, enquanto os brasileiros se preparavam para comemorar o Ano Novo, os conselheiros da Anatel abriram o chamado "circuito deliberativo", uma reunião extraordinária para assuntos urgentes. Foi usado, por exemplo, para interromper interferências no sinal de aeroportos e nas enchentes históricas do Rio Grande do Sul. Mas naquele dia:

  • O objetivo era redefinir os rumos de uma faixa de radiofrequência --elas funcionam como avenidas no ar por onde trafegam os dados da internet. Até então...
  • ... A faixa do 6 Ghz era reservada a um uso que dispensa autorização. Na prática: qualquer equipamento que emita Wi-fi. Mas os conselheiros decidiram reparti-la e destinar quase 60% de sua capacidade a tecnologias de celular. Quer dizer que...
  • ... Só poderá usar quem vencer o leilão de radiofrequência. Na prática: operadoras de telefonia. Tem até previsão de data: 2026. A canetada não chega a surpreender, mas irritou muita gente, porque...
  • ... O Brasil destinou em 2020 a faixa dos 6 Ghz ao Wi-fi, o que a indústria diz que orientou investimentos para produção de equipamentos. Mas havia sinais de mudança, já que...
  • ... Na Conferência Mundial de Radiocomunicação de 2023, a Anatel manobrou para incluir no documento de padronização internacional a possibilidade de dividir o 6 Ghz. Com isso...
  • ... O Brasil contrariou os interesses dos EUA, que usarão toda a faixa para Wi-fi e pressionava os outros países do continente a fazer o mesmo. Na outra ponta, está o restante do mundo, liderados por China e União Europeia, que dividirão a banda entre Wi-fi e celular, com vistas ao 6G. O assunto é tão sensível que o Itamaraty acompanhou de perto as decisões. A virada de mesa, porém, era só uma possibilidade. Mas agora...
  • ... Com o martelo batido, as associações de provedores de internet (Abrint) e de prestadores de pequeno porte (Neo) entraram com pedidos para anular a decisão na Anatel.
Vai ser o leilão do fim do wi-fi e não o leilão dos 6G
Cristiane Sanches, vice-líder do conselho da Abrint
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Por que é importante?

Os dois lados têm bons motivos. Para a turma do Wi-fi, é tanto aparelhinho pendurado nas redes domésticas que há um engarrafamento nas faixas dedicadas à conexão (2.4 Ghz e 5.8 Ghz). Além disso, equipamentos mais sofisticados, como óculos de realidade aumentada, precisam de taxas de transferência de dados maiores, algo oferecido pelos 6 Ghz. Argumenta ainda que mais de 50% da conexão depende do Wi-fi, enquanto o celular responde por menos de 20%.

Existe espectro sobrando para as grandes operadoras. Há um uso ineficiente por elas. Por outro lado, para o Wi-fi, que é a preferência majoritária em todos os países do mundo, falta espectro
Cristiane Sanches, da Abrint

Espectro é outro nome para as faixas de radiofrequência.

Já a turma do celular diz a mesma coisa, trocando Wi-fi por internet móvel e acrescentando o maior alcance da tecnologia, já que as torres cobrem quilômetros e não poucos metros.

A destinação de parte da faixa de 6 GHz para o mercado de telecomunicações é importante uma vez que, além de garantir a ampliação da conectividade e a inclusão digital, garantirá também o alinhamento às práticas internacionais
Conexis, o sindicato das teles, em nota

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Por mais que seja um país gigante, o Brasil não é grande o suficiente para criar um padrão só do Brasil. A gente tem que olhar para onde o mundo está indo e ir com ele para aproveitar os benefícios do desenvolvimento da tecnologia. Se a gente tiver uma tecnologia só utilizada no Brasil, é o cliente do mercado brasileiro que vai custeá-la.
Carlos Manuel Baigorri, presidente da Anatel

Não é bem assim, mas tá quase lá

Em 2020, quando a faixa do 6 Ghz foi direcionada ao Wi-fi, as teles chiaram. Queriam reservá-la para o 6G, previsto só para 2030. A Anatel não topou. O leilão do 5G no ano seguinte já foi o maior do mundo em capacidade, o que exigiu bastante investimento das empresas. Mostrou ainda que ampliar o espectro licenciado naquele momento não tinha necessidade, ainda mais se incluísse uma faixa que não poderia ser operada por falta de equipamentos. Ficaria 10 anos na gaveta.

O jeito foi destinar essas avenidas no ar ao Wi-fi. Mas, para o presidente da Anatel, a indústria de fabricantes venceu a batalha e passou a jogar parada.

O pessoal do Wi-fi se acomodou quando conseguiu a faixa. Não fez investimento, desenvolvimento e não trouxe os equipamentos. Eu sempre fui transparente com isso. Já falei, 'Cara, o espectro não é seu. É um ativo público e o nosso dever, enquanto servidor público de um órgão de Estado, é garantir uso eficiente'
Carlos Manuel Baigorri

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Alguns equipamentos até foram homologados, ou seja, liberados para venda por aqui. Mas uns são caros para o consumidor final, outros não estão disponíveis em lojas de varejo e parte é destinada a empresas.

Outros nem isso. Um dos casos simbólicos é a Meta. Até 2021 chamada de Facebook, a empresa mudou de nome para atestar seu compromisso com o metaverso, mescla entre os mundos físico e digital. A porta de entrada para essa realidade são os óculos de realidade aumentada Quest. Por isso, ela foi uma das norte-americanas a fazer lobby pelo Wi-fi na faixa dos 6 Ghz. Só assim, o equipamento funcionaria plenamente, argumentava. O aparelho está em sua terceira versão e ainda não é vendido no Brasil.

Enquanto isso, os equipamentos para internet móvel via 6 Ghz, inexistentes em 2020, tiveram os primeiros protótipos apresentados em 2023 e chegam ao mercado em 2025. As chinesas já querem vender e as teles, a começar pelas chinesas e indianas, já buscam comprá-los.

Enquanto isso, os pedidos de nulidade começaram a correr dentro da Anatel. As associações representantes das empresas já foram chamadas a se manifestar. Depois, a procuradoria da agência analisa a questão e a remete ao conselho.

O que está em jogo é o futuro do Wi-fi e do 6G brasileiros. O desfecho, no entanto, será o resultado de um cabo de guerra entre aspectos tecnológicos e tensões geopolíticas. E as mãos de poderosos da China e dos EUA estarão puxando de um lado e de outro desta corda.

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