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Helton Simões Gomes

Formado pela Faculdade Cásper Líbero e com especialização em economia e mercado financeiro, foi repórter do jornal Folha de S.Paulo e do portal G1. No UOL desde 2017, foi repórter de Tilt e editor do núcleo de diversidade. Ganhou os prêmios CNI de Jornalismo, Diversidade e Respeito do Conselho Nacional do Ministério Público e o Prêmio UOL - 2021, na categoria iniciativa inovadora. Atualmente, é editor de Tilt.

Cargo

Editor

Localização

São Paulo

Idiomas

Inglês e Espanhol

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Print do WhatsApp ainda pode ser prova judicial, mas dá trabalho

Estúdio Rebimboca/UOL
Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL

Colunista de Tilt

04/07/2021 04h00

Na internet, print de conversa no WhatsApp é prova inconteste de que alguém disse o que jura não ter falado. Nos tribunais, não é bem assim.

Para surpresa de um total de zero pessoas, esse tipo de indício foi desconsiderado em meio a um processo criminal pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), em decisão recente. Em bom juridiquês, os magistrados justificaram com razões que todo zapeiro conhece: dá para apagar mensagens e é impossível recuperar a íntegra junto à empresa. Parece desanimador para investigadores de Zap, mas não percam a esperança: ainda dá para fazer do bate-papo online um verdadeiro batom na cueca. A solução, porém, é bem mais analógica, burocrática e custa uma boa grana.

A decisão do STJ foi tomada em meio a um julgamento de corrupção ativa por parte dos responsáveis por duas empresas de transporte. Eles são suspeitos de pagar propina a servidores públicos para driblar fiscalizações de trânsito, e a captura de tela das mensagens no WhatsApp era apontada como evidência. Era, pois:

  • Os desembargadores foram unânimes ao decidir que os prints fossem tirados dos autos, porque...
  • ... Em bom juridiquês, dada a sua origem, não respeitavam a cadeia de custódia, o que quer dizer que...
  • ... Podem ter sua integridade corrompida. Trocando em miúdos para linguagem dos grupos da família, é o seguinte...
  • ... Como o app permite a qualquer membro da conversa (era um papo em grupo) enviar ou apagar mensagens, fica difícil confiar que o mostrado no print é confiável, ainda mais por que...
  • ... É impossível contrapor o conteúdo da imagem com o que está nos sistemas do WhatsApp, já que o plataforma não guarda esses registros. Nem mesmo...
  • ... O argumento do Ministério Público de que o print foi tirado por um integrante do grupo demoveu o STJ, afinal, graças ao "Apagar para somente para mim", a mensagem apresentada por ele poderia ser diferente daquela mantida pelos demais participantes da conversa.

Quem acompanha a política nacional, sabe que vira e mexe surge um print de Zap como prova inescapável do mais novo escândalo da República. Foi assim quando o ex-juiz Sergio Moro deixou o Ministério da Justiça acusando o presidente Jair Bolsonaro de pressioná-lo a fazer trocas na cúpula da Polícia Federal.

O STJ reafirma agora que, fosse num processo criminal, tudo isso seria visto com ceticismo. Esse já é um entendimento do tribunal. Mais do que desanimar, a decisão da corte indica que, antes de apresentar aqueeeeele print comprometedor, é preciso aumentar o grau de confiabilidade dele.

Enquanto não criam uma blockchain de conversas do Zap, o melhor jeito de fazer isso é dar um pulo em um cartório. Lá é possível elaborar uma ata notarial, documento que confere "fé pública" ao print. Na prática, ele relata como as mensagens foram acessadas, o que há nelas, quem são os envolvidos e menciona detalhes técnicos. Simples.

Tirando a inusitada ideia de ir até uma repartição pública para atestar que sua conversa no Zap é verdadeira, o procedimento é simples. Mas custa caro. No Estado de São Paulo, pode chegar a R$ 483,65 a primeira folha mais R$ 244,23 por página adicional. Se o papo tiver sido longo, é bom preparar o bolso.

Há muito tempo ouço advogados especializados em direito digital enfatizando a importância de usar mecanismos já existentes para dar credibilidade a supostos documentos criados no mundo digital. Afinal, a possibilidade de criar registros trazida por plataformas digitais também trouxe uma facilidade gigantesca de adulterar, modificar e emendar documentos.

Surpreende (e muito) que polícia e MP não tenham feito a lição de casa, ainda mais em um caso sensível como uma apuração de corrupção.