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Helton Simões Gomes

Formado pela Faculdade Cásper Líbero e com especialização em economia e mercado financeiro, foi repórter do jornal Folha de S.Paulo e do portal G1. No UOL desde 2017, foi repórter de Tilt e editor do núcleo de diversidade. Ganhou os prêmios CNI de Jornalismo, Diversidade e Respeito do Conselho Nacional do Ministério Público e o Prêmio UOL - 2021, na categoria iniciativa inovadora. Atualmente, é editor de Tilt.

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Editor

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São Paulo

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Inglês e Espanhol

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

5G: internet "privada" de Bolsonaro encara ceticismo e pecha de fura-teto

DrAfter123/Getty Images
Imagem: DrAfter123/Getty Images

Colunista de Tilt

18/04/2021 04h00

O 5G é uma revolução: 20 vezes mais rápido que o 4G, pode alcançar velocidades superiores a 1 Gigabit por segundo. Mas, a julgar pela demora com que está vindo para o Brasil, a quinta geração de banda larga móvel mais parece caminhar a passos de internet discada.

Piadas (ruins) à parte, não é segredo que a pandemia travou muito do trâmite. Em fevereiro, no entanto, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), enfim, definiu as regras do leilão. Por um lado, são exigências técnicas discutidas durante meses. Por outro, incluem imposições do governo Bolsonaro, que embarcaram de última hora para atender grupos simpáticos ao presidente e já acendem um sinal vermelho. Acontece que o Tribunal de Contas da União desconfia que são dribles no teto de gastos e o mercado já duvida se irão vingar mesmo.

E você com isso? Bom, o que estava devagar pode tardar ainda mais. Como? Aí que está.

O que rolou?

Cautelosos, executivos de fabricantes de equipamentos costumam falar pouco e de forma assertiva. Nesta semana, o presidente da Ericsson para a região sul da América Latina, Eduardo Ricotta, contou ao repórter Guilherme Tagiaroli todo seu otimismo em relação ao 5G. Mas, deixando escapar uma opinião que circula no setor, disse que:

  • O edital vai passar por mudanças para ajustar a um modelo não-arrecadatório. Ou seja, voltado menos a abastece o Tesouro Nacional e mais a promover políticas públicas. Ricotta não disse, mas...
  • ... Para isso dar certo, é preciso considerar as contrapartidas exigidas pelo governo Bolsonaro. Segundo o edital, além de pagar para usar radiofrequências (são como avenidas no ar), as teles vencedoras terão que...
  • ... Levar 4G para toda cidade com mais 600 habitantes, cobrir 48 mil quilômetros de estradas com sinal de internet e ter roaming nacional obrigatório. Não para aí, já que...
  • ... Para as que arrematarem uma dessas avenidas (a de 3,5 GHz, que é padrão ouro para o 5G no mundo), haverá exigências extras, como...
  • ... Instalar 13 mil quilômetros de fibra ótica nos leitos dos rios da região amazônica, pagar pela remoção do serviço de TV parabólica e construir uma rede 5G privativa para a administração federal. Isso quer dizer que...
  • ... A empresa ganhadora terá de construir uma rede de fibra ótica ligando órgãos da União e ainda uma rede móvel para as áreas de segurança pública, defesa e serviços de emergência. Estranho?
  • ... O TCU achou. Os técnicos viram nisso uma manobra para a União tocar obras públicas por meio de empresas privadas sem prever os gastos no Orçamento. O problema é que...
  • ... Isso é um drible no teto de gastos, que, na prática, congela as despesas públicas.

Por que é importante?

Ricotta não disse, mas esta contrapartida foi estratégia da gestão Bolsonaro para não excluir Huawei do leilão, mas mantê-la longe da internet dos computadores e celulares federais. Sem prova, a empresa chinesa é acusada pelos EUA de espionar outros países assim que a China pedir. Às voltas com a questão dede que assumiu, a gestão Bolsonaro definiu que poderão construir sua rede "privada" só empresas que sigam "padrão de transparência e governança corporativa compatíveis com os exigidos pelo mercado acionário no Brasil".

Como a Huawei tem capital fechado, especialistas viram nisso um jeitinho de deixá-la de fora. Pelo menos, em parte. O lance é que o arranjo é curioso: a tele vencedora pode contratar a Huawei para colocar de pé o 5G que nós, o povão, usaremos, mas terá de arranjar outra fornecedora para a internet VIP do governo.

Fora sugerir que não há problema em sujeitar a população à espionagem, caso a Huawei esteja mesmo comprometida, a solução tem cara de "camuflagem e maquiagem do Orçamento e do teto [de gastos]", avaliou Juarez Quadros, ex-presidente da Anatel e ex-ministro das Comunicações durante a privatização dos anos 1990. Como o TCU também acha isso, provavelmente o 5G atrasará. De novo.

Não é bem assim, mas está quase lá

O órgão tem 150 dias para avaliar o edital. Já disparou perguntas aos ministérios da Comunicação e Economia. Como isso é burocracia corrente de toda licitação, o tempo está na conta da espera. Tanto que a avaliação (otimista) da Anatel é que o leilão saia entre junho e agosto.

Só que as indagações do TCU podem — e não raro conseguem — reconfigurar compras públicas. O Telebras que o diga. Por questionamentos ao contrato, a estatal ficou quase dois anos sem operar um satélite já lançado ao espaço a um custo de R$ 2,7 bilhões.

Em um país desigual como o nosso, todas as políticas públicas são para ontem. No começo, o 5G será para uma pequena elite, mas ele trará benefícios para todos. Lembro que a Telebras contava por dia prejuízos de R$ 800 mil com o satélite parado (em órbita, mas parado). Com 40 milhões de pessoas sem conexão e uma solução em vias de atrasar novamente, quanto perdemos por segundo?