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Helton Simões Gomes

Formado pela Faculdade Cásper Líbero e com especialização em economia e mercado financeiro, foi repórter do jornal Folha de S.Paulo e do portal G1. No UOL desde 2017, foi repórter de Tilt e editor do núcleo de diversidade. Ganhou os prêmios CNI de Jornalismo, Diversidade e Respeito do Conselho Nacional do Ministério Público e o Prêmio UOL - 2021, na categoria iniciativa inovadora. Atualmente, é editor de Tilt.

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Editor

Localização

São Paulo

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Inglês e Espanhol

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Google pode até não seguir você, mas a perseguição na web vai piorar

Estúdio Rebimboca/UOL
Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL

21/03/2021 04h00

Apesar de discreto, o casamento que mais tem dado o que falar —sorry, príncipe Harry e Meghan Markle— é aquele entre tecnologia e política. A relação, às vezes nada amigável, dá mostras mais evidentes de cobertor curto na internet. Enquanto um lado alivia, outro endurece.

Mas alivia ou endurece o quê? E para quem? É, leitor, estou falando da sua vida digital, mais precisamente de dois aspectos importantes dela: sua privacidade e sua liberdade de expressão.

Aparentemente desconexas, as duas situações a seguir, no fim das contas, têm o poder de moldar a sua experiência digital daqui para frente. Tudo, porque:

Caso a derrubada do veto seja mantida pelo Senado, isso quer dizer que, caso sejam cometidos pela internet, os crimes a seguir terão pena triplicada dessa forma:

  • Injúria (ofender a dignidade de alguém): hoje é detenção de um a seis meses; pode ir para três a 18 meses;
  • Calúnia (imputar falsamente a alguém um crime): hoje é detenção de seis meses a dois anos; pode ir para 18 meses a seis anos;
  • Difamação (atribuir a alguém um fato ofensivo): hoje é detenção de três meses a um ano; pode ir para nove meses a três anos.

O argumento dos idealizadores do pacote anticrime é que a internet tem o poder de ampliar a repercussão de ofensas. Portanto, caberia pena maior para ilícitos online. O problema é que o Código Penal já prevê que as penas aos crimes contra honra sejam ampliadas caso as ofensas ocorram "na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação". Minha impressão é que isso contempla a internet. O aumento, porém, é menor, de um terço da pena.

O governo Bolsonaro, em um lapso de bom senso, vetou o trecho porque ele violaria o "princípio da proporcionalidade". A sociedade puniria com muito mais rigor uma conduta cometida na internet do que a mesma conduta no mundo físico. Fora isso, crimes punidos com detenção superior a dois anos exigem abertura de inquérito policial. Imagina a delegacia de polícia depois de um dia de manifestação pró ou contra Lula ou Bolsonaro. Vai bombar.

Deputados disseram à repórter do UOL em Brasília Luciana Amaral que Bolsonaro vetou o trecho para não elevar as punições em meio ao inquérito das fake news no STF e às disputas judiciais envolvendo contas nas redes sociais de influenciadores, empresários e políticos bolsonaristas.

Os parlamentares esquecem, porém, que os inquéritos passam, mas os efeitos de uma lei casuísta perduram por muito tempo. Prova disso é vivermos em um país que usa até hoje uma lei da Ditadura Militar (1964-1985) para punir críticos e detratores do governo.

Não defendo a impunidade, mas já se foi o tempo em que a internet era terra sem lei. A legislação ora vigente já vem sendo aplicada para condutas ilícitas na rede. Mas penso no futuro. Devido à pandemia, nossas relações pessoais e profissionais passaram a ser mais digitais do que físicas. Isso não deve mudar mesmo com o fim dela. Talvez por isso ou por força das leis de proteção à privacidade, as companhias de internet já criam meios para nos dar mais privacidade. Por outro lado, me pergunto: como será viver em um mundo que pune mais duramente uma asneira escrita ou dita online do que uma falada cara a cara?

Este texto foi distribuído na newsletter de Tilt. Assine aqui e conheça as outras do UOL