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Helton Simões Gomes

Formado pela Faculdade Cásper Líbero e com especialização em economia e mercado financeiro, foi repórter do jornal Folha de S.Paulo e do portal G1. No UOL desde 2017, foi repórter de Tilt e editor do núcleo de diversidade. Ganhou os prêmios CNI de Jornalismo, Diversidade e Respeito do Conselho Nacional do Ministério Público e o Prêmio UOL - 2021, na categoria iniciativa inovadora. Atualmente, é editor de Tilt.

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De quem é o sangue que as redes sociais têm nas mãos?

Cena do filme "O Dilema das Redes", da Netflix - EXPSOURE LABS/NETFLIX
Cena do filme 'O Dilema das Redes', da Netflix Imagem: EXPSOURE LABS/NETFLIX

Colunista do UOL

18/10/2020 09h31

Enquanto assistíamos assustados, mas não surpresos, ao documentário "O Dilema das Redes Sociais", da Netflix, a realidade esfregava na nossa cara que o filme pegou leve com Facebook, Twitter, Google e companhia. Difícil imaginar como, afinal, o longa expõe o lado mais nefasto dessas plataformas: a arrojada máquina de manipulação de comportamentos que gira para esmagar vontades e gerar lucro.

Por outro lado, quem assiste ao filme sai com a impressão de que as redes sociais têm controle de tudo. Mas é isso mesmo? Parece que não. Há algumas semanas, surgiu Sophie Zhang. A ex-funcionária do Facebook denunciou a omissão da empresa no controle de perfis falsos. Horrorizada com sua participação em tudo isso, ela indicou que o descaso produz consequências bem reais: "Tenho sangue nas mãos". Se você tem conta em alguma rede social, deve estar se perguntando: sangue de quem

Recorrendo a pontos batidos e a visões originais, o documentário pinta as redes sociais como:

  • Plataformas únicas na história da humanidade em absorver a atenção de seus consumidores. Para isso...
  • ... Elas criam recursos para prender você a todo custo, enquanto extraem a maior quantidade possível dos seus dados pessoais. Assim...
  • ... Conseguem traçar uma prévia do seu comportamento. Com isso, dizem a empresas exatamente como você se portará no futuro e ganham um bom dinheiro vendendo anúncios. Mais que isso...
  • ... Elas dispõem de estímulos para determinar que você aja de um jeito e não de outro. O chocante, porém, é que...
  • ... Esse mecanismo funciona, seus gestores sabem disso e o colocam à disposição de quem pagar.

Sim, o Facebook mudou, ainda que você não perceba, sua maneira de interagir com familiares, amigos, cultura, política e por aí vai. Mark Zuckerberg sabe disso. Qual a proposta no filme? Silencie o celular, desative as notificações, saia das redes.

Diante da extensão do poder político e da capilaridade dessas companhias em nossas vidas, chega a ser juvenil sugerir que dar as costas ao problema será suficiente para resolvê-lo. A resolução, conforme pessoas que levam a coisa a sério, é discutir o desmembramento desses impérios, forçá-las a remunerar outras indústrias ou impedi-las de monitorar seus usuários.

Ainda que "O Dilema das Redes" tenha acertado em dimensionar como são gigantes essas companhias, o documentário falha ao dar a impressão de que elas podem mudar sua trajetória quando quiserem. Não podem. E é esse o terror trazido pelo desabafo Sophie Zhang.

Não é bem assim, mas está quase lá

No memorando divulgado internamente, mas publicado pelo Buzzfeed, Zhang conta como é falha a remoção de perfis falsos no Facebook. Segundo ela, o problema é muito maior do que a capacidade de atuação da rede social. Com seus mais de 2 bilhões de usuários, o site virou um transatlântico grande demais para desviar de alguns icebergs.

Você já viu esse filme antes. E há vários transatlânticos destes navegando por aí. YouTube, Instagram, WhatsApp, Gmail e vários outros são usados por mais de 1 bilhão de pessoas. Todos estão à mercê de quem quiser usar a arrojada máquina de esmagar vontades. E isso tem sido feito por governos e outros agentes políticos. Quando Zhang fala em sangue, ela está sendo literal. A desinformação já levou a linchamentos da Índia ao Brasil, além de ter interferido na política da Bolívia aos Estados Unidos.

O Facebook até diz que tem uma equipe de especialistas "para impedir que pessoas mal intencionadas abusem as nossas plataformas". Zhang era uma dessas especialistas. Quando ela sugeriu intensificar os esforços para impedir que esse "abuso" afetasse as eleições, ela ouviu que "os recursos humanos são limitados".

Este texto foi distribuído na newsletter de Tilt. Assine aqui e conheça as outras do UOL