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Felipe Zmoginski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

EUA, Itália e Austrália atacam TikTok, mas o verdadeiro alvo é a China

Privacidade dos dados no TikTok vira munição em disputa geopolítica - Amanda Vick/Unsplash
Privacidade dos dados no TikTok vira munição em disputa geopolítica Imagem: Amanda Vick/Unsplash

22/07/2022 04h00

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A ByteDance, controladora do TikTok, é um caso único de empresa chinesa de software que brilha cintilante pelo mundo, conquistando milhões de novos usuários a cada dia. Porém, no espaço de apenas um mês, levou pito de autoridades da Itália, Austrália e Estados Unidos. Os motivos são diferentes, mas orbitam, todos, em torno do mesmo tema: a privacidade de dados.

Não vamos aqui defender o desrespeito à privacidade de ninguém, mas vamos e venhamos, em que jardim idílico vivem as companhias de tecnologia que não acessam os dados de seus usuários?

É ponto (quase) consensual que o sucesso do TikTok se deve à tecnologia de inteligência artificial capaz de conhecer tão bem seu usuário ao ponto de entregar sempre o próximo vídeo mais relevante para tal pessoa. O resultado da equação é um fluxo de vídeos viciante —no sentido literal da palavra.

Na Itália, por exemplo, reguladores locais criticaram o app chinês de pedir muitos acessos a seus usuários, como listas de contatos e de aplicativos instalados.

Na Austrália, uma empresa local reportou que o software consulta a localização do usuário "diversas vezes por hora" para oferecer, sempre, a publicidade mais direcionada possível.

Já nos Estados Unidos, a crítica deu-se pelo fato de alguns dados de usuários americanos —que ficam hospedados em servidores nos EUA, registre-se— serem consultados por funcionários chineses.

Em todas as situações, buscam-se razões para limitar ou, ao menos, dificultar a expansão do TikTok nestes mercados.

O pretexto final das restrições ao TikTok no Ocidente reza que, pela lei chinesa, uma tech local pode ser obrigada a compartilhar informações com o governo de seu país.

Em última análise, os perigosos comunistas de Pequim poderiam se apropriar, para fins subversivos, dos dados sensíveis dos jovens ocidentais que gravam dancinhas engraçadas com o app.

Ironias à parte, de fato, o sucesso do TikTok —e das big techs chinesas, em geral— representa um ativo que, potencialmente, poderia ser explorado pelo governo chinês.

Mas, até aí, tais dados não estão mais seguros de cair nas mãos de governos autoritários quando coletados por Google, Amazon ou Facebook, como didaticamente nos ensinaram as revelações de Edward Snowden, em 2013.

O fato objetivo é que, sob o pretexto da proteção à privacidade, o que os reguladores ocidentais buscam são formas de limitar a expansão econômica da China.

Frente a todas as acusações, a ByteDance respondeu que respeita as leis de cada país, que implementa regras para proteger seus usuários etc.

Mas isto pouco importa.

A má notícia, sob perspectiva chinesa, é que há um longo caminho para as techs chinesas poderem competir livremente em mercados ocidentais.

A boa notícia é que elas não desistirão de disputar seu espaço.

Em 2004, o economista sul-coreano Ha-Joon Chang publicou "Chutando a Escada", um estudo em que demonstra, por A + B, como os países desenvolvidos pressionam as nações em desenvolvimento a adotar políticas que, em seu fim, visam manter as nações pobres na condição de... pobreza.

Chang explicita como muitos dos "conselhos" dados pelas nações ricas às pobres não foram seguidos por elas mesmas, em seu processo de desenvolvimento. Em outras palavras: os ricos nos impõem regras que eles mesmos violaram para poder crescer e o fazem com o tácito objetivo de impedir a ascensão dos emergentes.

A teoria de Chang poderia ser docemente aplicada à resistência que diversos países do Ocidente impõem às big techs chinesas.