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Felipe Zmoginski

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Insegurança jurídica faz inovadora edtech chinesa desabar a preço de banana

Jovem acompanha aula online em cena de anúncio da Gaotu - Reprodução/ ir.gaotu.cn
Jovem acompanha aula online em cena de anúncio da Gaotu Imagem: Reprodução/ ir.gaotu.cn

01/08/2021 04h00

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As empresas de tecnologia da China são as que mais ganharam valor de mercado na última década e muitas delas seguem em ritmo acelerado de expansão. Um ranking elaborado pelo site Statista, por exemplo, coloca as chinesas Ant Financial, ByteDance (a dona do TikTok) e Didi (a dona do app de táxis 99) no topo dos "unicórnios mais valiosos do mundo".

O fabuloso crescimento das empresas tech da China tem enfrentado, no entanto, um crescente risco regulatório. A ByteDance, como se sabe, é alvo frequente de ameaças de "bloqueio" nos Estados Unidos e o grupo Ant e a Didi, há poucos meses, passaram por apuros em casa, sob pressão dos reguladores chineses.

Nenhuma companhia, no entanto, exemplifica tão bem o "risco regulador" como a empresa de educação online para crianças Gaotu. A startup teve crescimento explosivo desde sua fundação, em 2017, e particularmente durante os meses de rigorosa quarentena no início de 2020, na China, foi especialmente útil para manter as crianças em sua curva de aprendizagem.

Com capital aberto na bolsa de Nova York, a Gaotu busca exportar seu modelo de educação online para crianças e, em maio deste ano, viu suas ações chegarem a US$ 149. A inovadora edtech usa soluções e realidade virtual, podcasts e animações para reforçar o aprendizado de alunos em matérias como ciências naturais, matemática e ensino de línguas.

No início de junho, porém, uma nova diretriz do órgão chinês equivalente ao ministério da Educação determinou que as edtechs não devem visar o lucro quando se trata da educação de crianças e adolescentes. Empresas como a Gaotu não foram proibidas de operar, mas orientadas a buscar outras fontes de receita, uma vez que a educação de crianças deveria estar sempre acima de interesses comerciais.

O tema é sensível no país uma vez que há uma acirrada competição entre os jovens chineses pelas melhores notas e, consequentemente, pelas melhores vagas nas universidades. Permitir condições equilibradas de competição entre os adolescentes chineses é uma política pública prioritária.

A decisão não foi exatamente um balde, mas uma cachoeira de água gelada sobre os investidores da edtech, que passaram a se desfazer rapidamente de seus papeis. O valor da companhia, em poucos meses, encolheu 98%. Quem comprou uma ação da Gaotu a US$ 149 esperando beneficiar-se de sua valorização conseguiu vendê-la recentemente por US$ 2,50.

A Gaotu informou que continuará oferecendo suas inovadoras ferramentas para educação de crianças e adolescentes na China, porém, de forma gratuita ou, eventualmente, a preços de custo. A companhia disse ainda que usará suas tecnologias para a educação de adultos e transformará este segmento em sua fonte de receita principal.

O caso, em si, não é exatamente impactante, já que se trata de uma empresa de porte apenas médio, mas ilustra bem um fenômeno maior: a insegurança jurídica a que estão expostas as empresas de tecnologia chinesas.

Para analistas dedicados ao mercado chinês, episódios como o da Gaotu demonstram que a administração do país não se importará em comprometer o sucesso de algumas de suas big techs mais brilhantes, se isto for necessário para que se atinjam os objetivos sociais e econômicos do país.