Soft power e algoritmo: por que 'As Guerreiras do K-pop' fazem sucesso?

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O sucesso de "As Guerreiras do K-pop" (K-pop Demon Hunters, no original) não foi por acaso. A história do K-pop revela como o soft power sul-coreano inicialmente atingiu os demais países asiáticos para então alcançar uma repercussão genuinamente global. Fez tudo parte de uma estratégia minuciosa, tanto de política pública, como também de cada boy ou girl band que calcula quando e como vai lançar seus novos sucessos.
Não deixa de ser revelador que, no momento do filme em que o grupo de K-pop das caçadoras de demônios vai lançar um novo single, a música que toca ao fundo é Strategy, da girl band Twice. Mas o que exatamente fez com que "As Guerreiras do K-pop" quebrasse todos os recordes? Aqui vão algumas pistas dos elementos que compuseram essa estratégia vitoriosa.
Um verdadeiro sucesso algorítmico
Ninguém mais se espanta com o fato de que a Netflix, assim como outras produtoras, cada vez mais usam os dados gerados pelos seus assinantes para compreender melhor os padrões, gostos e tendências do público. Já faz mais de dez anos que House of Cards, primeiro grande sucesso produzido pela Netflix, surgiu a partir de uma pesquisa com 33 milhões de usuários que apontava correlações entre a série original inglesa, filmes com o ator Kevin Spacey e outros com a direção de David Fincher.
Não precisa ser nenhum gênio do algoritmo para perceber que o K-pop está na moda, mas até então as produções ocidentais sobre o tema não tinham decolado. O que talvez "As Guerreiras do K-pop" faça de diferente é que o filme não apresenta o universo repleto de referências à cultura sul-coreana, sobretudo no que diz respeito às especificidades do K-pop, pelo olhar do exotismo.
O filme não perde tempo explicando elementos que todo fã de K-pop conhece: a disputa pelos charts, o design dos bastões luminosos (bongbong) usados por cada fandom, os programas de televisão que submetem os idols a cenas miseráveis como descer em um escorrega de borracha para dentro de uma piscina de bolinhas.
O ponto de virada de "As Guerreiras do K-pop" talvez tenha sido a percepção de que o gênero musical, e o interesse pela cultura sul-coreana, já está posto. O que faltava era uma obra que pudesse colocar as suas personagens em um lugar no qual nenhuma animação jamais esteve.
Cultura do remix
O filme é um produto feito sob medida para a era do consumo multiplataforma. Ele combina o apelo global do K-pop, a estrutura emocional dos musicais da Disney, a estética acelerada dos animes japoneses, e a qualidade impecável da animação dos estúdios Sony. Tudo embalado por uma narrativa que fala sobre amizade, afetos e autodescoberta.
Assistir ao filme é apenas o primeiro ato da experiência. O segundo acontece nas redes sociais, onde "As Guerreiras do K-pop" se transforma. No TikTok, usuários dublam as personagens, recriam batalhas com cosplay, e remixam falas com outros áudios virais.
O público brasileiro se faz especialmente presente nessa trend, seja com dublagens em português que adicionam novos sentidos às cenas originais, seja com edits dos seus personagens favoritos, inserindo músicas nacionais ao fundo. O que não falta nas redes são edits dos saja boys, grupo de K-pop criado pelos demônios no filme, que agora dançam ao som de axé ou de uma versão criada por IA do hit "predador de perereca".
Esse comportamento confirma um padrão que vem moldando o entretenimento digital: o valor de uma obra não está mais apenas na sua história, mas na sua capacidade de ser remixada, gerando novas criações a partir dela.
O seu próximo artista favorito não existe
As vozes por trás das três integrantes do grupo de K-pop fictício que estrela o filme são humanas. Dizer isso pode soar estranho, mas estamos vivendo um momento em que a música vive uma dupla artificialidade. No caso de "As Guerreiras do K-pop", as humanas dão um passo atrás para que as personagens digitais possam brilhar.
Mas vale lembrar que surgem cada vez nas redes artistas que são criados digitalmente não apenas na aparência, mas também no que diz respeito à voz. No final das contas, o artista e a música "não existem".
Desde Hatsune Miku, a idol japonesa inteiramente digital criada em 2007, o mundo da música flerta com a ideia de artistas virtuais. A diferença que se nota agora é a naturalidade com que o público aceita esses híbridos. No caso das Guerreiras, o fandom não parece se importar se as cantoras são reais ou sintéticas. O mesmo fenômeno se viu recentemente com Tocanna, a cantora virtual brasileira criada com apoio de IA generativa, que emplacou músicas nas plataformas de streaming.
As caçadoras de atenção
"As Guerreiras do K-pop" acabou virando um laboratório para entender o novo audiovisual: engajante, interativo, remixável e cada vez mais híbrido entre humano e sintético. Essa é uma parte da estratégia que parece definir o sucesso na indústria do entretenimento atual.
Se você tem crianças ou adolescentes em casa, provavelmente já foi impactado pelo fenômeno. Caso contrário, é questão de tempo até que o filme, as músicas, os edits e as críticas e comentários levem o universo das Guerreiras do K-pop até você. No filme as meninas do grupo caçam demônios; na vida real elas estão atrás da sua atenção. It's a takedown.





























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