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Carlos Affonso Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ucrânia está vencendo a guerra dos memes, mas por que isso também importa?

Foto do suposto "Fantasma de Kiev", piloto ucraniano que teria abatido caças russos, que viralizou nas redes - Reprodução/Twitter
Foto do suposto "Fantasma de Kiev", piloto ucraniano que teria abatido caças russos, que viralizou nas redes Imagem: Reprodução/Twitter

05/03/2022 04h00

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A Ucrânia está vencendo a guerra dos memes, pelo menos nas redes sociais ocidentais. Se fora das redes o cenário não é animador, com o avanço das tropas russas em importantes cidades ucranianas, na internet o país está emplacando histórias e imagens que ajudam a construir a visão do mundo sobre o conflito.

Momentos e personagens icônicos se confundem com lendas urbanas, notícias truncadas e guerra informacional para criar uma série de conteúdos virais que já deixaram a sua marca nessa guerra. A resistência dos heróis da Ilha das Cobras, as supostas façanhas aéreas do Fantasma de Kiev e o "alistamento" da Miss Ucrânia são apenas o começo.

"Navio de guerra russo, vá pro inferno"

Tudo começou com a resistência dos 13 soldados estacionados na Ilha das Cobras, uma pequena ilha sem grande importância no conflito, mas que gerou o primeiro conteúdo viral da guerra na Ucrânia.

Um navio russo avisa pelo rádio aos combatentes ucranianos que eles devem se render ou eles iriam abrir fogo. No áudio é possível ouvir um dos soldados ucranianos dizendo que "chegou a hora", enquanto outro pergunta "devo mandar eles pro inferno?"

A resposta seguiu justamente essa linha e os ucranianos responderam: "Navio de guerra russo, vá pro inferno!".

Reportadamente o navio russo atacou e matou todos os soldados estacionados na pequena ilha.

No dia seguinte, o presidente ucraniano anunciou que os soldados da Ilha das Cobras seriam reconhecidos como heróis nacionais.

É um pássaro? É um avião? Não, é o Fantasma de Kiev!

Quanto mais realistas ficam os games e animações, mais difícil é distinguir o que é verdadeiro do que é simplesmente um trecho de animação muito bem renderizada. Ainda mais quando os conteúdos são compartilhados rapidamente nas redes em momentos de conflito armado.

Esse parece ser o caso da lenda urbana do Fantasma de Kiev, que viralizou nas redes nos primeiros dias de conflito.

O Fantasma seria um solitário piloto da força aérea ucraniana que reputadamente teria derrubado seis aviões russos, fazendo dele o primeiro "ás da aviação" (título dado a quem abate mais de cinco aviões em combate aéreo) nesse século.

Alguns dos vídeos que pretendiam mostrar o Fantasma em ação na verdade eram trechos de jogos de videogame.

De toda forma, a criação de uma narrativa de que existe um piloto solitário nos céus da Ucrânia abatendo com sucesso diversas aeronaves inimigas não deixa de gerar um sentimento de proteção e de orgulho nacional nos ucranianos.

Não faltam postagens nas redes torcendo para que o Fantasma de Kiev exista e que Hollywood faça um filme contando a sua história. Embora —vamos combinar— que uma coisa não depende da outra.

Miss Simpatia: armada e poderosa

A ex-miss Ucrânia, Anastasiia Lenna, postou em suas redes sociais uma foto segurando uma arma com uma mensagem de apoio à resistência ucraniana. Muitos veículos começaram a noticiar que a miss havia se juntando ao exército do seu país para combater as forças russas.

Com a viralização da postagem, a própria Anastasiia precisou esclarecer que a arma que ela carrega na foto é uma arma de airsoft e que o seu objetivo com as publicações era incentivar a resistência ucraniana, mas que ela em si não havia se alistado no exército para lutar.

Ex-Miss Ucrânia, Anastasiia Lenna - Reprodução - Reprodução
A ex-Miss Ucrânia, Anastasiia Lenna, em imagens postadas em suas redes sociais
Imagem: Reprodução

Segundo a modelo:

"Eu não sou uma militar, apenas uma mulher, apenas um humano normal (...) Eu não faço nenhuma propaganda, exceto mostrar que a mulher na Ucrânia é forte, confiante e poderosa. Agradeço toda a atenção e apoio ao meu país, a todas as pessoas na Ucrânia que lutam todos os dias contra a agressão russa. Nós venceremos!"

Não olhe para cima

Outro conteúdo que ganhou as redes foi um vídeo que mostrava a principal praça de Kiev, acompanhada da captura de som no local, na semana que antecedeu a invasão russa.

Enquanto a vida corria tensa lá embaixo alguém botou para tocar no volume máximo a música "Komm, Susser Tod", da animação japonesa "The End of Evangelion".

No anime a música toca quando o mundo é destruído pelo chamado Terceiro Impacto, um evento cataclísmico que envolve anjos, robôs gigantes e muita incompreensão entre os humanos.

O que vem pela frente

O mundo está em guerra. O conflito armado pode estar acontecendo no Leste Europeu, mas o envolvimento dos países é global, tomando o noticiário e chamando a atenção das pessoas. É natural que as redes sociais reflitam isso.

Mas vale lembrar que as redes sociais não são um espelho universal da realidade. Elas mostram o que o conjunto de usuários compartilha, curte e comenta. Sendo assim, vale se questionar se os usuários de redes sociais populares em outros países, como a VK na Rússia e o WeChat na China, estão vendo os mesmos conteúdos virais pró-Ucrânia.

De uma forma ou de outra, para além dos ataques hackers e das sanções econômicas que envolvem o acesso à tecnologia, observar o que faz sucesso nas redes é uma forma importante de entender como a tecnologia —e em especial a internet— vai transformando a forma pela qual se vive e se compreende a guerra.