Como as relações podem sobreviver às distâncias (e ao junto) na modernidade

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Muitos casais se relacionam à distância. Às vezes, em países ou estados diferentes. Às vezes, com encontros esporádicos mesmo morando na mesma cidade. Às vezes, com afastamentos sistemáticos e repetitivos.
Isso pode ter efeitos positivos, como uma percepção mais clara da saudade e da falta do outro e a valorização dos momentos compartilhados.
Mas o mais comum é que inseguranças, cobranças, carência e ciúmes aflorem. Sentimentos de injustiça e abandono, conversas sobre ausências e desencontros e formas de controle, com exigência de localização em tempo real ou 'prestação de contas' sobre rotinas, podem predominar.
O principal efeito da perda substancial em uma vida partilhada, com um cotidiano comum, é o declínio da intimidade e a dispersão de projetos comuns.
Descobrir que é possível viver sem o outro é um ganho em autonomia e independência, mas coloca de forma mais aguda quais os motivos para estar junto.
Há pequenos paliativos que podem amenizar os desafios dessa situação:
- Encare a distância como um sacrifício que ambos se colocam e assumem para alcançar uma vida melhor depois. Isso transforma a separação como uma viagem compartilhada, da qual ambos voltarão com boas histórias para contar.
- Estabeleça um prazo para reconsiderar o estatuto do projeto.
- Não se intimide com o sexo por Skype.
- Abuse de mensagens triviais e, às vezes, irrelevantes sobre estados de ânimo e pequenas dificuldades ou eventos domésticos.
- Reinvente a escrita: troque cartas e resgate o amor provençal, que tinha na escrita um veículo para a descoberta de afetos, sentimentos e do compartilhamento criativo do amor.
De forma prática, faça combinados para manter a cumplicidade e a presença na vida do outro:
- Evite despedidas em meio a mágoas ou desentendimentos.
- Faça com que o tempo juntos, que será mais escasso, se intensifique e seja melhor, com reconexão e prazer.
- Não gaste todo o tempo dos reencontros discutindo problemas causados pela distância.
- Tenha a intimidade como um forte indutor do sexo, mas que o sexo também seja um poderoso gerador de intimidade.
- Cultive esse ciclo de forma consciente para fortalecer ainda mais o vínculo.
Aquele que se torna ausente ou menos disponível tende, muitas vezes, a adquirir um certo "bônus posicional".
Quando a saída não é interpretada como tradição ou desamor, mas como uma aposta do casal, surge uma situação parecida à vivida por muitas mães com bebês: o pai chega após uma rotina de guerra e paz, com as quedas de braço e os tormentos de educar um filho, e recebe, sem esforço aparente, os louros e as doçuras de quem é percebido como "mercadoria escassa", portanto mais valiosa.
Essa valorização do ausente pode, com o tempo, despertar ciúme, ressentimento e sensação de desvalorização.
Especialmente no início, parece que quem sai para viver novas experiências enfrenta desafios diferentes e tem acesso a "paisagens" inéditas, o que pode gerar um duplo sentimento de injustiça em quem permanece: sobrecarga de responsabilidades e a falta de reconhecimento.
No caso dos filhos, é fundamental incluí-los, na medida do possível, no projeto "mamãe (ou papai) vai, mas volta ainda melhor". É essencial falar sempre com quem vai, fazer pequenos diários (que não sejam súmulas jurídicas), conversar sobre a ausência e a saudade.
Isso pode valer para casamentos em casas separadas
Por outro lado, muitos casais hoje optam por não morarem juntos, principalmente no segundo ou terceiro casamento, e a tecnologia aparece para gerir o cotidiano sem uma casa comum.
Mas ela não resolve o conflito estrutural, porque outra vida dentro da nossa fatalmente representa confusão e negociação —sempre há diferentes necessidades e graus de "suportabilidade do outro".
Há vários motivos para desejar a vida em casas separadas, alguns melhores que outros. Eu desconfio que há um preço elevado quando dividir espaços se trata só de preservar a funcionalidade e a ordem que se construiu para si.
Com diz o filósofo esloveno Slavoj Zizek, podemos optar pelo chocolate sem gordura, chocolate sem açúcar e até chocolate sem cacau. Um chocolate feito de brócolis e pepino processado.
Mas, em algum momento, vamos cruzar a linha que separa o que é um chocolate de outra coisa e teremos que aceitar que o que gostamos no chocolate é precisamente o seu coeficiente "obsceno" de gordura e açúcar.
Café sem cafeína, guerra sem baixas e paixão sem risco podem ser ilusões que criamos para imaginar uma vida sem perdas, feita permanentemente de acordos ganha-ganha.
Relacionamento sem intimidade e sem mistura, com espaços e territórios totalmente definidos, com regras e contratos bem feitos e com projetos reduzidos a objetivos, não é bem um relacionamento. É administração compartilhada de um condomínio.
Isso não quer dizer que não existem pessoas que vivem em casas separadas com relações absolutamente intensas e qualitativamente ricas.
Em geral, isso significa que a distância e a renúncia ao território comum não estão baseadas em táticas de defesa contra o Outro e sua irredutível intrusividade de gostos, costumes e diferenças —o estrangeiro que nos fez amar aquela pessoa no princípio.
Aquele que demanda distância deve oferecer algo em troca, em termos de real intimidade. Caso contrário, vira café sem cafeína, chocolate sem gordura...
Novas combinações e novos tempos
Estamos em um novo capítulo das relações modernas e indiscerníveis: casar, noivar, namorar ou ficar tornaram-se nada diante dos combinados de gêneros, formas de vida, modalidades de prazer e graus de realidade que colocamos no encontro e no laço com o outro.
Quando a intimidade é de alta complexidade, com poliamor e relações abertas, passamos a desejar, pelo menos de vez em quando e em geral quando as coisas dão errado, o retorno aos velhos tempos em que podíamos confiar em pactos, contratos e promessas.
Mas sempre existiu uma espécie de injustiça na experiência amorosa: um ama, o outro não; um ama mais e o outro menos; um ama agora, o outro depois; um ama para sempre e outro para agora. E isso vai mudando ao longo de uma história, especialmente quando ela é longa.
Em outros tempos (embora ainda hoje também), isso era encoberto pelos pactos que impunham coerção: estamos juntos e dentro disso, vamos atravessar e enfrentar tais variações.
Agora, qualquer desequilíbrio passou a ser medido milimetricamente. Não responder, parar para pensar, pedir mais ou menos tempo, pedir para adiar a resposta... Tudo isso virou uma negociação amorosa contínua.
Com o rebaixamento da moral exterior, que parecia nos impedir de fazer algo ou moldar nossa relação como bem entendêssemos, somos condenados à liberdade de ter que escolher.
Os novos tempos radicalizaram o que Lacan chamava de tempo lógico.
Decidir morar junto não é só uma questão de dois indivíduos, com vontades soberanas e independes, que vão criar um contrato de convivência.
A parte que hesita não precisa ser condenada porque estaria confessando um ato aberto de "desamor" ou de "menos amor". Ela pode explicar que é uma decisão daquele momento, porque as condições subjetivas ainda não estão dadas —e isso não se refere só ao amor e ao para sempre.
Há o tempo dos dois, o tempo de cada um, o tempo da relação, o tempo da relação no quadro de outras relações. Há o tempo da experiência. Há também os momentos de precipitação, adiantamento ou atraso.
Antes, esta encruzilhada era dividida em duas grandes entradas: namorar ou não, casar-se ou não. Hoje temos inúmeros passos intermediários — o que não é ruim, mas torna a relação mais complexa.
Morar junto é uma conquista, como ter um filho juntos, e ela deve ser feita segundo o seu próprio tempo.
Nada mais ridículo do que a namorada do príncipe Andrews, que antes de embarcar em uma viagem internacional quis saber se ele garantia suas intenções, porque ela não queria investir seu tempo e dinheiro em um projeto que poderia não dar certo.
Se você tem condições de fazer experiências, vale a pena examinar as dificuldades que se colocam no caminho.
Tem medo de ter a privacidade invadida? Experimente uma viagem mais longa com o/a parceiro/a.
Tem medo que a rotina dilua o desejo? Experimente passar uma "temporada de ensaio" da casa de um ou outro.
Tem medo de que as famílias se intrometam demais? Crie zonas de exclusão.
Muitas vezes, o medo de morar junto se apoia na fantasia de que o outro nos assediará, como um "stalker" adentrando nossa vida, de modo "grudento" e "excessivo". E dizer "vai um pouco mais para lá" é uma das coisas mais difíceis para quem a gente gosta.
Mas essa é a prova que deve ser enfrentada pelos que precisam de seus "espaços inegociáveis".
A troca aqui é bastante arriscada e frequentemente leva uma relação à morte: vamos ver quem precisa menos de quem?
Dificilmente esta negociação é feita a céu aberto e com palavras ostensivas, mas não quer dizer que não acontece — entre silêncios, afastamentos e, no melhor dos casos, retornos.
O casamento como união heterossexual compulsória tendente a filhos virou apenas uma entre outras modalidades de vida comum, felizmente. Mas os nossos desejos de emancipação e autonomia nem sempre querem pagar a conta de indeterminação e anomia que vem junto com este processo.
O casamento ainda tem grande reputação, porque é complicado desfazê-lo —e quanto mais pessoas, famílias e bens envolvidos, maior o controle social como fator de segurança subjetiva.
Clinicamente, desconfio dos que dizem "somos casados, porque moramos juntos e nos sentimos casados".
Se fosse a mesma coisa, não teriam nomes diferentes.
Nem sempre e não para todos, mas há diferença entre união estável e casamento, pegação e ficada, namoro e noivado. Dar um nome é como encontrar um diagnóstico —o que não significa que teremos o antídoto para a coisa.
Como psicanalista, me apego a palavras. Entendo que atos —como mudar de nome, selar pactos simbólicos e jurídicos, ter a relação reconhecida pelos outros, comprometer bens e famílias— são uma espécie de "perversão consentida", que nos faz tratar pessoas como coisas. Nos responsabilizamos por futuros improváveis com um contrato improvável.
Por outro lado, uma relação "saudável" depende cada vez menos do nome. Ela se mede, cada vez mais, pela sua capacidade de se reconstituir e, cada vez menos, pela sua estabilidade intrínseca supostamente garantida por nomes.
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