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Blog do Dunker

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Aqui estão os 7 passos do governo para desmontar instituições científicas

Jovem sobe rampa de acesso da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília - Raquel Aviani / Secom UnB
Jovem sobe rampa de acesso da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília Imagem: Raquel Aviani / Secom UnB

24/09/2021 04h00

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Como todos que trabalham com pós-graduação no país sabem, demoramos quase 25 anos para criar um sistema de avaliação. Este sistema passou pelo credenciamento de todos os pesquisadores em uma plataforma curricular comum chamada Lattes.

Ali são armazenadas informações completas sobre quase tudo de relevante que um professor de pós-graduação fez ou faz ao longo de toda a sua carreira acadêmica. Todas as bancas das quais participou, todos os cursos que deu ou assistiu, todos os projetos de pesquisa dos quais participou, e principalmente tudo o que ele publicou em forma de livros, capítulos de livro e os preciosos e insubstituíveis artigos científicos.

Enquanto outros países da América Latina, como Argentina, Uruguai e Colômbia enviavam seus melhores valores para universidades estrangeiras, nós decidimos tomar o caminho mais lento, porém mais enraizante de criar nosso próprio sistema de pós-graduações em todas as universidades públicas de todos os estados da nação.

É certo que tal política foi forjada no espírito do período militar que pretendia criar nas universidades uma espécie de reserva técnica nacional de valores estratégicos.

As avaliações da pós-graduação são um verdadeiro inferno para os programas e seus coordenadores. Elas já foram anuais, depois passaram a ser trienais e agora se desdobraram em um sistema quadrienal.

Isto significa que anualmente precisamos entregar uma espécie de imposto de renda gigante sobre tudo o que fizemos, somando os quinze ou vinte professores, no caso de um departamento grande.

Mas o sistema que coleta estes dados, chamado de Sucupira, não "puxa" os dados do Lattes integralmente e nem todas as informações requeridas estão nos currículos.

Isso faz com que os coordenadores de programa, cujo custo de hora aula e o gasto para se tornarem pesquisadores de excelência foi altíssimo para o Estado, se vejam obrigados ao trabalho administrativo durante meses a fio.

Os programas que contam com secretarias adernam suas funções orgânicas como realização de bancas, pesquisas e financiamentos, para o preenchimento de um material que chega a trezentas páginas por ano e mais de mil quando se trata da quadrienal.

Mas os problemas não terminam aí.

Existem reuniões setoriais e sazonais de esclarecimento, redefinição de políticas e treinamento para os preenchedores de relatórios.

O lado bom da coisa é que a pesquisa tornou-se uma das atividades mais transparentes de todo o universo de processos públicos. Qualquer um pode ter acesso ao Lattes, às avaliações do Sucupira e ainda às teses realizadas em cada departamento e até mesmo aos artigos científicos publicados de cada um dos professores.

Por isso, no mais puro exercício de prestação de contas públicas, propomos este pequeno manual para entender como a administração Bolsonaro pratica seu método de destruição institucional.

1. Acuse o que é mais transparente de ser opaco

Como vimos, o sistema universitário brasileiro é uma exceção notável quando se trata de contabilizar o trabalho e as ações de seus funcionários.

Como e onde mais se poderia verificar quantos pareceres um ministro realizou ou quantas portarias um técnico expediu?

Escolha, portanto, a área mais dirigente na prestação de contas do que faz para afirmar que ali só há balbúrdia e consumo de maconha.

2. Substitua os mais experientes funcionários por figuras opacas

Foi assim que os ministros da Educação foram sendo selecionados e substituídos, segundo uma regra da maior experiência administrativa e curricular, derivada das instituições mais representativas por egressos de formação intermediária, cujo Lattes fica francamente abaixo da média da área.

3. Altere regras de modo errático

Durante a coleta de dados para o último Sucupira, as regras de coleta e avaliação sofriam mudanças no cronograma e no conteúdo, que variavam de semana para semana.

As categorias se multiplicavam, a interpretação do que se exigia caminhava de forma confusa, com inúmeros recomeços, retrocessos e enigmas.

Perceba-se que a mudança na direção e nos cargos mais altos, gradualmente se expandia para os graus mais operacionais, gerando uma espécie de inconsequência com a fidelidade na política pública antes em curso.

Desta forma, compromissos são violados em nome da renovação, o que ganha aplausos do público que de longe não entende nada, a não ser que "agora" sim algo está acontecendo naquele órgão ou instituição.

4. Contrarie princípios como se isso fosse um choque de gestão

Enquanto a crise de governança acontece, fortalecida pelos pedidos crescentes de aposentadorias sem reposição, os professores que participam do processo em seus níveis mais elevados, seja os coordenadores de área, seja os membros do Conselho Técnico da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal (Capes), tentam manter o processo em funcionamento, sendo esmagados pela pressão que vem de baixo, dos programas de um lado e pela mudança de rota constante, que vem desde cima.

Responsabilize-os pelos descaminhos, assim eles serão objeto de devoração por seus pares. Assim seguimos a regra geral do método que é destruir responsabilizando os próprios destruídos pelo processo.

5. Austeridade com o dinheiro alheio

Uma vez que a opinião pública foi convencida de que o Estado é o inimigo, restrição de salários, cujo valor nominal são públicos e transparentes, redução na reposição de vagas, restrição de investimentos em pesquisa são recebidos com aplausos.

Os valores médios dos proventos dos professores estão abaixo da média mundial, ainda que a média de publicação por docente esteja na faixa superior.

Uma finalidade básica do sistema de avaliação é operar como indicador para a distribuição de bolsas de pesquisa, em nível de mestrado, doutorado e pós-doutorado, bem como premiar a produtividade docente.

Neste sentido a cartilha manda reduzir investimento, não repassar o montante já destinado e desativar a relação esperada entre as notas, a regionalidade e os fatores de excelência, construídos arduamente ao longo dos anos pelos próprios cientistas.

Assim, com menos dinheiro e o sistema de avaliação cada vez mais errático e intrincado podemos chegar no último estágio da paralisação do processo...

6. Judicialização

Anunciou-se nesta semana a interrupção do processo de avaliação quadrienal dos programas de pós-graduação no país, tendo em vista irregularidades nos critérios e inconstância de procedimentos.

Antes disso, a coordenadora da Capes havia suspenso a reunião do conselho técnico porque ele se apresentava irregularmente composto por vinte membros e não por dezoito como estaria prescrito em regulamento.

Disso resulta que a imprevisibilidade de regras e critérios, produzida pela primeira parte do método é "punida" tanto pelo levantamento de uma suspeita jurídica sobre quem antes fazia as regras, quanto pela paralisação do processo ele mesmo.

Assim a distribuição e repasse de recursos finalmente será remetida ao improvável universo jurídico que poderá ser indefinidamente adiado, porque afinal o tempo é uma substância gratuita para os que não estão interessados em progresso ou aperfeiçoamento de processos.

7. Síntese

A síntese deste procedimento não será de difícil compreensão. Basta que as divisões, dúvidas e críticas que cada área faz de sua própria realidade (excesso de burocracia, opacidade de decisões, desequilíbrio entre áreas e exigências particulares de cada curso em cada região), seja cinicamente elevada à condição de acusação paranoica.

Assim, a "desarmonia" criada pelo olhar de longa distância pode ser punida com um juízo genérico que em nome da lei, "coloca ordem na casa". A desordem das práticas institucionais gera as razões que justificam sua própria extinção.

O método "poupa" recursos da pesquisa e educação, recursos que, sob aplauso, serão endereçados para a área militar ou para o financiamento eleitoral.

Pode-se aproveitar a ocasião para atacar a "elite" privilegiada que em nome de todos está a criar um mar de inutilidades.

Esta mesma retórica culminará no repúdio a tudo o que limite o poder de praticar autodestruição e corrupção em nome da lei, este golpe dentro das instituições.