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Blog do Dunker

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Medo de perder tempo no amor piorou na pandemia; a ciência explica

fotografierende/ Pexels
Imagem: fotografierende/ Pexels

12/03/2021 04h00

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Muitas mulheres, especialmente aquelas acossadas pelo relógio biológico da maternidade ou pelo imperativo de sucesso amoroso tentam orientar suas escolhas por uma espécie de checklist de predicados a encontrar no parceiro ou parceira. Isso é lastimável.

Recentemente a namorada de um dos membros da realeza do Reino Unido teve seu namoro bruscamente interrompido. Diante de um convite para participar de um casamento na costa oeste americana quando candidata a integrante da realeza declarou: "quero saber suas reais intenções comigo, não quero investir meu tempo e dinheiro em um passeio caro como este sem saber se isso me trará garantias de relacionamento futuro".

O nobre britânico agiu certo. Aquela que quer garantias contratuais para o investimento amoroso, ou espera seu dinheiro de volta, de acordo com o código do consumidor, está desconhecendo que a essência de um namoro é o risco.

Sua estrutura é feita de apostas em vários níveis: intimidade, partilhas, gostos, famílias, amigos, universos culturais, aspirações de consumo, sonhos e ideias. Os blefes não estão excluídos, mas querer jogar sua escolha amorosa com um "seguro contra acidentes" é o mesmo que comer chocolate sem açúcar, café sem cafeína, revolução sem violência (como diz meu amigo Slavoj Zizek), ou seja, conquista sem indeterminação acaba com a conquista.

Não confundir exigência e rigor na escolha de parceiro de viagem com fazer a viagem sem sair de casa. Isso acontece de forma cada vez mais frequente porque as plataformas digitais nos colocam em contato com pessoas, muitas vezes, muito distante fisicamente de nós.

O problema agravou-se com a pandemia de covid-19, porque uma vez que não podemos sair de casa e uma vez que o risco de contato visceral com o outro tornou-se crítico do ponto de vista sanitário, por que não passear pelo mundo? Como se quando nos envolvemos com alguém na Noruega ou no Zimbábue o risco fosse zero. Como se a distância e a improbabilidade do encontro evitassem por si mesmo o risco subjetivo de envolvimento.

Esta situação às vezes encontra uma evolução clínica difícil pois depois de alguns meses ou anos teclando e dividindo sua vida com alguém assim distante, cria-se uma divisão subjetiva porque faltam certas condições objetivas para que aquele amor se realize em seus próprios termos, por outro lado a distância e platonismo da situação tornam mais difícil perceber os insidiosos e odiosos pequenos detalhes que nos ajudam a odiar alguém e a precipitar separações.

Sob certas condições o processo de conquista torna-se tão doloroso e revive tantas decepções que a pessoa prefere pulá-lo, indo diretamente para a negociação de como será a vida comum. Isso às vezes acontece. Não devemos nos esquecer de culturas e épocas onde havia casamenteiros, dotes, ofertas de casamento feitas em jornais e arranjos matrimoniais entre famílias. "Case primeiro, encontre o amor depois" não é uma ideia totalmente sem cabimento.

O problema é que a maior parte das nossas fantasias amorosas passa por um capítulo chamado: o encontro do improvável, ou o jogo da conquista.

Uma parte desta estratégia "defensiva" quer evitar perda de tempo com namoros que fracassam. Muitas vezes temos aqui uma comparação desleal que cria fracassos só porque não chegamos até a próxima fase do videogame. Como se amor de verdade fosse sempre aquele que continua. Se não continua é porque não era (amor) e se não era é porque eu não sou (suficientemente amável).

Esse não é realmente um bom critério para o fracasso porque ele formou-se em uma época na qual a quantidade de relacionamentos potenciais era muito menor que a nossa.

Ora, quando aumentamos a quantidade de ofertas surgem montagens altamente improváveis em outros contextos, por exemplo, amores onde o sexo é tão importante que recobre todo o resto, inclusive a saúde mental dos envolvidos. Amores dependências, formas masoquistas que aquela pessoa nem sabia que existiam. Rodas de trisal e poliamor que eram por assim dizer muito mais cultural específicas, sem falar em experimentações —homo, hétero, não binárias de amor, desejo e gozo.

Diante de um cenário tão devastador ou tão atraentemente vasto alguns sentem este sentimento de perda de tempo quando o namoro está morno, não pegou fogo ou atendeu a todos os targets de performance.

Lembremos aqui que o Fear of Missing Out (FOMO) é uma profecia autorrealizadora, ou seja, quanto mais você se deixa levar por ela, mais você vai se sentir excluído da festa e pensar que os outros estão gozando muito mais que você.

Aqui há uma curiosa analogia entre a sigla FOMO, e a variante verbal do verbo ir no pretérito: fomos. "Os outros foram à festa, você perdeu porque ficou em casa com a namorada", ou, como diria Adoniran Barbosa: "nóis fumo e não encontremo ninguém".

Seu inverso estrutural é naturalmente o FODA (Fear of Dating Again), o Medo de Voltar a Sair. É também uma profecia autorrealizadora, mas em outro sentido.

Quanto menos você sai, menos vontade você tem e mais perturbador acaba sendo o temor de abrir para a experiência. Depois de muito tempo na caverna da quarentena, seja ela por covid ou por sequelamento amoroso anterior, quando decidimos sair uma misteriosa força nos faz voltar para aquele lugar diante a televisão, ou pior ... da tela do computador.

Como os escravos de Platão tememos a luz da realidade. Depois de tanto tempo nos convencendo de que lá fora é perigoso, que afinal conseguimos. Mas depois de anos sem andar de bicicleta, vem aquele sentimento de que desaprendemos a arte de como fazer. As mesmas inibições, vergonhas e constrangimentos que sentimos na puberdade ou na adolescência voltam e nós nos conformamos com nossas cavernas libidinais abaixo da linha da miséria.

Entre a FODA e o FOMO podemos conjecturar a existência de uma síndrome intermediária: o Medo de Perder Tempo. A Fear of Missing Time (FOMT) é a sensação exasperante que diante de tantas conversas inúteis, de tantas farsas e falsas promessas, todo o nosso engajamento e dedicação a este novo universo de procura e conversa é uma perda de tempo.

O FOMT se revela com a típica atitude intempestiva: sair de todos os aplicativos. E sair com raiva e esvaziamento de si. Mas será que ele não deixa nada de interessante em nós, mesmo depois de fracassos e de uma errância capaz de fazer inveja a Moisés e Josué?

Muitas vítimas de FONT estão observando demasiadamente os defeitos do parceiro pensando, em backstage, que poderiam achar "coisa melhor".

Ora, esta lógica comerciária é venenosa para a experiência de amor. Ela faz com que as pessoas não entrem com tudo o que podem, com todas as suas forças em matéria de "interessância" e dedicação. Ao final só tiramos da cartola o coelho que colocamos lá antes do truque. Fazer exigências deste tipo, para o outro ou para si, muitas vezes é uma forma de se prevenir da decepção reduzindo o empenho desejante.

Um sintoma secundário da FONT é tornar a fidelidade uma espécie de signo maior da autenticidade da relação amorosa, uma espécie de certificado de que a relação é séria e não apenas uma aventura (como se não houvesse aventuras sérias).

A fidelidade é um ponto problemático e incontornável na experiência amorosa de nossa época porque ela nos coloca no cruzamento de duas condições contraditórias.

Por um lado, nos relacionamos com o outro como um sujeito, que tem a liberdade como função central. Por outro, nos relacionamos por meio de um contrato tácito de posse e propriedade.

As decisões compartilhadas de um casal são o protótipo do primeiro caso, o sexo é o modelo para a segunda circunstância. Mas o amor é algo que que passa entre ambas, é a Fonte, entre a Foda e o Fomos.