Até quando a falta de acesso digital de alunos vai ficar invisível?
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No ano passado, fui convidado a gravar um Café Filosófico Expesso com a educadora Debora Vaz. A equipe de produção não poderia ter escolhido uma locação mais interessante para que pudéssemos debater o tema da responsabilidade e infância: uma escola pública localizada na praça Roosevelt.
O lugar é de alta concentração da diversidade cultural em São Paulo, com vários teatros e bares históricos e que aos sábados abriga uma multicolorida combinação de gente praticando skate, patinação e outras formas de convivialidade, inclusive religiosa, em função da proximidade com a Igreja da Consolação.
Destaque para a pioneira iniciativa da Psicanálise na Praça Roosevelt, que acolhe e escuta os passantes, com seus psicanalistas sentados em cadeiras de praia, de forma aberta e gratuita, há mais de três anos.
Mas havia um motivo adicional para que meu coração batesse mais forte enquanto o drone filmava nosso trajeto de casa até lá.
Antes de abrigar uma das sedes da escola Caetano de Campos, ali tinha sido a antiga escola alemã de São Paulo, a Deutsche Schule, que depois se transformou no Colégio Visconde de Porto Seguro, onde eu estudei a vida toda e por longos e inesquecíveis seis meses na praça Roosevelt.
Lembro-me de segurar a mão de minha avó, que morava ali perto, enquanto atravessamos o futuro Parque Augusta rumo à escola onde ela dava aula, onde meu pai havia estudado e onde ela mesma conhecera seu marido, professor de música e artes.
Lembro-me da cúpula na entrada, que me parecia elevadíssima, como que a tocar o céu, de onde o Todo-Poderoso observava, impiedoso, minha iniquidade e imperícia com a língua de Goethe.
Meu rap cardíaco se viu brutalmente decepcionado quando chegamos à porta da escola e fomos recebidos pelo administrador local dizendo: "vocês não vão entrar de jeito nenhum".
A equipe da TV Cultura tinha trabalhado pacientemente colhendo autorizações prévias, cartas de permissão e contatos de toda sorte com a Secretaria da Educação, cujo conjunto preenchia uma pasta.
Contudo, a capacidade de obstruir, adiar e lidar com o tempo de forma inconsequente parece infinita na lógica de condomínio.
Não foi suficiente dizer que não tínhamos qualquer intenção de denúncia e que escolheríamos o melhor ângulo ou espaço, por ele indicado, para funcionar como paisagem de nossa conversa e que os cinegrafistas poderiam colher detalhes intactos do belo edifício.
Nada disso demoveu o responsável local pela coisa pública de tornar visível o interior de uma escola, que é também patrimônio histórico e pessoal.
Fizemos a coisa na praça e no café e em meio ao vento e às crianças rodando.
A experiência me veio a lembrança quando mais recentemente acompanhei a discussão em torno do retorno das atividades escolares em tempos de pandemia.
Se no primeiro tempo tivemos o discurso da gripezinha e da virilidade contra a covid-19, opondo quarentenistas aos negacionistas, no segundo capítulo da conversa observamos o prefeito de São Paulo adiando o retorno às escolas em nome da "proteção", quando o mais provável é que ele esteja encarnando a voz do síndico escolar a dizer: "não vamos deixar vocês entrarem porque aí todo mundo vai ver a realidade pauperizada e precária de nossas escolas".
Em vez de alocar recursos para providenciar equipamentos e protocolos, em vez de mobilizar vans de transporte específico para professores, em vez de colocar água e merenda em todas as nossas escolas, em vez de comprar testes para aplicação massiva na porta das escolas, vamos deixá-las vazias e invisíveis.
Em vez de investir em condições sanitárias para este empreendimento de alta complexidade, potencialmente reorganizativo e renovador dos equipamentos educacionais, basta abrir o retorno para as escolas de ensino médio (lembrando que o município não tem escolas de ensino médio).
Ou seja, batemos palmas para a prudência quando a operação é apenas de encobrimento e invisibilização do descaso.
Bastaria dizer: escolas sem condições de retorno são escolas sem condição de retorno, porque em regra, elas já não tinham condições de funcionamento antes da pandemia. Vamos olhar para elas? Vamos torná-las objeto de obras, regras e investimento específico para receber alunos, para que a prudência seja observada.
Mas a invisibilidade é a política mais simples e muito mais barata.
A questão crucial, persistentemente invisibilizada em toda esta discussão, é a ausência de acesso digital eficaz em nossas escolas.
Cansei de ouvir relatos de pais que caminham quilômetros para alcançar um lugar, geralmente privado, de acesso à banda larga ou wi-fi, para carregar as lições de seus filhos.
Por que ainda não se aplicou os recursos do fundo especificamente formado, desde a privatização da telefonia, para a informatização de nossas escolas?
Vários candidatos a prefeitura sugerem a distribuição de tablets em nossas escolas.
A tensão entre visíveis e invisíveis pode ser a questão-chave destas eleições municipais. Não só pelo protagonismo assumido por candidaturas coletivas, com forte participação de negros, periféricos, mulheres e LGTBQI+, mas pelo fato de que a acessibilidade digital, necessária inclusive para abertura ou fechamento de câmera em situação de aula, depende do acesso a condições de igualdade digital.
Quando Bolsonaro adia a chegada da tecnologia 5G ao Brasil, ele não está apenas brincando de trumpismo, ele está mantendo uma população de invisíveis digitais, aprofundando a devastação educacional e encobrindo o processo com nacionalismo.
Seria muito importante que nossas escolas se tornassem mais públicas, no sentido de mais abertas e mais porosas às comunidades e ao território onde se situam, que elas possam ser memoriais de nossa história, para onde sempre pudéssemos retornar ou com a qual pudéssemos estar conectados.
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