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André Noel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que somos treinados para desconfiar da segurança de sistemas que usamos

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Imagem: Freepik

André Noel

07/08/2021 04h00

Depois de uma manhã de trabalho tenso, finalmente chega a hora do almoço e você resolve ir na padaria do prédio ao lado, que também serve almoço por quilo, e você pode escolher a comida no buffet para selecionar uma comida saudável.

Porém, antes de chegar ao buffet você é seduzido por uma coxinha que está no balcão com uma aparência apetitosa. Você chama a pessoa que está atendendo e faz aquelas perguntas básicas que todo mundo faz: "Essa coxinha é de carne? Faz muito tempo que foi feita? E o sistema de pagamentos de vocês é seguro? É auditável?"

Fomos apresentados recentemente a essas perguntas sobre segurança da informação, mas de uma forma muito limitada. Hoje em dia, tudo o que fazemos passa por meios digitais, por sistemas de computador. Será que estamos seguros? Será que o sistema está fazendo a coisa certa?

Quando eu era bem "jovenzinho", fiz um curso de informática básica. Não sei se as pessoas ainda fazem esses cursos hoje em dia, mas era um curso que ensinava a usar o computador e os seus principais programas. Foi muito bom, todo mundo deveria passar por um curso desses alguma vez na vida.

Nesse curso, aprendi uma frase com meu professor que explica muito sobre o funcionamento do computador, que nunca me esqueci:

O computador nunca erra, o erro sempre é humano. A culpa é do humano que está usando o computador ou do humano que o programou."

Resumindo, o computador só faz o que o mandam fazer.

Claro que ainda temos que considerar algumas falhas de hardware (a parte física da máquina), onde algo pode se corromper ou deteriorar, mas o risco disso é mínimo e também fica a cargo do humano prever e prover formas de contornar essas falhas.

Anos depois, aprendi outra frase verdadeira sobre o uso de computadores:

Errar é humano, jogar a culpa no computador é mais humano ainda."

Por isso é tão comum vermos as pessoas culpando "o pessoal do T.I.".

Não sei se essas informações consolam ou amedrontam mais, porque se por um lado o computador nunca erra, por outro você depende de humanos que entendam e resolvam inúmeros tipos de problemas, prevendo brechas das mais diferentes formas.

Com isso em mente, você já parou para pensar que o seu dinheiro está guardado em um banco que lhe deu todo acesso a partir de um app de celular protegido com uma senha de 4 a 6 dígitos, que você costuma usar o número da sua casa como senha ou a combinação dos aniversários dos filhos? Já pensou que aquele concurso público ou vestibular dependem de sistemas de inscrição e até correção informatizados? Ou será que você só começou a pensar sobre isso com as urnas eletrônicas?

A segurança da informação é uma área muito importante e que ainda vai crescer muito, mas muito se tem feito para garantir a integridade e confiabilidade de sistemas.

Eu queria, de coração, viver em um mundo onde as pessoas fossem boas e não precisássemos disso, mas quanto mais as pessoas querem levar vantagens, mais camadas de segurança precisamos implementar.

Se você viaja pelo mundo ou se conversa com alguém que costuma viajar, pode perceber que algumas transações financeiras por aqui têm muito mais "segurança", ou seja, mais protocolos e etapas para garantir que seja seguro. A diferença acontece por que a nossa tecnologia é melhor? Não, acontece porque a necessidade é maior, por conta do "jeito brasileiro" de lidar com as coisas.

Desde cedo somos ensinados de que alguém vai querer te passar para trás, alguém vai querer levar vantagens sobre você se puder.

Quando eu era pequeno, aprendemos a famosa frase "tá roubando!", comum quando se está perdendo um jogo de tabuleiro ou de cartas. Se o outro está ganhando, de alguma forma ele deve estar roubando, trapaceando.

Já a geração do meu filho, jogando online, usa muito a frase "foi um hack!" ou "ele tá de hack", porque "não dá para ele ganhar desse jeito se não tiver usando um hack".

Somos treinados a desconfiar, o que de certa forma é bom. Como eu disse antes, seria bom se vivêssemos em um mundo onde isso não fosse necessário, mas ser desconfiado nos ajuda a não sermos passados para trás.

Em relação ao que tem sido discutido sobre as urnas, quanto mais traumático tenha sido o resultado anterior, mais a gente desconfia ou quer acreditar que tenha acontecido alguma trapaça.

Mas será que não podemos confiar no que é digital? Já confiamos nosso dinheiro, nossas passagens de avião, nossos diversos cadastros, as notas da escola das crianças.

Há muitas formas de ter sistemas digitais seguros e auditáveis, que registram tudo o que é feito de forma que possa ser verificado. Os sistemas também evoluem com o tempo, brechas são corrigidas, camadas de segurança são adicionadas.

O que aprendemos é que não podemos confiar nas pessoas, já que as máquinas "nunca erram".

Nesse ponto a gente precisa desconfiar tanto se o processo está indo bem (conhecer como é feito e como é a segurança), quanto desconfiar de quem acusa o processo e pensar: qual desses personagens envolvidos é que está tentando me passar para trás?

Sim, é muito mais cansativo ser brasileiro.

Uma boa semana a todos.