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Akin Abaz

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Racismo nas mídias digitais tem tantos nuances que talvez você nem perceba

Anna Shvets/ Pexels
Imagem: Anna Shvets/ Pexels

Colunista do UOL

26/08/2021 04h00

Nego drama
Cabelo crespo e a pele escura
A ferida, a chaga, à procura da cura
Nego drama
Tenta ver e não vê nada
A não ser uma estrela
Longe, meio ofuscada"

Negro drama - Racionais MC's

Como bem evidencia o grupo de rap Racionais MC's em sua música, nós, negros, estamos sempre na procura incessante para curarmos as feridas que ainda sangram. Ao mesmo tempo, nos sentimos cansados de falar apenas sobre as nossas dores, de sermos lembrados no dia 20 de novembro e esquecidos nos outros 364 dias do ano. Como se fossemos uma coisa só, sem particularidades, sonhos, crenças, sexualidade, religião, profissões distintas, dialetos diversos.

Em pleno século 21, muitas pessoas não-negras ainda acreditam que a África é um país e não um continente. Além da falta de conhecimento geográfico, demonstram um preconceito absurdo, uma desumanização.

Com o surgimento da internet e das redes sociais, que se tornaram parte do nosso dia a dia, aplicativos que permitem o compartilhamento da nossa rotina e talentos se tornaram uma extensão e espelho da sociedade. Logo, situações e movimentos benéficos podem ser vistos assim como sistemas e processos desiguais como o racismo.

Para falar sobre o racismo na mídias é preciso avaliar as suas várias nuances, desde os algoritmos dos aplicativos que proporcionam um alcance maior dentro da plataforma aos perfis que publicam imagens de pessoas brancas, passando por influencers e produtores de conteúdo negros que ganham menos do que brancos que fazem o mesmo trabalho, chegando até mesmo a ataque a artistas e pessoas públicas negras, como no caso da jornalista Maria Júlia Coutinho, Maju, que foi alvo de uma série de comentários racistas em uma de suas redes sociais.

Em 2020, a youtuber e digital influencer Sá Ollebar, que fala sobre autocuidado, maternidade, viagens e ioga, iniciou um experimento na plataforma queridinha para compartilhamento de fotos e vídeos.

Depois de um tempo, vendo uma queda crescente nos seus índices de alcance digital, Sá decidiu publicar fotografias de mulheres caucasianas (brancas) em seu perfil pessoal e analisou o que aconteceu com as métricas de engajamento a partir dessas postagens.

Infelizmente, para nossa terrível surpresa (ou não), a ferramenta de estatísticas conferiu um aumento de 6000% em seu alcance, o que gerou uma comoção de comentários e compartilhamentos de seguidores e outros influencers que optaram por aderir ao experimento em seus perfis, e tiveram resultados similares aos de Ollebar.

Pessoas negras ficaram indignadas (mas infelizmente não totalmente surpresas) com o fato de que até o algoritmo de uma rede social foi criado para reproduzir um movimento racista.

Elas notaram a valorização de tudo que vem do homem ou da mulher branca somado à desvalorização de tudo que é relacionado ao negro, confirmando o que já vinha sendo observado e falado nas redes e fora dela: o racismo algorítmico.

Uma outra situação que reflete esse mesmo absurdo ocorreu com a rede do passarinho azul, que possui um erro peculiar no seu algoritmo, onde exclui pessoas negras e homens na hora de cortar as fotos. Essa afirmação foi feita pelo próprio servidor, que se comprometeu em rever isso. Em uma recente atualização, o aplicativo não corta mais as fotos postadas.

Um estudo, realizado em maio deste ano, foi comandado por três pesquisadores em aprendizado de máquina após as críticas feitas por quem usa a rede a respeito do modo de visualização das imagens que cortava os rostos de pessoas negras das fotos. O mesmo fato só acontece com o pequeno grupo de 8% em relação às mulheres e apenas 4% em indivíduos considerados brancos.

Em um outro aplicativo, em meados de 2020, Sydnee McRae uma jovem de 22 anos, começou a bombar na plataforma chinesa de vídeos curtos, que vem fazendo sucesso entre os mais jovens.

Durante os lockdowns provocados pela pandemia de covid-19, no intuito de passar o tempo e se divertir, McRae criou e executou uma dança para a música "Capitain Hook" que é um hit da rapper Megan Thee Stallion. Após desafiar outras pessoas a dançar por conta própria com a hashtag #captainhookchallenge, e um vídeo para explicar o passo a passo que atraiu mais de 400 mil curtidas, Sydnee viralizou.

Em poucas semanas, muitos influenciadores com milhões de seguidores apresentaram suas versões da coreografia, o que fez o vídeo e a música dispararem ainda mais em popularidade.

Devido a todo esse sucesso, McRae largou o seu emprego como gerente de vendas na Massage Envy em Miami e foi contratada por músicos e gravadoras para promover suas canções. Ela chegou a ganhar cerca de US$ 500 por dança.

Porém, pouco tempo depois, uma celebridade da web conhecida como Addison Rae Easterling repetiu sua dança, foi contratada para isso e chegou a ganhar muito mais do que a própria Sydnee.

Durante o ano de 2019, algumas situações de racismo nas redes sociais ganharam repercussão na imprensa, dentre essas as que foram direcionadas para a jornalista Maria Júlia Coutinho, a atriz Taís Araújo e a cantora Ludmilla.

Os casos são semelhantes entre si, envolvem perfis falsos nas mídias que ofendem as três personalidades com comentários preconceituosos e racistas como "macaca" e "cabelo de esfregão".

No caso de Maju, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou em março de 2020 dois dos homens acusados de racismo e injúria racial contra a apresentadora.

Para conhecer, inspirar e aprender

Em meio a tantas literaturas, reportagens, podcast, filmes e conteúdos feitos por pessoas negras de diversos segmentos, não saber sobre temas como racismo estrutural, solidão da mulher negra, feminismo negro ou não acompanhar e se inspirar em personalidades pretas no cinema, na moda, culinária, música, artes plásticas e tanto outros, é apenas uma desculpa preguiçosa de quem não quer sair da zona de conforto e prefere permanecer na bolha de preconceitos e privilégios.

Se você é uma daquelas pessoas que querem estudar mais sobre as temáticas citadas acima, confira as dicas a seguir:

Glossário Antirracista

Produzido em parceria com História da Disputa e o Sesc Florêncio de Abreu, o Glossário Antirracista traz referências bibliográficas importantes, trabalha o conceito histórico e contextualiza o racismo no Brasil de forma clara e direta. Ele pretende aprofundar a discussão do tema e aborda conceitos como diáspora africana, estética negra, genocídio do povo negro, interseccionalidade e muitos outros.

Racismo linguístico: os subterrâneos da linguagem e do racismo

A obra de Gabriel Nascimento, escrita de maneira acessível e didática, explica como a linguagem e o estudo da língua portuguesa ainda hoje são permeados por preconceitos raciais. Trazendo uma reflexão sobre como a academia e o idioma precisam ser reformulados para se tornarem antirracistas. Sendo de interesse não só para quem estuda a linguagem, mas para todos que querem aprender mais sobre a complexidade da desigualdade racial no Brasil.

* Colaborou Gabriela Bispo, jornalista e planer da InfoPreta