Topo

Psychonauts 2 reforça a discussão sobre dificuldade nos games; veja review

Psychonauts 2: brilhante na narrativa audiovisual, mas subestima empenho do jogador - Divulgação/Double Fine
Psychonauts 2: brilhante na narrativa audiovisual, mas subestima empenho do jogador Imagem: Divulgação/Double Fine

Por Marcelo Ferrantini

Colaboração para o START

25/08/2021 04h00

Psychonauts 2 chega hoje (25) para PC, PS4, Xbox One e Xbox Series S|X, e o timing não poderia ser mais oportuno. Nas últimas semanas, um debate tomou conta da bolha gamer nas redes sociais: videogames são um desafio... ou um entretenimento? Jogos deveriam ser mais fáceis? É "aceitável" que alguém jogue um game no modo easy, só para "curtir a história"? Psychonauts 2 vem acrescentar mais uma camada nesse debate.

A trama coloca o protagonista Razputin como o novo estagiário no quartel-general dos Psiconautas - a agência de intervenção psíquica que conhecemos no jogo anterior. Seria o emprego dos sonhos, se o seu chefe, Truman Zanotto, não estivesse assolado por um mal misterioso.

Para resolvê-lo, Raz novamente terá que acessar a mente de diversos personagens, que é uma das grandes sacadas da franquia. Cada mundo mental é bem caracterizado segundo a personalidade do personagem, e, indiretamente, aborda temas importantes de saúde mental, como orientação sexual, ansiedade, alcoolismo, vício em drogas e bipolaridade.

Esses mundos também trazem as duas principais mecânicas de jogabilidade. Psychonauts 2 é um jogo de plataforma com elementos de hack and slash (e uma pitada de RPG), mas também um jogo de puzzles. E é nesse último que começam os problemas. Ou melhor... a ausência de problemas.

Psychonauts 2 - Divulgação/Double Fine - Divulgação/Double Fine
Imagem: Divulgação/Double Fine

O jogo te pega pela mão

Sendo bastante direto: Psychonauts 2 é fácil demais. Não é aquele fácil para alguém bastante familiarizado com jogos. É simplesmente fácil mesmo.

O primeiro puzzle que realmente demanda raciocínio chega por volta das sete horas de gameplay. E faria sentido que, depois de um longo período de adaptação aos controles e às mecânicas, finalmente surja um enigma para começar a subir a curva de dificuldade.

Mas toda oportunidade que o game tem de facilitar ainda mais, ele não deixa passar. Muitas vezes, menos de um minuto após Raz chegar à sala do puzzle, algum personagem já oferece, com todas as letras, a solução do desafio. Outras vezes, essa resposta vem antecipadamente - basta parar alguns segundos para relembrar uma fala de algum NPC ou do próprio protagonista.

O único aumento de dificuldade visível durante é o crescimento do número de inimigos nos momentos de luta (e olha que, segundo o criador Tim Schafer contou ao START, sem a grana que a Microsoft injetou no seu estúdio Double Fine, talvez os chefões do jogo sequer existiriam).

A sensação geral é de um backseating eterno: você vira refém dos conselhos do próprio jogo. E a passividade é reforçada ainda mais por uma enorme quantidade de cutscenes, explicando a história em vez de deixar o jogador descobri-la ativamente. Há momentos em que você sai de uma cutscene longa, de três ou quatro minutos, e, ao abrir uma porta que estava na sua frente ao fim da cena, começa outra!

E isso não acontece só no começo, quando seria justificável explicar o universo do jogo (especialmente para quem nunca jogou o original, lançado há mais de 15 anos). Batalhas que poderiam ser empolgantes ou trechos de plataforma que poderiam ser um grande teste de habilidade - tudo é transformado em cutscene, sem dó, facilitando a vida do jogador muito mais do que o necessário.

Psychonauts 2 - Divulgação/Double Fine - Divulgação/Double Fine
Imagem: Divulgação/Double Fine

Autor, obra e obra de arte

É curioso pensar que esse problema tenha acometido exatamente um jogo que muitos considerariam "autoral". Seu criador é facilmente identificável: Schafer surgiu como uma figura popular no cenário independente, e está associado a vários clássicos com um estilo narrativo único, como Grim Fandango, The Secret of Monkey Island e Full Throttle. Seu DNA está espalhado em toda parte de Psychonauts 2.

Ainda assim, parece que Schafer não se entendeu como autor. Ou, ao menos, não entendeu que seu trabalho como autor não é necessariamente tornar sua obra mais "acessível". Ninguém diria que J.R.R. Tolkien deveria tornar a trilogia de O Senhor dos Anéis mais "amigável" para novos leitores.

Retornamos, de novo, à velha questão de que games não são entendidos como obras de arte - e, por extensão, seus autores também não são entendidos como artista. E Psychonauts é, sem dúvida nenhuma, uma obra de arte: Schafer toca o sentimento do jogador com a jornada de Raz, além de abordar, de maneira inteligente, a temática da saúde mental.

Psychonauts 2 - Divulgação/Double Fine - Divulgação/Double Fine
Imagem: Divulgação/Double Fine

Os personagens são distintos, carismáticos, humanos. A trilha sonora de Peter McCornell é um deleite aos fãs da boa música. Nas canções e no próprio jogo, há múltiplas referências a diversos elementos da cultura pop, como Beatles, Jimi Hendrix, Rocky Balboa e Pink Floyd, muitas vezes, misturadas à linda arte de Lisette Titre-Montgomery.

Então por que não deixar os jogadores se sentirem compelidos a melhorar nesse jogo? A imergir na vibe que a parte artística passa? Psychonauts 2 passa quase como um filme pela frente do jogador. Em termos de gameplay, a única coisa que impacta aos jogadores é o aprendizado de novas habilidades psíquicas, que permite visitar partes dos mundos mentais ainda fechadas ou ter mais ferramentas de combate - para lutas que nem são tão emocionantes assim.

Para um jogo que se passa num universo mental, Schafer elaborou uma narrativa audiovisual memorável. Mas os puzzles e desafios vão sumir dos nossos neurônios nem cinco minutos do fim da tela de créditos (ou um pouco mais, caso queira explorar as side quests) como uma sinapse - eletrizante, porém efêmera.

SIGA O START NAS REDES SOCIAIS

Twitter: https://twitter.com/start_uol
Instagram: https://www.instagram.com/start_uol/
Facebook: https://www.facebook.com/startuol/
TikTok: https://www.tiktok.com/@start_uol?
Twitch: https://www.twitch.tv/startuol