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De Point Blank a Valorant: o papel dos games na carreira do artista Duzz

Eduardo da Silva, o Duzz, é artista de trap que não deixa os games de lado - Tick Oliveira/Divulgação
Eduardo da Silva, o Duzz, é artista de trap que não deixa os games de lado Imagem: Tick Oliveira/Divulgação

Siouxsie Rigueiras

Colaboração para o START

04/11/2020 04h00

Quem ouve as músicas do artista brasileiro Duzz não imagina que por trás da pose despojada havia um adolescente tímido. "Eu sempre fui um moleque muito recluso, sempre muito tímido, quietão e na minha", diz ele, explicando que os games tiveram um papel importante nessa caminhada.

Depois de ser "rato de Counter-Strike na lan house" e quase pro-player em Point Blank, Duzz passou a se dedicar 100% à carreira musical. Os games, porém, não ficaram para trás: ele retomou as streams em 2020, e seu canal na Twitch inaugurado em abril já tem quase 58 mil seguidores.

De Avaré para o mundo... dos games

Foi em Avaré, cidade do interior de São Paulo com 91 mil habitantes, que Eduardo da Silva, 25, teve seu primeiro contato com videogames. Também foi ali que ele começou a produzir, editar e publicar seus vídeos na internet.

Uma das principais influências do artista foi Felipe da Silva, o irmão mais velho, que sempre jogou videogame e também era apaixonado por música. Aos 8 anos de idade, ele já estava na onda do irmão e dos amigos, que iam para as lan houses, populares no início dos anos 2000.

EU SEMPRE FUI UM MOLEQUE MUITO RECLUSO, SEMPRE MUITO TÍMIDO, QUIETÃO E NA MINHA. APESAR DE SER SEMPRE DIVERTIDO E MUITO EXTROVERTIDO COM OS MEUS AMIGOS. OS GAMES ME AJUDARAM DE CERTA FORMA
Duzz, artista e streamer

Além do gameplay

Duzz - Reprodução/Arquivo Pessoal - Reprodução/Arquivo Pessoal
Atualmente, o canal de Duzz na Twitch é focado em Valorant, jogo de tiro da Riot Games
Imagem: Reprodução/Arquivo Pessoal

Segundo o streamer, quando ficou mais velho acabou descobrindo que apresentava sinais de ansiedade desde pequenininho e, foi aí que os games se tornaram um lugar mais seguro para o garoto: "Eu me lembro de ficar todo aéreo das ideias e quando eu tava jogando, eu ficava benzão", relembra.

No fim do dia, jogar ajudava a ficar melhor, gastar energia e pensamentos. "Ficava mais tranquilo e eu já sentia que o game me ajudava na época. [Só] O ato de jogar alguma coisa me ajudava".

Os games também trouxeram amizades novas para Duzz; contatos, que, posteriormente, seriam responsáveis por inseri-lo cada vez mais no cenário dos jogos de tiro.

O Eduardinho ratinho da lan house

Mo locura ne... feliz dia ?? valeu Deus tu é zika

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Segundo Duzz, foi no RPG MU Online que ele registrou mais horas gameplay. Depois disso? Grand Chase, Gunbound e o Counter Strike 1.6. Inclusive, foi o próprio CS que fez o garoto entender que o gênero de FPS seria algo importante em sua vida.

"Na época, no interior, tinha um rankzinho de pontuação de CS entre a galera da lan. Eu comecei a jogar muito e, por jogar bem, comecei a ganhar várias horas de lan house. Fiquei um ratão de lan. Eu era o 'Eduardinho Ratinho de Lan House' (risos)", conta o cantor.

Duzz Eduardo da Silva - Tick Oliveira/Divulgação - Tick Oliveira/Divulgação
Imagem: Tick Oliveira/Divulgação

Em 2010, Duzz começou a jogar Point Blank por causa do irmão. O FPS logo virou o tema dos primeiros conteúdos publicados por ele na internet.

O canal, que nasceu com paródias de PB, tornou-se um dos mais importantes do cenário: "Até 2015...2016, acho que todo mundo que tava envolvido no game sabia quem eu era. Não necessariamente gostava de mim [...], mas conhecia minha cara... sabia o que eu fazia".

Jogando muito bem nos primeiros três anos do lançamento do PB, chegou pensar em disputar competições. "Joguei muito mix e muito campeonato online e ganhei." Na época, jogou contra um dos melhores: Netenho Cavalcante (ex pro-player de PB e de PUBG).

"Perdi todas as vezes contra ele, mas sempre troquei bala com os caras, com o time dele", confessa.

Point Blank - Reprodução/YouTube/Ongame - Reprodução/YouTube/Ongame
Lançado originalmente em 2008, o game de tiro Point Blank teve relançamento em 2014, e ainda recebe torneios no Brasil
Imagem: Reprodução/YouTube/Ongame

Por conta dos seus contatos no game e com o cenário competitivo, Duzz acabou acompanhando a jornada de pessoas próximas: "Eu vi meus amigos irem pro mundial, então eu acho que não seria distante pra mim se eu tivesse focado mesmo no competitivo", relembra.

Eduardo até chegou a fazer parte de uma line-up competitiva: "Eu jogava num time em que a gente não treinava e não tinha disciplina de um profissional. A gente só jogava gastando onda", explica.

Porém, existiam outros motivos para não procurar outras equipes ou se consolidar também como pro player, afinal, dsvrog —como era conhecido— já era uma referência para a comunidade do jogo: "Eu joguei num alto nível, só não quis seguir mesmo. [...] Quis focar mais no lance do YouTube, do rap e de game também. Achei que me daria mais futuro" diz.

Dedicação para ser influencer

Na época do PB, Duzz tinha apenas 16 anos e já produzia conteúdo para seu canal. Porém, morar no interior de São Paulo dificultava dar passos maiores como influencer. "Às vezes demorava de seis a oito horas pra upar um vídeo de 10, 12 minutos. E mesmo assim, houve época em que eu postei três vídeos por dia. Eu gravava dez vídeos por dia", relembra o também youtuber.

Era muito trabalho para um adolescente, e, segundo ele, foi uma das fases que mais se dedicou profissionalmente em toda vida. Com o crescimento do canal, conseguiu até ajudar a família: "Eu tava conseguindo ajudar em casa e ajudar meus pais pagando as contas de água, luz e internet [...] dando um dinheiro pra minha mãe ir no mercado pra comprar uma parada", diz.

A carreira no Youtube fez muito bem para a popularidade do streamer, que resolveu parar de jogar em nível competitivo em meados de 2015. Reconhecido pela comunidade, que acreditava que ele poderia ter uma boa carreira de pro-player, Duzz diz que é fácil ter um alto nível de gameplay fazendo vídeos. "Você grava 10 vídeos, se em três partidas você amassar e se em sete você for horrível, você posta as três que você amassou e a galera acha que você é muito bom", resume.

Além disso, Duzz também teve problemas com investimentos no canal, já que, a empresa responsável pelo game no Brasil, Ongame, preferia investir muito em influenciadores de outros jogos, segundo ele.

Duzz tinha vontade de viver de música, que na verdade sempre foi sua grande paixão: "Eu sempre soube que eu queria fazer algo disso... eu só tinha vergonha, medo... não tinha acesso, não tinha conhecimento, não tinha ninguém próximo que falasse sobre isso", lembra. Para o artista, os conteúdos de paródia do canal foram os primeiros que o deixaram orgulhoso e mostraram para si mesmo sua capacidade de fazer música.

Os primeiros passos para um sonho

"Eu sempre quis dinheiro porque eu nunca tive as paradas", confessa. No próprio mundo dos games, na lan house só via periféricos de marca: "Fone da Steel Series...mouse da Steel Series. [...] E eu olhava para aquilo e falava 'Cara...olha esse fone, mano. Fone branco, nunca vi isso na minha vida'", relembra o artista.

Por conta disso, trabalhou para investir o dinheiro que ganhou fazendo vídeos de PB: "Comprei computador e microfone [...] pensando nas minhas músicas". Nem só em equipamentos Duzz aplicou seu dinheiro, afinal, ele que custeou seu primeiro videoclipe também.

Sobrevivendo de música

Pensando na carreira musical, criou um segundo canal com reacts de música, com foco em rap: "O meu canal ficou voltado para música porque eu já escrevia, compunha e acompanhava hip hop desde moleque. [...] Não é à toa que eu fazia rap no canal de PB", ressalta.

Foi em 2017 que Duzz realmente decidiu viver de música e abrir mão de tudo que já havia conquistado: mudou-se para a capital de SP e focou 100% na carreira.

Porém, ao deixar de lado sua fonte de renda para viver do sonho, passou momentos delicados. Afinal, sua última renda com o canal era de quase R$ 8 mil ao mês, e na sequência transformou-se em apenas R$ 800.

"[Foi] A primeira vez que eu entendi o que era passar fome, o que era chegar no zero, o que era você chegar numa situação psicológica muito deturpada". Distanciado dos games por conta da sua vida financeira, jogava um FIFA ou um Pro Evolution às vezes. Segundo Duzz, "não era aquela sensação que a pessoa que joga sabe do que eu tô falando....de você sentar ali e viver o game naquele momento."

Melhor que ontem

Apesar das dificuldades, ninguém pode olhar para o que Duzz ganhou e falar que teve sorte. Afinal, em quase 10 anos como músico, foi na UCLÃ —grupo de artistas independentes— que lançou seu primeiro álbum e recebeu "um suporte incrível", um apoio além do que seu irmão mais velho havia lhe proporcionado.

Em 2011, ano em que a Twitch foi lançada, já pensava em fazer streaming, mas sua internet o impediu de seguir. Com anos dedicando-se apenas para a música, Duzz alcançou conforto financeiro, que o ajudou a retomar a vontade de fazer lives. Já que, na época que dividia casa com várias pessoas, não conseguia.

Agora, vivendo com sua esposa Tefi Medeiros e seu filho, o pequeno Gael, consegue não apenas fazer transmissões, mas também investir na carreira de youtuber "para não depender [financeiramente] como [dependi] na época [do PB]", finaliza.

Por que Valorant?

Um FPS free to play com "uma pegada old school de movimentação e tiro", lançado exatamente na época de retorno aos games. Foi no Valorant que Duzz se encontrou.

Em meio às suas lives e criação do canal no Youtube focado nos melhores momentos das transmissões na Twitch, alcançou trending topics no Brasil durante o lançamento do seu último trabalho solo, o "Aquecendo a Nave", em 10 de setembro de 2020. O EP repercutiu até no mundo dos games com mensagens da LOUD e o pro player Felipe "BrTT" Gonçalves. "Eu sou dos games, mas foi o trap que me proporcionou chegar mais próximo de pessoas grandes dos games e isso é muito louco, tá ligado? Isso é muito daora" relata.

Em outubro, fez o lançamento de "Lobo-Guará" e "Meus Manos 4" com a UCLÃ e, atualmente, está trabalhando no álbum "Além de Satélites", que para seus os fãs, não é nenhuma novidade. Questionado sobre produzir algo envolvendo Valorant, Duzz disse que: "É uma parada que não tem como falar sim ou não, são ambientes que eu tô caminhando o tempo todo...então, é muito fácil de acontecer, tá ligado? (risos)" acredita. Afinal, em "2all", música com Scoppey, Duzz fala sobre CS e as skins StatTrak, composição que surgiu naturalmente.

Chegou a ser procurado para fazer trabalhos musicais sobre CS e Free Fire - apresentações e canções. O artista se diz "feliz pelos contatos e convites", mas com uma agenda recheada de gravações e lançamentos, "fica difícil" conseguir tempo para se dedicar aos projetos.

Trap e futuro nos games

studio times @lr.beats

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No mundo, o trap é um dos gêneros musicais mais ouvidos. Já no Brasil, o estilo vem crescendo principalmente entre os jovens e, segue lutando para garantir seu espaço, como todo e qualquer outro movimento social e cultural segregado. Já temos referências nos games, tais como o True Damage no League of Legends, lançamento de Astronomical de Travis Scott no Fortnite e, referências de Overwatch na canção "California (World Tour)" de Yung Buda, que também tem uma música com Duzz e outros artistas, "Overdrive Remix".

Para o artista, a união do trap e games é o futuro: "A gente já tem campeonatos de eSports no Brasil que são absurdamente grandes, assim como a gente já tem eventos de música extremamente grandes envolvendo trap. Não tá muito distante não. Acho que daqui a pouco a gente começa aí a fazer esse barulho também", finaliza.

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