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Torneio indígena de Free Fire mostra luta dos povos de Rondônia

Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Thaime Lopes

Colaboração para o START

03/10/2020 04h00

No início de setembro os jovens das etnias Karitiana, Cinta Larga, Tupari, Uru Eu Wau Wau, Juma, Surui, Apurinã e Muduruku tiveram um fim de semana diferente. Entre os dias 4 e 5 (sábado e domingo) 56 participantes disputaram o primeiro torneio indígena de Free Fire promovido pelo Movimento da Juventude Indígena de Rondônia.

Com 14 times participantes, as equipes participaram de três quedas. Na final, quem saiu vitoriosa foi a equipe dos Cinta Larga, que disputaram o título com os Karitiana. A primeira edição fez tanto sucesso entre os participantes que uma segunda temporada já está sendo planejada, mas ainda sem data confirmada.

O START trocou uma ideia com Walelasoepilemãn Suruí, a Pi, uma das fundadoras do Movimento e que organizou o torneio junto com a sua irmã, Walela Soeikingh Suruí. Confira a seguir como foi nossa conversa sobre Free Fire, tecnologia e a luta indígena em 2020.

O Movimento e a tecnologia

Fundado quatro meses atrás, o Movimento da Juventude Indígena de Rondônia já acumula 1300 inscritos, com jovens de 10 a 30 anos. Pi conta que o projeto surgiu da necessidade de unir os diferentes povos do estado, já que apesar da individualidade de cada aldeia, todos compartilham um objetivo comum de lutar pela causa indígena.

Walela jogando Free Fire - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

"Com o Movimento queremos mostrar que os jovens se interessam pela luta e estão aqui para continuar o trabalho dos mais antigos. Hoje, temos questões que às vezes divergem dos mais velhos por sermos de diferentes gerações. Queremos formar líderes", explica a fundadora.

Com 12 etnias representadas no projeto, uma das frentes mais importantes é a relação dos povos com a tecnologia. Apesar da dificuldade de acesso à internet em algumas aldeias, Pi comenta que o Movimento busca mostrar que a tecnologia pode ser uma ferramenta aliada à luta, quando bem utilizada.

"Queremos mostrar para os jovens que isso [a tecnologia] pode estar entrelaçada com a nossa cultura sem que a gente perca nossa identidade. Ela pode ser um ponto positivo para disseminar informação e nossa luta. Também queremos mostrar para o mundo que os indígenas podem estar onde quiserem, da forma que quiserem."

Para Pi, os não-indígenas possuem pré-conceitos que os indígenas tem, por obrigação, agirem de forma estereotipada, como "selvagens que vivem no mato", exemplifica. Mas o equilíbrio entre as duas culturas faz parte do cotidiano de sua família. "Estar em contato com a tecnologia não faz de nós menos indígenas. Somos indígenas e ponto final", fala.

O campeonato como meio político

Walela jogando Free Fire - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal


Dentro de casa, Pi convive com jogos diariamente: sua irmã é bastante fã de games, principalmente os de PS4. Por isso, as duas perceberam que havia uma demanda dentre a juventude do Movimento em relação aos jogos eletrônicos.

Sabendo do envolvimento da galera, surgiu a ideia de realizarem um campeonato online. Decidir por Free Fire não foi difícil: a maioria dos participantes já jogava. Além disso, o Battle Royale da Garena foi escolhido por rodar em quase qualquer smartphone e não exigir internet muito alta.

A partir disso, a fundadora do Movimento começou a conversar com os representantes para discutirem a ideia e montarem o torneio. "No começo, alguns dos mais velhos argumentaram que no momento político atual, não fazia sentido pensarmos em jogos", começa a explicar Pi.

Conversando com os mais novos, os adultos foram entendendo que os games poderiam ser uma porta de entrada para que os jovens sentissem que seus interesses haviam sido ouvidos e, dessa forma, eles se envolveriam mais e entenderiam que futuramente serão os próximos líderes do Movimento.

Para Pi, o meio que envolve os jogos, principalmente as transmissões ao vivo e streamers, pode servir para disseminar a política indígena, mas de um jeito mais descontraído. "A luta não para, então podemos usar essas ferramentas para falarmos de política de uma forma divertida. Mostramos que estamos ali também e isso não faz da gente menos indígena", comenta.

Definido então que o torneio aconteceria e que Free Fire seria o jogo escolhido, o próximo passo foi conseguir as salas personalizadas e organizar tudo certinho. 56 jogadores, sendo duas mulheres, se dividiram em 14 times. O sucesso foi tanto que os participantes já pediram um próximo evento, de preferência no formato de campeonato.

"Alguns dos inscritos jogam Free Fire todo dia e sonham em participar da Liga Brasileira. A gente acha isso muito legal e queremos ajudar a divulgá-los. O torneio foi o primeiro passo para eles", Pi afirma.

A luta não para

Com o interesse cada vez maior pela tecnologia, muitas aldeias indígenas ainda sofrem com a barreira da acessibilidade. Pi conta que muitos povos não possuem acesso à internet e nem computadores, principalmente porque o governo atual não liga para as questões indígenas.

Com as queimadas na Amazônia, invasão de terras indígenas, madeireiros e grileiros sendo protegidos pelas políticas atuais, a luta dos povos tem ficado cada vez mais difícil.

Já era complicado antes, mas agora está muito pior. Não existe política pensada em nós
Walelasoepilemãn Suruí, co-fundadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia

Para ter um contato maior com a tecnologia, e, assim, com a luta indígena, grande parte das aldeias depende da ajuda de ONGs e parceiros interessados em levar informação. Doações e voluntários interessados em ministrar cursos sobre informática são sempre bem-vindos.

Pi conta que, recentemente, uma das aldeias pediu que o Movimento fosse ao local para que ensinassem como mexer no computador. "É importante mostrar para eles como trabalhar com a tecnologia de forma que seja equilibrada", reforça.

A internet, principalmente, é vista como ferramenta essencial para a luta dos povos. "É uma forma de buscarmos informações, criarmos interesse nos nossos objetivos e também de política. Ela é muito importante para nós e como meu pai sempre me falava, a cultura anda e avança. Só é necessário equilíbrio."

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