Topo

Jogadores de LoL processam time Intergalaxy Tigers por moradia em garagem

A Intergalaxy Tigers, que disputou o Circuito Brasileiro de League of Legends, está sendo processada por quatro ex-jogadores  - Divulgação
A Intergalaxy Tigers, que disputou o Circuito Brasileiro de League of Legends, está sendo processada por quatro ex-jogadores
Imagem: Divulgação

Gabriel Oliveira

Colaboração para o START

18/09/2020 04h00

Jogo rápido

  • Processo informa que jogadores foram colocados para morar em uma garagem, adaptada como dormitório, na casa da mãe de um dos diretores do clube
  • Jogadores reclamam também de desabastecimento de água e qualidade da alimentação
  • Intergalaxy Tigers rebate parte das acusações, mas promete pagar todas as pendências

Jogadores profissionais de League of Legends (LoL) que defenderam a Intergalaxy Tigers Gaming acusam a equipe de tê-los colocado para morar em uma garagem transformada em dormitório e afirmam ter contraído dívida de R$ 13 mil por culpa da administração do clube. Um deles decidiu abandonar a carreira nos eSports, alegando decepção com a situação.

Os cyber-atletas Bruno "Bgob" Giovane, Luis Gustavo "Deoxys" Amorim, André "Eradan" Silva e Antonio "Nano" Neto iniciaram as ações na Justiça do Trabalho contra a Intergalaxy Tigers. Três deles conversaram com o START e contaram o que viveram nos meses em que, passando por uma série de problemas, disputaram o Circuito Desafiante, o torneio da 2ª divisão do LoL brasileiro.

A Intergalaxy Tigers nega que o local de moradia era uma garagem e rebate parte das acusações, mas promete pagar todas as pendências, inclusive a dívida contraída pelos pro-players (veja posicionamento ao fim do texto). Bgob e Deoxys iniciaram ações em agosto na Justiça do Trabalho do Paraná; em setembro, Nano e Eradan fizeram o mesmo. O START teve acesso, com exclusividade, aos documentos.

Expectativa e decepção

Intergalaxy Tigers - Divulgação - Divulgação
Intergalaxy Tigers disputou o "Circuitão", categoria de acesso ao CBLoL
Imagem: Divulgação

Fundada em outubro de 2019 em Curitiba (PR), a Intergalaxy Tigers entrou para o LoL ao comprar a vaga da RED Academy na 2ª divisão.

A organização contratou os primeiros cyber-atletas em dezembro, e aqueles que não eram da capital paranaense encontraram, ao chegar à cidade, uma infraestrutura bem aquém do que esperavam de um clube de eSports.

Antes na paiN Gaming, Bgob, Eradan e Nano foram colocados para morar em uma garagem, adaptada como dormitório, na casa da mãe de um dos diretores do clube, Guilherme Barbosa. Inicialmente, o local tinha só três camas e o banheiro. Depois, os computadores chegaram e passaram a dividir o mesmo ambiente das camas.

Intergalaxy Tigers - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Garagem adaptada como dormitório acomodava jogadores de LoL; imagem é de 15 de fevereiro de 2020
Imagem: Arquivo pessoal

Um armário não era suficiente para os pertences dos três pro-players, e parte das roupas ficava no chão e nas malas de viagem deles. Sem ventilação adequada no ambiente, a depender do dia, os jogadores sentiam frio ou calor excessivo. Baratas apareciam por lá vez ou outra.

Os cyber-atletas não treinavam da garagem, pois iam todos os dias ao escritório da equipe, mas passavam parte das manhãs e noites naquele local, que consideravam insalubres.

Na época em que Deoxys entrou para o elenco, no início de fevereiro, os pro-players já tinham começado a dormir em um quarto da residência, mas continuavam a passar o resto do tempo na garagem, onde conviviam, jogavam por diversão e faziam treinamentos individuais. Nano se mudou para a casa de um dos donos do clube, Lucas Lima.

Enquanto disputavam o Circuito Desafiante, o torneio que dava acesso ao Campeonato Brasileiro (CBLoL), os jogadores reclamavam para a direção da Intergalaxy Tigers das condições em que estavam vivendo.

Queixas além da garagem

Bgob paiN Gaming 2019 - Divulgação/Riot Games Brasil - Divulgação/Riot Games Brasil
Bgob, que já jogou pela paiN Gaming, disse estar decepcionado com a Intergalaxy Tigers
Imagem: Divulgação/Riot Games Brasil

Além dos problemas na moradia, os pro-players se queixavam de episódios de desabastecimento de água e alguns deles, também da qualidade ruim da comida.

Em vídeos anexados ao processo judicial, um dos jogadores mostra o galão de água vazio e conta que o desabastecimento já durava mais de uma semana. "Não sabia que era o bootcamp do Saara", ironizou, em um vídeo. "Tomando água da torneira", mostrou, em outro.

Eles ainda precisavam tirar dinheiro do próprio bolso para dar à dona da casa para que ela providenciasse mantimentos extras e, consequentemente, mais comida. Bgob se lembra de, por duas vezes, ter transferido R$ 150,00 para a mulher.

"A Tigers poderia ser uma grande equipe, poderiam ter um centro de treinamento bom. Fiquei bem decepcionado, porque as condições dadas no começo não foram das melhores", critica Bgob, que se tornou conhecido ao ser um dos vencedores do reality show Gillete ULT, em entrevista ao START.

Intergalaxy Tigers escritório - Divulgação/Intergalaxy Tigers - Divulgação/Intergalaxy Tigers
Jogadores da Intergalaxy Tigers faziam os treinamentos em um escritório do clube
Imagem: Divulgação/Intergalaxy Tigers

Nova moradia

Depois de muitas reclamações, a Intergalaxy Tigers disponibilizou um apartamento para a equipe, mas com uma condição: o contrato de aluguel do imóvel deveria ser feito em nome dos próprios jogadores que iriam morar lá. A justificativa dada a eles era de que se tratava do "único jeito", porque o clube não poderia ser o locatário.

Em vista de melhores condições de moradia, os cyber-atletas aceitaram, assinaram o contrato pelo prazo de 30 meses e se mudaram para o apartamento, em março.

Estruturado, o novo local era mais perto do escritório onde ocorriam os treinamentos e passou a abrigar os quatro jogadores e o gerente, Ícaro "Pegasus" Crepalde. O clube ficou responsável pelo aluguel de R$ 1.875,00 mensais.

Dois meses depois, em 20 de maio, a Intergalaxy Tigers dispensou os pro-players e encerrou as atividades. O time havia amargado a lanterna do Circuito Desafiante, com 14 derrotas e uma vitória.

Cobrança de dívida

Depois de deixarem o apartamento, os jogadores passaram a ser cobrados a pagar R$ 13.084,56 pela seguradora, contratada como fiadora do negócio.

Deoxys Intergalaxy Tigers - Divulgação - Divulgação
Deoxys afirma que desistiu da carreira de pro-player depois da experiência com a Intergalaxy Tigers
Imagem: Divulgação

É que, segundo acusação dos pro-players, a direção da Intergalaxy Tigers deixou de pagar o último aluguel, os encargos e a multa decorrente da rescisão antecipada do contrato.

Sem o pagamento da dívida, os nomes dos cyber-atletas que assinaram o contrato de locação foram negativados e estão sujos em serviços de proteção ao crédito.

"Eu parei de jogar", conta Deoxys, que competia desde 2015, ao START. "Eu cheguei muito feliz e acabei vendo que não era isso. Desanimei total".

Já Nano quer "dar uma segunda chance" ao cenário competitivo, mas tomando mais cuidado sobre a organização que representar.

"Foi muito frustrante, porque eu estava saindo de uma paiN Academy, onde eu sabia que conseguiria colher os frutos de tanto treinamento. Foi um balde de água fria entrar em uma organização sem estrutura e muito amadora. Isso impactou não somente o meu profissional, mas também o meu pessoal", aponta Nano ao START.

Nano paiN Gaming 2019 - Divulgação/Riot Games - Divulgação/Riot Games
Nano, que fez parte da paiN Academy, também está na Justiça contra a Intergalaxy Tigers
Imagem: Divulgação/Riot Games

Processo judicial

Nos processos, assinados pelo advogado Helio Tadeu Brogna Coelho Zwicker, os jogadores pedem o reconhecimento do vínculo empregatício com o clube, a assinatura de suas Carteiras de Trabalho e os direitos estipulados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), além de diferenças salariais e verbas rescisórias.

Eles também querem indenização por danos morais e a anulação do contrato de locação que assinaram, com a consequente retirada dos nomes deles dos serviços de proteção ao crédito.

"Os jogadores tiveram os direitos desrespeitados e foram colocados em moradia inapropriada, além de terem sido induzidos a erro ao assinar o contrato de locação que era de responsabilidade da empresa e terem sido demitidos sem nada receber. Essas ações são necessárias porque a empresa resiste a pagar aos jogadores aquilo que lhes é devido por força de lei e contrato", sustenta Helio.

Eradan paiN Gaming 2019  - Divulgação/Riot Games - Divulgação/Riot Games
Eradan, ex-jogador da Intergalaxy Tigers
Imagem: Divulgação/Riot Games

O que diz a Intergalaxy Tigers

Por meio do advogado Alan Luciano, a direção da Intergalaxy Tigers expressou ver "com muita indignação as alegações dos ex-jogadores, dizendo que estavam morando em uma garagem".

"O ambiente foi todo reformado para recebê-los. Se anteriormente era uma garagem, um quarto e uma cozinha, a verdade é que deixou de ser antes da chegada deles. Em momento algum entrou um carro no ambiente e ficou junto com eles", apontou o defensor.

Um dos donos da Intergalaxy Tigers, Lucas Lima disse que, como o CNPJ do clube havia sido recentemente criado, a organização não conseguiu alugar um imóvel e, por isso, decidiu reformar parte da casa da mãe do diretor para estadia dos jogadores.

Segundo o empresário, uma secretária fazia limpeza do local e providenciava alimentação. "Além de café da manhã, almoço, café da tarde e jantar, que já eram oferecidos pelo time, a secretária sugeriu que eles ajudassem com R$ 150,00, para que, combinando entre eles lá, ela pudesse comprar extras (bolacha, suco, frutas, dentre todos os desejos deles)".

Sobre o apartamento, Lucas declarou que o clube se colocou à disposição para arcar com os custos, se os jogadores quisessem se mudar, pois a equipe não poderia constar no contrato por conta do CNPJ recente.

Quanto à dívida, o dono disse que a organização já estava em contato com a imobiliária para quitar as pendências, mas que as cobranças foram direcionadas aos jogadores, "que receberam ligações e mensagens indesejadas".

O advogado negou desabastecimento de água e comida nas moradias e garantiu que a dívida contraída pelos jogadores será paga pela organização.

"Se deixou de ser pago, vai ser acertado. O que aconteceu neste intervalo? Teve pandemia, Curitiba ficou muito tempo fechada, houve falta de comunicação entre o clube e o pessoal. Isso vai ser acertado sem problema nenhum", prometeu Alan.

O defensor também disse que o clube irá arcar com todas as verbas trabalhistas eventualmente pendentes. Sobre o pedido de indenização por danos morais, "vamos nos manifestar no processo". "Preciso ter acesso aos autos para ver o que está sendo alegado".

Fiscalização da estrutura

O START também procurou a Riot Games, desenvolvedora do League of Legends e organizadora das competições oficiais, perguntando como a empresa irá atuar para garantir que situações como a da Intergalaxy Tigers não se repitam a partir de 2021, com a implantação do sistema de franquias.

"A Riot Games esclarece que as organizações de eSports de League of Legends devem oferecer toda a estrutura necessária para o desenvolvimento profissional e esportivo de seus jogadores, sejam eles do time principal do CBLoL ou do Academy. A empresa reforça que esse é um ponto de extrema relevância no processo de avaliação das equipes que se inscreveram para o projeto de Parcerias de Longo Prazo", respondeu a empresa, por meio de nota.

SIGA O START NAS REDES SOCIAIS

Twitter: https://twitter.com/start_uol
Instagram: https://www.instagram.com/start_uol/
Facebook: https://www.facebook.com/startuol/
TikTok: http://vm.tiktok.com/Rqwe2g/
Twitch: https://www.twitch.tv/start_uol