Topo

OPINIÃO

Tell Me Why: passando pelos estágios do luto em um conto de fadas moderno

Tell Me Why - Reprodução/Thaime Lopes
Tell Me Why
Imagem: Reprodução/Thaime Lopes

Thaime Lopes

Colaboração do START

12/09/2020 04h00

Assim como todos os demais jogos do estúdio DONTNOD, como Life is Strange, Tell Me Why é bastante focado em narrativa, e aborda assuntos como identidade de gênero e o papel da família. Só que é o tema da morte o que mais se sobressai nos três capítulos que formam o game.

Pelos olhares dos protagonistas, os gêmeos Tyler e Alyson, e de forma sutil, o jogo nos faz passar pelas cinco fases do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. É por esses estágios, com um toque de contos de fadas, que vamos analisar Tell Me Why (COM SPOILERS).

Negação

Os irmãos Tyler e Alyson se reencontram após dez anos, separados por causa da morte da mãe, por vezes chamada de Princesa pelas versões crianças deles ou somente Mary-Ann por eles já adultos.

Eles próprios se imaginam como Goblins na infância e tinham um livro de contos, que chega a ser importante para a narrativa.

Tell Me Why contos de fada goblins - Reprodução/Thaime Lopes - Reprodução/Thaime Lopes
Os goblins precisam proteger a princesa dos contos de fada
Imagem: Reprodução/Thaime Lopes

Só que falar da princesa trazia muitas lembranças.

(não)

A memória infantil dos goblins fazia com que eles relembrassem de momentos com a mesma inocência das crianças. Adultos, era necessário confrontar o passado para entender que talvez eles estivessem errados todo esse tempo sobre Mary-Ann.

Por meio do superpoder compartilhado deles, que possibilita revisitem memórias do passado, aprendemos como foi crescer na floresta gelada do Alasca, ter uma imaginação fértil e como isso afetava a percepção deles.

(NÃO)

Tentar perceber o lado mais humano da mulher que se via como uma princesa solitária, sem príncipe encantado com espírito de herói, ocupa todo o primeiro capítulo, mostrando resistência por parte dos irmãos de admitir que, talvez, eles estivessem enganados sobre ela.

Tell Me Why irmãos - Reprodução/Thaime Lopes - Reprodução/Thaime Lopes
Tyler (esquerda) e Alyson (direita) se reencontram depois de 10 anos separados
Imagem: Reprodução/Thaime Lopes

Sem tempo de processar a morte da mãe juntos, quando crianças, Alyson e Tyler vivenciaram, então, a primeira fase do luto 10 anos depois. E foi assim que eles passaram pela negação.

(NÃO!)

A identificação com os protagonistas começa aqui, se o jogador estiver disposto a refletir sobre as próprias memórias.

Raiva

Por quê? Essa é a pergunta que mais ouvi saindo das bocas dos goblins.

Por que tudo aconteceu? Como foi possível que a vida deles tomasse uma reviravolta tão repentina? Por que ninguém se intrometeu para ajudar?

(POR QUÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊ!!!???)

A fase de perguntas dos gêmeos leva a muito ressentimento deles por eles mesmos, pela mãe e por todos que conviviam com eles durante a infância. É a raiva de tudo e de todos.

É aqui que os goblins começam a questionar os outros personagens, que vamos conhecendo aos poucos. Do candidato a prefeito até o melhor amigo da Alyson, pouco a pouco começamos a entender o papel que cada um deles tiveram e ainda tem na personalidade dos gêmeos.

De repente, a habilidade de revisitar o passado por meio de memórias parece algo maior do que os gêmeos podem suportar.

(AAAAAAAAAAAAAAHHHH)

Aprender mais sobre a mãe levanta questões doloridas, para eles e para quem joga, porque questionar a imagem materna nunca é uma coisa fácil.

As decisões tomadas se tornam mais complicadas: é preciso pisar em ovos para não ofender os outros, mas até que ponto isso é benéfico para quem tenta encontrar sentido na morte?

A segunda fase do luto é como um processo de mexer e cutucar muito a dor. E mexer no que dói é desconfortável e traz raiva, muita raiva.

Barganha

Tell Me Why quarto - Reprodução/Thaime Lopes - Reprodução/Thaime Lopes
Os gêmeos buscam um propósito no luto
Imagem: Reprodução/Thaime Lopes

Os goblins chegam em um ponto em que a única forma de encontrar sentido em suas memórias é se eles tiverem um propósito.

E o que eles decidem como objetivo é descobrir tudo que eles puderem sobre a vida da mãe, independente do quanto teriam que revirar o passado dos amigos e familiares.

(foco)

É aqui que algumas das decisões mais importantes de Tell Me Why acontecem, Não tem o que os impeça de seguir em frente - nem mesmo o espectador que controla essas decisões.

Para eles, reconstruir o que eles lembravam somado às informações colhidas é uma forma de transformar a dor em algo útil.

(foco)

É assim que eles passam pela fase de barganha.

Depressão

A tristeza que vem acompanhada da morte de uma pessoa próxima a nós é algo que nunca nos deixa. É algo com o qual nos acostumamos, que aprendemos que faz parte de nós e assim tocamos a vida.

(dói)

Alyson e Tyler experienciaram a morte muito cedo e como traumas de infância costumam ser enterrados lá no fundo da memória, eles demoraram para viver na pele a dor da perda da mãe.

Há um momento do jogo em que nos sentimos muito mais um personagem do que um jogador na história.

Vivenciar a tristeza que permeia os gêmeos quando "cai a ficha" de tudo que passaram é como experienciar o momento de dor junto com eles.

(Dói!)

Entrar como terceiro protagonista na história é inevitável, porque acompanhar o crescimento pessoal e emocional dos irmãos reflete muito os processos que passamos como humanos ao longo da vida. Só que tudo condensado em três capítulos.

Se Mary-Ann, Alyson e Tyler fossem personagens de algum conto, não seria de nenhuma versão animada da Disney, e sim uma interpretação muito real das histórias mais sombrias dos Irmãos Grimm

A dor e tristeza que assolam os goblins chegam com 10 anos de atraso, e 10 vezes mais fortes.

Tell Me Why - Reprodução/Thaime Lopes - Reprodução/Thaime Lopes
Imagem: Reprodução/Thaime Lopes

A história começa a perder o tom de conto e ganha mais similaridade à vida real. A morte machuca e deprime.

(DÓI!)

E é assim que Alyson e Tyler começam a compreender que o luto nunca vai os deixar e que agora faz parte deles, como uma lição a ser relembrada e uma cicatriz para sempre presente.

Aceitação

Tell Me Why abraço - Reprodução/Thaime Lopes - Reprodução/Thaime Lopes
Imagem: Reprodução/Thaime Lopes

Conhecer Alyson e Tyler no início é bem diferente de conhecê-los ao fim de Tell Me Why.

Juntos, os goblins fazem a transição final de personagens de conto de fadas para protagonistas de uma vida adulta.

(Tudo Bem)

A aceitação é retratada não só como a fase final do luto, mas também como uma mensagem de que não devemos julgar ninguém, porque nunca sabemos o que está acontecendo na vida do outro.

Tell Me Why mãe e filhos - Reprodução/Thaime Lopes - Reprodução/Thaime Lopes
A história de uma mãe e seus filhos
Imagem: Reprodução/Thaime Lopes

A família Ronan, com seus três membros, reflete na tela a história de muitos outros núcleos familiares, formados por laços biológicos ou emocionais.

Não existe família de comercial de margarina, muito menos princesas e animais falantes em uma floresta qualquer.

(Tudo Bem)

No fim, a mensagem de Tell Me Why não é questionar as habilidades maternas de Mary-Ann e nem culpar os gêmeos por sua morte. A lição de moral, na conclusão do terceiro capítulo, é que "felizes para sempre" não existe.

O que existe é um "muito trabalho tem que ser feito para sermos felizes de vez em quando e triste um monte de outras vezes. E tudo bem."

Tell Me Why capa - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Lançamento: 27/08/20 (capítulo 1), 03/09/20 (capítulo 2) e 10/09/20 (capítulo 3)
Plataformas: Xbox One e PC
Classificação indicativa: 16 anos (violência, conteúdo sexual, drogas)
Desenvolvedora: DONTNOD Entertainment
Publicação: Xbox Game Studios
Preço sugerido: R$ 169,95 (disponível no Game Pass)

*A cópia do jogo foi enviada pela Microsoft ao START

SIGA O START NAS REDES SOCIAIS

Twitter: https://twitter.com/start_uol
Instagram: https://www.instagram.com/start_uol/
Facebook: https://www.facebook.com/startuol/
TikTok: http://vm.tiktok.com/Rqwe2g/
Twitch: https://www.twitch.tv/start_uol

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL