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OPINIÃO

Pioneiras: conheça mulheres que mudaram o mundo dos videogames

Conheça as mulheres que são ícones na história da indústria dos videogames - Divulgação
Conheça as mulheres que são ícones na história da indústria dos videogames Imagem: Divulgação

André "Avcf" Franco

Do GameHall

08/03/2020 04h00

O dia 8 de março tem sido há décadas celebrado como dia internacional das mulheres, tornando-se por si só uma tradição.

E falando nisso, a indústria dos games é tradicionalmente vista como um "Clube do Bolinha", em que empresas formadas exclusivamente por homens produzem games para homens.

Mas o artigo de hoje dá luz a alguns mulheres que estiveram lá desde os primórdios, quebraram barreiras e que realizaram trabalhos marcantes.

A mãe que mudou a história dos videogames

Roberta e Ken Williams - Reprodução/High Score - Reprodução/High Score
Imagem: Reprodução/High Score

Se hoje profissões ligadas à indústria dos videogames já são bem conhecidas e há toda uma facilidade para começar o aprendizado delas, em 1979 a realidade era completamente diferente.

Por um lado, os computadores eram vistos exclusivamente como ferramentas profissionais, que pouco ou nada tinham a ver com entretenimento, por outro, os aparelhos eram raros, custavam caro e eram destinados a um nicho extremamente especializado, que costumava ser formado por hackers e nerds. Foi nesse contexto que Roberta Williams passou por um evento que mudaria sua vida para sempre.

Grávida, Roberta passava a maior parte do tempo em casa, enquanto seu marido, Ken Williams trabalhava na pequena empresa de computadores que havia fundado, a On-Line Systems. Ken costumava trazer seu computador TRS-80 para casa, o qual era conectado ao mainframe de uma das empresas as quais ele prestava serviço. Em uma dessas oportunidades, Roberta descobriu no computador um jogo de aventura de texto chamado "Colossal Cave", e se apaixonou instantaneamente por esse novo entretenimento. O impacto desse jogo foi tão profundo que Roberta declarou ao livro High Score!:

"Colossal Cave mudou a minha vida. Eu devo muito a Will Crowther (criador do jogo)"

Tela de Colossal Cave - Reprodução - Reprodução
Tela de Colossal Cave
Imagem: Reprodução

Mystery House - Reprodução/High Score - Reprodução/High Score
Imagem: Reprodução/High Score

Como jogos de computador eram muito limitados, e sobretudo escassos, Roberta então decidiu arregaçar as mangas e fazer o seu próprio jogo. Influenciada pelo conto "Ten Little Indians" (conhecido no Brasil pelo título "E Não Sobrou Nenhum") de Agatha Christie e pelo jogo de tabuleiro "Clue" (Detetive, no Brasil), Roberta buscava criar um jogo que não fosse linear, e então passou um mês desenhando o projeto na cozinha de sua casa.

O passo seguinte seria convencer o marido a ajudá-la com a programação de seu jogo, e para tal, Roberta bolou um plano. Ela marcou um jantar romântico, e em dado momento contou ao marido sobre o projeto que ela estava começando. Desconfiado, Ken então sentenciou: "vou te dar cinco minutos."

No dia seguinte, Ken ligou para o parceiro de um projeto em que estava envolvido avisando que abandonaria tudo para trabalhar em um jogo com a mulher. Em abril de 1980, Ken e Roberta Williams lançam "Mystery House", primeiro jogo de computador da história há possuir gráficos reais, diferindo-se dos textos e pontos que apareciam nos limitados games da época. Mystery House foi um grande sucesso, vendendo 80,000 cópias.

Tela de Mystery House - Reprodução - Reprodução
Tela de Mystery House
Imagem: Reprodução

Softporn Adventure - Reprodução/High Score - Reprodução/High Score
Por incrível que pareça, Roberta Williams (à direita) posou para a capa de um jogo erótico.
Imagem: Reprodução/High Score

A Online Systems então mudou o nome para Sierra, e Roberta não parou por aí, lançando mais jogos de aventura como "Wizard and the Princess" e "Mission: Asteroid", transformando a Sierra em uma das maiores e mais importantes produtoras de jogos para computador dos anos 1990. Mas o nome de Roberta Williams realmente atingiu o estrelato quando ela desenhou e escreveu os roteiros de "King's Quest", lendária franquia de RPG para computadores.

Saindo da linha de fantasia medieval dos jogos King's Quest, Roberta também escreveu o roteiro do jogo de aventura e terror "Phantasmagoria"(1995), infame por suas cenas violentas e controverso a ponto de apresentar uma cena de estupro.

Então, em 1996, Ken e Roberta Williams venderam a Sierra para o conglomerado Cendent Corporation, e se aposentaram após 18 anos de trabalho. Hoje a Sierra é uma marca que pertence à Activision-Blizzard.

"Gabriela" Knight

Jane Jensen - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

O crescimento e o consequente sucesso inevitavelmente fizeram a Sierra deixar de ser uma simples produtora familiar para se tornar uma empresa completa, com várias equipes de produção e jogos de maior orçamento. Profissionais de várias áreas precisaram ser contratados, e entre eles o destaque fica com Jane Jensen.

Ao largar um confortável e previsível trabalho como programadora da Hewlett-Packard, Jensen aventurou-se a trabalhar para uma empresa de videogames, sendo contratada pela Sierra. Lá, Jensen descobriu seu grande talento como escritora e roteirista. Primeiro, ajudou a escrever o roteiro do jogo de aventura "Police Quest III: The Kindred", depois co-escreveu e co-desenhou "King's Quest VI: Heir Today, Gone Tomorrow" junto de Roberta Williams. Jane Jensen então partiu para criar seu próprio game, resultando no clássico "Gabriel Knight: Sins of the Fathers", lançado em 1993, escrito e dirigido por ela.

Um verdadeiro clássico dos jogos de aventura "point and click", Gabriel Knight teve duas sequências, "Gabriel Knight: The Beast Within" e "Gabriel Knight 3: Blood of the Sacred, Blood of the Damned", ambas roteirizadas por Jensen. O trabalho de Jensen com esses jogos era tão meticuloso, que The Beast Within, cuja produção envolvia filmagens com atores reais, teve mais de 600 páginas de roteiro escritas por Jensen.

Em paralelo aos jogos que escreveu na Sierra, Jensen desenvolveu uma prolífica carreira de romancista, primeiramente publicando novelizações dos jogos Gabriel Knight, e posteriormente escrevendo títulos originais, incluindo romances gays sob o pseudônimo Eli Easton. Ela também ajudou a fundar a Oberon Media, trabalhando desde jogos casuais até títulos de terror.

Arte eletrônica

M.U.L.E foi eleito "Jogo do ano" pela revista japonesa Login, em 1983 - Reprodução/High Score - Reprodução/High Score
M.U.L.E foi eleito "Jogo do ano" pela revista japonesa Login, em 1983
Imagem: Reprodução/High Score

Se hoje a Electronic Arts é uma gigante dos games focada sobretudo em franquias esportivas como "Madden NFL" e "FIFA", ela era uma empresa bem diferente quando começou a trabalhar com jogos para computador. Focada em produzir jogos diferentes e originais, a EA descobriu a Ozark Softscape, empresa capitaneada por Dan Bunten. Brilhante programador e game designer, Dan desenhou o jogo de estratégia multijogador "M.U.L.E", publicado pela EA em 1983. Embora não tenha sido um sucesso comercial, M.U.L.E impressionou por sua complexidade e abrangência de sua proposta de jogo, que colocava quatro jogadores competindo para colonizar um planeta, ganhando prêmios e sendo aclamado pela crítica especializada da época.

Os trabalhos seguintes de Bunten como "The Seven Cities of Gold" (1984), Heart of Africa (1985) e Robot Rascals (1986), impressionaram e foram inspirações para grandes game designers como Will Wright (The Sims), Richard Garriot (Ultima) e Sid Meier (Civilization). Em 1988, Bunten desenhou o revolucionário "Modem Wars", primeiro jogo de estratégia em tempo real que permitia dois jogadores se enfrentarem pela internet, com o uso de modem.

Anos antes de títulos como "WarCraft", "Star Craft" e "Command & Conquer", Modem Wars já apresentava recursos típicos do gênero como vários tipos de unidades de ataque, "fog of war"(aquela névoa que impede de ver as ações do oponente) e diferentes tipos de terreno.

Em paralelo aos seus grandes trabalhos com videogames, Dan passou anos lidando com um grande dilema, sua identidade de gênero. Em 1992, Bunten decidiu realizar uma cirurgia de transição de gênero, passando então a se assumir como Danielle Bunten Berry, a primeira game designer trans da história dos videogames.

Segundo o site CBC: "anos depois , ela terminou demonstrando arrependimento por sua decisão (de realizar a cirurgia), em particular pela forma como impactou seus relacionamentos com sua família. Além do mais, ela descobriu que a mesma indústria que a celebrava como homem, geralmente a rejeitava como uma mulher."

Danielle Bunten Berry - Reprodução/CBC - Reprodução/CBC
Imagem: Reprodução/CBC

Danielle (ou Dani, como também passou a ser conhecida) continuou a trabalhar com jogos na década de 1990, sempre com o foco voltado ao multiplayer e internet, que ela via como o futuro dos videogames. Um exemplo é o seminal "Global Conquest", de 1992, um jogo de guerra e estratégia à la "War", em tempo real, para até quatro jogadores online. Mas infelizmente, em 1998, ela faleceu de câncer no pulmão, interrompendo uma carreira brilhante. Em 2007, a Academy of Interactive Arts & Sciences elegeu Dani Burten para seu Hall da Fama.

Heroínas do sol nascente

Rieko Kodama - Reprodução/videogamesdensetsu - Reprodução/videogamesdensetsu
Imagem: Reprodução/videogamesdensetsu

Do outro lado do mundo, no Japão, em 1987, a Sega lançou "Phantasy Star", um clássico do gênero JRPG, cujo sucesso gerou uma franquia com mais três sequências, além de jogos derivados, livros, mangas e desenhos animados. Entretanto, esse título tem grande importância por outros dois motivos: foi um dos primeiros RPGs japoneses a apresentar uma heroína como protagonista, e foi concebido e desenhado por mulheres.

Diferentemente de jogos tradicionais da época como "Dragon Quest" e "Final Fantasy", que representavam a saga de um herói de capa e espada pronto para salvar uma princesa (ou o mundo), Chieko Aoki concebeu uma história protagonizada por Alis Lendale, uma jovem que queria vingar o irmão, morto por forças do mal.

Misturando fantasia com viagens espaciais, o roteiro de Aoki foi considerado impressionante para um jogo de um console 8-bits, que costumavam receber títulos mais simples.

Outro destaque de Phantasy Star são as ilustrações de Rieko Kodama, sobretudo os retratos com personagens exibidos em cenas de diálogos do jogo. Responsável pela arte geral de Phantasy Star, e sobretudo pelos desenhos dos personagens e monstros, os desenhos de Kodama estão entre os mais detalhados e impressionantes de toda a biblioteca de jogos do Master System.

Com sucesso de Phantasy Star, Kodama desenhou a sequência, Phantasy Star II, e posteriormente retornou como diretora em Phantasy Star IV. Anos depois, Kodama foi a produtora do clássico "cult" "Skies of Arcadia", lançado em 2000 para Dreamcast, e atualmente é a produtora da franquia de JRPG "7th Dragon", com títulos para Nintendo DS e Sony PSP.

Chieko Aoki, por sua vez, roteirizou Phantasy Star II, além de anteriormente ter trabalhado como designer para outros jogos da Sega, como "Aztec Adventure".

Elegância gótica

Ayami Kojima - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Impossível falar de artistas e game designers japonesas sem mencionar o trabalho fantástico de Ayami Kojima. Ilustradora responsável pelas artes do clássico "Castlevania: Symphony of the Night", seu talento mudou para sempre a estética da franquia da Konami.

Se os primeiros jogos apresentavam uma arte mais "medievalesca", Kojima retratou Alucard, Drácula e os demais personagens e elementos de Symphony of the Night com uma elegância gótica que até hoje ecoa não apenas nos jogos da franquia, como também influenciou o estilo da recente série animada produzida pela Netflix.

Castlevania: Symphony of the Night - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Kojima trabalhou em vários outros títulos da série até "Castlevania: Harmony of Despair", de 2010. Recemente ilustrou "Bloodstained: Ritual of the Night", jogo do ex-produtor dos jogos Castlevania, Koji Igarashi, que deixou a Konami anos atrás para iniciar seu próprio estúdio de jogos.

A mulher que mudou a música dos videogames

Yoko Shimomura - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Chun-Li não é a única personagem feminina importante em Street Fighter 2, pois antes dela, uma outra - e real - personagem fez grande sucesso e marcou para sempre os videogames: Yoko Shimomura. Contratada pela Capcom em 1988, Shimomura compôs e arranjou faixas para diversos jogos da companhia, desde títulos menos conhecidos como "Adventures in the Magic Kingdom" e "Code Name: Viper", até clássicos como "Final Fight" e "King of Dragons".

Mas sem dúvida que sua primeira obra-prima foi a trilha sonora do ultra clássico "Street Fighter 2", inteiramente composta por Shimomura. Se você nunca ouviu essa canção, você nunca jogou videogame:

Shimomura deixou a Capcom em 1993 para trabalhar para a Square, compondo uma série de canções marcantes para vários clássicos lançados ao longo dos anos, como "Super Mario RPG", "Legend of Mana", "Parasite Eve", "Kingdom Hearts", entre outros. Em 2003 ela deixou a Square-Enix para trabalhar como compositora independente, compondo e arranjando para jogos de várias companhias.

Yoko Shimomura continua bastante ativa, com composições e arranjos para centenas de jogos de diferentes consoles e plataformas. Ela é uma das compositoras de "Streets of Rage 4", título que retoma a clássica franquia de "beat em up" da Sega, a ser lançado em 2020.

A mulher por trás dos assassinos

Jade Raymond - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Formada em ciências da computação, Jade Raymond saiu da universidade para se tornar uma das mulheres mais bem sucedidas da indústria dos videogames. Começando como programadora para jogos online da Sony, logo ela partiu para trabalhar na EA, com The Sims Online sendo seu primeiro jogo como produtora.

Em 2003, Jade Raymond entrou para o time de correspondentes do programa "The Electric Playground", dedicado a games e tecnologia, grande sucesso da tevê canadense. Em 2004, Raymond foi para o Ubisoft Montreal Studio, onde foi a produtora e idealizadora do grande sucesso "Assassin's Creed", ainda hoje uma das franquias mais conhecidas e importantes da Ubisoft, com uma série de jogos derivados e até um filme estrelado por Michael Fassbender.

Raymond também foi responsável por "Assassin's Creed II", "Assassin's Creed: Bloodlines", além de ter sido produtora executiva de jogos como "Tom Clancy's Splinter Cell: Blacklist", "Watch Dogs" e "The Mighty Quest for Epic Loot". Em 2019 o Google anuncia a criação de seu Stadia Games and Entertainment, um estúdio dedicado a criação de jogos exclusivos de seu console Google Stadia, chefiado por Jade Raymond, posto o qual ela se encontra atualmente.

Por fim

Assim como outras áreas do entretenimento, as mulheres da indústria dos videogames também superaram preconceitos, desconfianças, e estabeleceram, seja pela força, seja pela doçura, grandes contribuições para os videogames. Se hoje temos designers, programadoras, compositoras, produtoras, artistas, etc; isso se deve também à influência e aos grandes trabalhos que as mulheres presentes nessa lista deixaram. Que esse legado sirva para que a indústria dos videogames seja cada vez mais igualitária e aberta a todas que desejam contribuir com esse entretenimento tão apaixonante que são os videogames.

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