Na linha de frente com Diana

Da cidade pequena para as telas de streaming, Diana Zambrozuski luta por espaço para as mulheres

Amanda Santos e Gabriel Oliveira Do START e colaboração para o START

Diana Zambrozuski clica em "iniciar transmissão ao vivo", começa a dançar e cantar ao som de uma música animada. Ela aparece nas telinhas de celulares, tablets, computadores e notebooks. Está começando a live daquela que é uma das maiores streamers e influenciadoras gamer do Brasil, direto da "Zambrohouse". São 1,8 milhão de seguidores, conquistados ao longo de uma carreira de sete anos que começou com a paixão pelo jogo League of Legends (LoL) e os cosplays de uma personagem com quem a moça, de 23 anos, se parece muito.

Quem assiste à Diana extrovertida e comunicativa das transmissões online pode nem imaginar o tamanho da timidez dela na infância e na adolescência em Osório, pequena cidade do Rio Grande do Sul com 45 mil habitantes, onde a profissional morava antes de se mudar para São Paulo.

Foram as presenças em eventos vestida de Katarina, a personagem de LoL com quem se assemelha por conta do cabelo vermelho, que transformaram Diana. Ela, que confeccionava as próprias fantasias em razão de uma veia artística, começou a fazer stream por incentivo dos admiradores, conquistou uma legião de fãs nas lives, superou os comentários sexistas e hoje é uma referência feminina no cenário brasileiro de jogos eletrônicos.

Em entrevista ao START, Diana relembra os tempos de criança e adolescente, a paixão por desenho e o início da carreira; revela as dúvidas, as dores e os sucessos de ser streamer; e discursa pela valorização e pelo respeito às mulheres no mundo dos games.

É muito louco saber que temos o poder de mudar umas cabecinhas. Eu penso de que maneira posso abordar certo assunto para que não apenas se divirtam, mas tenham uma mensagem positiva, uma lição, uma história com a qual possam aprender

Diana Zambrozuski, Streamer e cosplayer

Pra entender a Diana

  • Paixão por cavalos

    Quando Diana e uma irmã assistiram à animação Spirit: O Corcel Indomável, ficaram fissuradas em cavalos. Pediram que o pai comprasse um, e passaram a desenhar o bicho de todos os jeitos. "Não é um animal muito fácil de uma criança desenhar. É um bichinho complexo".

    Imagem: Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski
  • Cosplay de Katarina

    Diana começou a jogar League of Legends por incentivo dos amigos, que viam semelhanças entre ela e a personagem Katarina, ambas com um cabelo vermelho marcante. "O pessoal falou que eu tinha de jogar. A Katarina foi o primeiro personagem que comprei no jogo, foi uma paixão logo de cara."

    Imagem: Divulgação/Riot Games
  • Outras profissões

    Diana já foi bartender e se interessou por aviação. Fez um curso de seis meses de aeromoça e foi aprovada no exame da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para trabalhar como comissária de bordo, mas investiu mesmo na profissão de streamer, passando por Twitch, Azubu e Facebook Gaming.

    Imagem: Divulgação
  • Gordox cupido

    Diana fez muitos amigos na capital paulista, entre eles o narrador Willian "Gordox" Lemos, que apresentou Diana a quem viria ser o marido dela: o especialista em cibersegurança Gabriel Lima, em 2017. Passando mais tempo em São Paulo, ela chegava a fazer lives no computador dele.

    Imagem: Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski
  • Multiplataforma

    Até entrar no Facebook Gaming, em março de 2018, Diana praticamente só jogava LoL nas streams. Mas, de lá pra cá, diversificou o conteúdo. Já teve de tudo: ação, aventura, terror, tiro, seja no PC ou nos consoles. Um dos vícios mais recentes é o simulador de caminhão Euro Truck Simulator 2.

    Imagem: Divulgação
  • Fora, machistas!

    O assédio nas streams já foram constantes, mas Diana diz que persistir é imprescindível não só para ela, mas também para todas as mulheres influenciadoras. "É muito importante que a gente que está na linha de frente não desista, porque é mais um braço nesta luta de ter mais mulheres [fazendo streams]."

    Imagem: Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski
Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski

A vida na fazenda

Diana cresceu na roça, na zona rural de Osório (RS), em uma fazenda de 8 hectares - tamanho equivalente a cerca de oito campos de futebol -, em meio a animais como vaca, galinha, cabra, cavalo e cachorro. Morava com a mãe, o pai e as duas irmãs.

A streamer conta que passava os dias brincando e em contato com os bichos, quando não estava na escola, que ficava na área urbana, a 30 minutos de ônibus de distância.

De noite era hora dos games. Ela jogava em um computador: primeiro os jogos educativos e, depois, clássicos como Grand Theft Auto (GTA), The Sims e RollerCoaster Tycoon.

"Na adolescência o PC começou a tomar mais conta. Começamos a sair menos e curtir menos a vida no campo. Passamos a ficar mais no computador. Foi aí que meus pais viram que já era hora de nos mudarmos. Fomos morar na zona urbana da cidade", relembra a influenciadora, citando a mudança que ocorreu em 2010.

Reprodução/Instagram

Artista desde pequena

Diana curte desenhar e faz isso desde pequena: desenhava de tudo e mexia com artesanato.

Ela conta que, muito novinha, costumava fazer desenhos para dar às pessoas que frequentavam reuniões religiosas no sítio onde morava. Os pais dela eram quem promoviam os encontros.

Diana também faz retratos de pessoas, inclusive para dar como presente. Ela lembra de quando foi convidada para entrevistar a atriz australiana Margot Robbie, intérprete de Arlequina no filme "Aves de Rapina", na CCXP do ano passado e a presenteou com um desenho.

Divulgação/Riot Games Divulgação/Riot Games

Paixão pelo LoL

Em 2011, Diana conheceu o League of Legends, o Multiplayer online battle arena (Moba) da Riot Games. Os amigos insistiam que ela se parecia com uma das mais de 100 personagens do jogo.

O pessoal falou que eu tinha de jogar e iria me amarrar. Dito e feito! A Katarina foi o primeiro personagem que comprei dentro do jogo e foi uma paixão logo de cara. Muito rapidamente eu me viciei no LoL

A partir da identificação com a Katarina, Diana decidiu fazer cosplay da personagem. Aproveitando-se da aptidão artística, por desenho e artesanato, a influenciadora confeccionou a própria fantasia.

Foi uma diversão, mas, ao mesmo tempo, uma libertação passar a ir em eventos de games e eSports vestida de Katarina a partir de 2013, influenciada por um concurso de cosplayers lançado pela Riot Games no Brasil. A aparição mais marcante da "Katarina Zambrozuski" ocorreu na fase inicial da Liga Brasileira - Série dos Campeões de LoL, também em Porto Alegre, em 2014. Foi a primeira vez que a influenciadora assistiu de perto a uma competição do jogo que amava.

"Foi mais insano ainda! O pessoal me via com o cosplay, vinha tirar foto e perguntava como me seguia nas redes sociais", conta a influenciadora, que percebeu, naquele momento, que poderia investir nisso e fazer mais cosplays. "Precisava de um cartão de visitas, de um perfil público para me acompanharem. Foi quando eu comecei a ter seguidores no Facebook e no Instagram".

Sempre gostei da personagem Katarina. Ela tem uma personalidade forte, é agressiva, é dona de si, é determinada, é poderosa, é sarcástica, esculacha os inimigos e eu tenho um pouco disso. Fui, na escola, aquela menina meio Mônica, que revidava os chutes nas canelas que os meninos davam. Desde o início eu me identifiquei muito com a Katarina, não só por conta do cabelo vermelho dela

Diana Zambrozuski, Streamer

Uma carreira em 6 passos

  • 2011

    Diana, incentivada pelos amigos, conhece League of Legends, começa a jogar e se apaixona pela personagem Katarina, assassina com cabelo ruivo e adagas serrilhadas que é uma das mais conhecidas do jogo.

    Imagem: Divulgação
  • 2014

    Consegue estágio de auxiliar administrativa em uma unidade de saúde de Osório. Com o dinheiro da bolsa-auxílio, Diana começa a viajar para eventos em São Paulo, ganhando popularidade como cosplayer de Katarina.

    Imagem: Divulgação
  • 2016

    Apaixonada por aviação, faz um curso de aeromoça. Ao mesmo tempo, consegue contrato de streaming com a Azubu e se vê num impasse: seguir no ramo da aviação ou investir na carreira de streamer?

    Imagem: Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski
  • 2017

    Conhece Gabriel Lima, em São Paulo, com quem se casaria mais tarde. Diante da indecisão sobre carreira, o pai dá um empurrão final, incentivando a carreira de streamer: "Era tudo o que eu precisava ouvir?.

    Imagem: Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski
  • 2018

    Com o apoio dos pais, decide focar na carreira de streamer e é contratada pelo Facebook Gaming, que estreava no país. Era a única mulher da primeira onda de contratações, ao lado de 4 streamers homens.

    Imagem: Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski
  • 2020

    Em seu terceiro ano de contrato no Facebook Gaming, Diana tem 1,8 milhão de seguidores, com lives que chegam a 400 mil visualizações. No YouTube, está criando um novo perfil (Diana Joga) para publicar gameplays.

    Imagem: Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski

Jamais imaginei que trabalharia com stream. Era algo que eu estava fazendo porque era muito divertido. Eu adorava fazer, estava em um círculo de amigos. Nunca pensei que aquilo ali iria dar em uma carreira

Diana Zambrozuski, sobre ter virado streamer

Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski

O que tem na sala de streaming da "Zambrohouse"?

  • 2 computadores (1 para o jogo e 1 para a transmissão)
  • 3 monitores
  • 2 câmeras 4K
  • 2 webcams 1080p
  • Microfone
  • Iluminação softbox
  • 3 painéis de chroma key
  • Óculos de Realidade Virtual
  • PlayStation 4
  • Nintendo Switch
  • Volante + câmbio + pedais (para um Euro Truck Simulator de respeito!)

É muito louco, porque as pessoas acham que é só ligar a câmera e jogar. Mas a live é um show. Imagina segurar uma audiência durante quatro, cinco horas ao vivo. É frenético! Você tem que estar ligada no 220 [volts] e dar aquela animada no dia das pessoas

Diana Zambrozuski, sobre as streams

Reprodução/Facebook Reprodução/Facebook
Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski

Luta contra o sexismo

Como toda mulher que joga e faz streams, Diana também já foi vítima de comentários sexistas. Ela conta que pensou em desistir e chorou várias vezes, mas resolveu lutar e, atualmente, lida melhor com isso.

Já houve várias vezes que os comentários realmente mexeram comigo e pensei em desistir. Mas, poxa, se eu desistir, vou deixá-los vencer? Se falam que meu lugar não é aqui e eu tenho de estar na cozinha e eu sair mesmo, eles estarão ganhando. Eu vou ter deixado de estar aqui, garantindo o meu espaço

Diana acredita que persistir é fundamental para todas as mulheres influenciadoras. Em certos casos, prefere "ter jogo de cintura e fazer a pessoa enxergar o meu lado e ter empatia comigo".

A justificativa para tal comportamento é que, com uma "discussão civilizada, sem só xingar e mandar embora", é possível fazer a diferença e "plantar a sementinha da mudança na cabeça das pessoas que estão assistindo".

Será que se eu fosse homem, teria o mesmo tipo de comentário? Não é injusto?

Sobre os comentários de que só recebe doações de quem está interessado nela, Diana exemplifica: "Se eu fosse homem, o cara estaria me mandando estrela [moeda do Facebook Gaming] porque apoia o trabalho. Agora, por ser mulher, é porque o cara me achou bonita e quer meu WhatsApp? Não é assim".

Se alguém comenta besteira no meu chat, eu posso a banir e deixar pra lá, afinal, hoje em dia, depois de tantos anos, isso não me afeta mais tanto assim. Mas é interessante trazer a discussão para que as pessoas reflitam

Reprodução/Facebook

Rotina streamer

Diana entra ao vivo todos os dias, normalmente à noite, e começa as lives cantando e dançando ao som de músicas dos mais variados tipos e ritmos. É uma maneira, explica a influenciadora, de iniciar as transmissões em um clima animado para cativar os espectadores.

Divulgação/Riot Games

Fazendo sucesso

Além dos fãs no Facebook Gaming, Diana tem 1,1 milhão de seguidores no Instagram, onde posta fotos e vídeos e mostra o seu dia-a-dia. No YouTube, o principal conteúdo são os videoblogs, em seu canal com 500 mil inscritos e mais de 14 milhões de visualizações.

Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski

Resiliência

Como toda mulher, Diana encara comentários sexistas em suas lives.Ela conta que, no início da carreira, era mais afetada pelas ofensas. Já chorou e considerou abandonar as transmissões, mas percebeu que se, largasse tudo, estaria deixando o sexismo triunfar.

Reprodução/YouTube

Educação na live

Diana busca conscientizar os espectadores quando há comentários sexistas no chat da stream. Desde que começou a jogar Euro Truck Simulator 2, ela se depara com o comentário "mulher no volante, perigo constante". Há também aqueles que a mandam lavar louça.

Você acaba se calejando. Não importa o que eu esteja fazendo, os comentários vão existir. Isso tem muito mais a ver com a pessoa que está ali do que comigo. Ela precisa ser mudada, porque o mundo ainda é muito sexista

Diana Zambrozuski, sobre comentários sexistas nas streams

Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski
Arquivo pessoal/Diana Zambrozuski

Sem medo de brigar

Essa postura combativa e conscientizadora pode servir de inspiração para que outras mulheres sejam encorajadas a fazer transmissões de jogos.

Não é nada fácil, conforme ressalta Diana, porque as mulheres são atacadas mesmo sem estarem ao vivo. "É só você jogar qualquer jogo online com nome feminino que já vai ouvir um monte de absurdos e xingamentos", pontua a streamer.

"Por isso, eu acho muito bacana fazer a diferença neste sentido. É muito gratificante receber mensagens de meninas dizendo que se inspiraram e se motivaram e tomaram coragem de abrir uma transmissão", comenta Diana.

Continuando nessa batalha, ouvindo tudo isso, rebatendo e discutindo, muitas mulheres olham e pensam: tem razão, temos de estar na luta. Se desistirmos, deixaremos de garantir o espaço que também é nosso. Vale a pena, sim, embarcar nessa

Diana destaca que, como streamer, tem a missão de divertir o público, levantar discussões de modo a conscientizar as pessoas e passar positividade.

Ela sabe que os streamers possuem papel importante para os espectadores, inclusive os influenciando.

É muito louco saber que temos o poder de mudar umas cabecinhas

Isso se cristaliza com os depoimentos daqueles que são impactados pelas lives. "É uma enorme responsabilidade", admite a moça. "Eu penso se uma coisa irá agregar para as pessoas e de que maneira posso abordar certo assunto para que não apenas se divirtam, mas tenham uma mensagem positiva, uma lição, uma história com a qual possam aprender".

Por isso, Diana faz seu show e decreta: "O entretenimento é muito valioso".

Topo