20 anos de The Sims

O simulador de vida foi uma revolução que ainda é sentida duas décadas depois do lançamento

Giovanna Breve Colaboração para o START Reprodução

The Sims é um jogo que não deveria existir. As lendas dos bastidores contam que o conceito do game teve muita resistência no estúdio que o criou, a Maxis, e a ideia foi até rejeitada em um teste com jogadores na época.

Contra todas as forças, porém, The Sims foi lançado em fevereiro de 2000 e se tornou um fenômeno cultural como poucas vezes aconteceu no mundo dos games. Vinte anos, quatro jogos principais e 34 pacotes de expansões depois, as influências da série ainda são inegáveis.

The Sims não apenas inovou ao abrir mão do formato "matar inimigos e destruir coisas", como acabou criando um novo gênero, o simulador de realidade.

O START relembra essas duas décadas de The Sims: as características mais marcantes, os segredos de bastidores e as histórias de jogadores que tiveram suas vidas mudadas pelo "simulador de vida".

Jogos Principais

Reprodução

The Sims (2000)

O precursor de tudo. The Sims foi o simulador mais vendido para PC em sua época, com mais de seis milhões de cópias, perdendo o posto apenas para sua sequência. O game definiu as mecânicas básicas que perduram até hoje na série. Recebeu sete pacotes de expansão.

Reprodução

The Sims 2 (2004)

A sequência trouxe diversas atualizações. Os Sims agora precisam cumprir aspirações, manter as necessidades em dia, progredir na carreira e ainda envelhecem. Eles também têm traços genéticos que são repassados aos filhos. Recebeu oito pacotes de expansão.

Reprodução

The Sims 3 (2009)

O terceiro game melhorou as ferramentas de personalização dos Sims e do modo construção, mas a grande mudança foi o conceito de mundo aberto. Agora o jogador não ficava mais preso a apenas uma única casa, para ter toda a vizinhança em suas mãos. Recebeu 11 pacotes de expansão.

Reprodução

The Sims 4 (2014)

A versão mais recente trouxe Sims mais complexos, que transmitem emoções mais fielmente, além de novos traços de personalidade. Os Sims tinham objetivos a serem cumpridos, e seus estados emocionais afetavam as ações. Recebeu oito pacotes de expansão até o momento.

Divulgação Divulgação
Arte/UOL Arte/UOL

Por dentro da cabeça de Will Wright

É impossível falar de The Sims sem mencionar seu criador: Will Wright. Na época do lançamento do jogo, em 2000, o game designer já era conhecido por SimCity, mas é em The Sims que está seu maior legado.

Com um jogo em que ganhar ou perder não era o essencial, Will Wright queria passar a mensagem de que o importante é se divertir e explorar as infinitas possibilidades que o universo dos Sims oferecia. Isso é um reflexo de sua filosofia de encarar videogame mais como um brinquedo, um parque de diversões virtuais.

Um dos maiores diferenciais de Will Wright é que ele não se limitava a estudar somente design de jogos. Antes de ser reconhecido na área, ele teve interesse em diferentes campos de conhecimento, de robótica e computação até psicologia e matemática.

Não foi à toa que Wright chegou a fazer faculdade de arquitetura e ciência da computação, apesar de não concluir nenhuma delas. Pode não parecer, mas esses estudos estão muito entrelaçados ao que Wright colocou em seus games, principalmente The Sims.

A originalidade e o sucesso dos games de Will Wright fizeram com que ele se tornasse um dos mais influentes e importantes criadores de jogos do mundo. Ele já foi premiado com um "Lifetime Achievement Award" na Game Developers Choice Awards, em 2001, e está também no hall da fama da Academy of Interactive Arts and Sciences.

Quando se joga algo como The Sims, o jogador é quem realmente está construindo as regras. Eu estou dando aos jogadores um brinquedo, e o jogador é quem está fazendo disso um game

Will Wright, Criador de The Sims, em discurso durante aula virtual sobre criação de jogos

Arte/UOL Arte/UOL

O beijo que salvou The Sims na E3

Em 1999, um ano antes do lançamento, The Sims foi apresentado na Electronic Entertainment Expo, a E3, principal feira de videogames do mundo. O jogo passaria despercebido se não fosse um casal de Sims mulheres que se beijavam durante a apresentação, causando furor.

Tudo isso, porém, aconteceu por acaso.

Foi Patrick J. Barrett III, um dos programadores do primeiro jogo, que revelou em entrevista para a The New Yorker o que aconteceu.

A Maxis, estúdio responsável por desenvolver The Sims, chegou a adicionar relacionamento gay no jogo antes do lançamento. Mas, como não estavam botando fé no projeto e o tema era delicado, deram um passo atrás e reduziram o escopo para relacionamentos apenas entre homens e mulheres.

Patrick havia entrado para a Maxis durante o desenvolvimento de The Sims. Entre o vai-e-vem de documentações e decisões, deram a ele um documento de design para que ele "tivesse o que fazer" durante as férias de seu chefe. Patrick mostrou serviço e seguiu a documentação à risca. Mal sabia ele que era uma versão antiga da documentação, que ainda incluía os relacionamentos homossexuais.

Como ninguém da equipe discutiu a respeito, o projeto seguiu adiante até a exposição na E3. Durante a apresentação na feira tudo ocorria conforme o planejado até que aconteceu a cena do beijo lésbico.

The Sims logo recebeu toda a atenção da imprensa, mesmo com a fraca divulgação que a EA fez em cima do game.

Após o ocorrido, muitos da Maxis esperavam represálias e críticas por parte da mídia e pessoas conservadoras, mas tudo correu bem. Desde aquele dia, a EA começou a investir na divulgação do jogo e The Sims recebeu atenção do público pela sua ambiciosa ideia de simular relações sociais e quebrar o tabu na indústria de jogos ao mostrar relacionamentos homoafetivos.

Foi a primeira vez que jogamos um game e ficamos livres para nos ver representados. Foi um momento mágico quando meus primeiros Sims do mesmo sexo se beijaram

Patrick J. Barrett III, programador de The Sims, em entrevista para o The New Yorker

Divulgação Divulgação
Divulgação

A importância de The Sims

Desde o primeiro jogo, os personagens criados em The Sims são, por padrão, bissexuais, já que podem se interessar por ambos os sexos. Por isso, o jogo se tornou uma fresta de liberdade para a comunidade LGBTQ+, e são muitas as histórias de jogadores que "saíram do armário" por conta do game.

Segundo o psicólogo Lucas Goulart, em entrevista ao START, The Sims criou um espaço chamado heretópico, "onde podem se criar narrativas com possibilidades únicas para pensar uma vida diferente".

O game foi tão bem recebido pelo público LGBTQ+ que a EA lançou, para The Sims 4, uma atualização em que aumenta a opções de personalização de gênero, ou seja, independentemente do sexo escolhido é possível mudar estilo de andar, tipo físico e tom de voz.

The Sims também quebrou o paradigma de videogame ser "coisa de garotos" e atingiu um público feminino enorme. Em entrevista para a revista Wired, em 2012, o criador Will Wright revelou que mulheres faziam parte de mais da metade dos jogadores de The Sims.

Foi por causa de The Sims que Beatriz Silva teve os primeiros contatos com um computador. "Sou programadora, adoro desenhar e tenho muito desejo de produzir e criar conteúdos para jogos no geral", conta ela ao START. "Esse desejo e sonho foram despertados desde pequena quando esse universo me foi apresentado".

O amor por The Sims incentivou-a a criar o Galáxia Azul, um canal de YouTube dedicado ao jogo e com quase 500 mil inscritos.

Gosto de criar histórias, criar personagens, criar mundos. The Sims nos permite isso. Sair da realidade e criar um mundo nosso

Beatriz Silva, Jogadora de The Sims e youtuber, criadora do canal Galaxia Azul, dedicado ao jogo

Um jogo, várias possibilidades

  • Pet Virtual

    Muita gente prefere jogar The Sims com o foco em criar e cuidar dos membros de uma família, como se fossem humanos de estimação. A ideia é ficar de olho nas necessidades e atingir sucesso profissional, o que demanda bastante atenção.

    Imagem: Divulgação
  • Casa de Bonecas

    Outros jogadores preferem focar suas atenções em construir coisas, de mansões até palácios, usufruindo das inúmeras ferramentas de personalização, decoração de imóveis e mobília, sejam as oficiais do jogo ou feitas pela comunidade.

    Imagem: Reprodução
  • Fazenda de Formigas

    Uma abordagem mais de observador faz com que jogadores criem condições pré-determinadas, como um incêndio, por exemplo, para depois assistir ao caos. A diversão está em imaginar situações que surpreendam pela reação dos Sims.

    Imagem: Reprodução
Divulgação Divulgação
Arte/UOL Arte/UOL

Por que The Sims faz tanto sucesso? A psicologia explica

The Sims foi uma revolução e todo mundo concorda, mas o sucesso da série ainda perdura, mesmo depois de outros fenômenos gigantescos como Minecraft e, mais recentemente, Fortnite. Recentemente, a produtora EA divulgou que The Sims 4 atingiu a marca de 20 milhões de jogadores no mundo todo desde o lançamento, em 2014. Como isso aconteceu?

A psicologia pode ter a resposta. Lucas Goulart, psicólogo social e Doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que há motivos de sobra para que The Sims se tornasse o sucesso que é hoje.

Dentre esses fatores estão as próprias tendências que estavam acontecendo no começo dos anos 2000, como os reality shows, que transformaram a vida privada em espetáculo, e continuam a chamar a atenção do público ainda hoje. The Sims, de certo modo, também faz isso, mas de forma digital.

"A não-existência de um 'objetivo bem definido' em The Sims faz com que ele seja altamente flexível, podendo abrir espaço para diferentes usos e diferentes prazeres a se jogar - o que é, a meu ver, a questão mais revolucionária dele", conta o psicólogo.

Não é segredo que o criador Will Wright também estudou e usou de teorias de psicologia para criar alguns conceitos do jogo. O game designer buscou inspiração especial na teoria da Hierarquia de Necessidades de Maslow, que é representada por uma pirâmide.

Goulart diz que esses conceitos foram importantes para deixar a simulação mais próxima da realidade, já que sem essas teorias o jogo não pareceria real o suficiente. "Ao mesmo tempo, a Pirâmide de Maslow oferece uma flexibilidade suficiente para a vida dos avatares ser mais 'Livre'", completa.

O interessante para mim (como psicólogo, jogador e acadêmico) é que o The Sims oferece maneiras únicas de produzir narrativas abertas e restritas ao mesmo tempo. Esse meio termo faz com que as histórias sejam participativas entre jogador e sistema

Lucas Goulart, psicólogo social e Doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Reprodução Reprodução

Modificando The Sims

Para grande parte da comunidade de The Sims, não basta jogar. É necessário explorar o vasto universo que os jogos possibilitam criando modificações, os chamados mods, e disponibilizando gratuitamente para que outras pessoas também entrem na brincadeira.

Algumas dessas modificações melhoram a experiência do jogo, o que vai desde aumentar as opções de cores até o design de casas e o ambiente das cidades. Outras trazem referências da cultura pop para dentro do game, como o "Baby Yoda", de Star Wars. Os mais ousados chegam a adicionar conteúdo adulto para um "WooHoo" mais autêntico.

Selecionamos aqueles que são mais inusitados de toda a série The Sims.

  • Sonic (The Sims 4)

    O mod "SEGA Certified Hedgehogs" permite que seu Sim tenha ouriços com a skin de Sonic, Knuckles e outros amigos da franquia.

    Imagem: Reprodução
  • Gravidez masculina (The Sims 3)

    Um mod fazia com que Sims homens também pudessem engravidar, com direito a barrigão aparecendo e até roupas para os gestantes.

    Imagem: Reprodução
  • Comidas brasileiras (The Sims 2)

    Arroz, feijão, ovo frito, salada e, para acompanhar, um típico chimarrão gaúcho foram adicionados a The Sims 2 por meio de alguns mods.

    Imagem: Reprodução
  • Loja de videogames (The Sims 4)

    Quem nunca sonhou em ter uma loja de games? Existem mods que trazem prateleiras cheia de lançamentos e consoles recentes, como o Xbox One.

    Imagem: Reprodução
Arte/UOL

Simlish: uma língua muito especial

SulSul! Se você jogou The Sims sabe o que significa essa expressão. Apesar de ninguém compreender 100% do idioma, os jogadores mais dedicados entendem perfeitamente o que os Sims falam.

O Simlish é a língua oficial em "The Sims" e surgiu antes mesmo de a franquia existir, ao aparecer em SimCopter, também criado por Will Wright, em 1996.

Durante a produção do jogo, Wright tinha como intenção criar uma língua que não entediasse os usuários, não fosse tão restritiva (dando maior liberdade a imaginação) e não tivesse muitos custos de tradução e localização.

Claire Curtis, diretora de áudio do The Sims e The Sims 2, contou em entrevista ao canal Great Big Story que a produção pensou em misturar diversos idiomas. A ideia era combinar o navajo (idioma do povo indígena da América do Norte), ucraniano e o estoniano para construir uma língua que não fosse repetitiva.

No fim, decidiram apelar ao improviso e foram feitos diversos testes com os Sims interagindo e os dubladores gravando diferentes falas, cada uma diferente da anterior, gerando assim mais conteúdo. Entre esses improvisos, surgiu a palavra mais famosa da franquia: "SulSul", que significa "olá/tchau".

Katy Perry cantando em Simlish

A artista cantou no idioma de The Sims em hits como Last Friday Night e Hot'n Cold para a coleção de objetos Katy Perry Mundo Doce em The Sims 3

Reprodução

O sucesso de The Sims no YouTube

The Sims foi uma série que se beneficiou muito da popularização do YouTube depois da metade dos anos 2000. A possibilidade de criar e modificar tudo dentro do jogo caiu como uma luva para aqueles que queriam produzir conteúdo para a plataforma de vídeo.

Hoje, muitos youtubers são dedicados ao jogo da Maxis, testando as novidades frequentes que as versões recebem. Outros vão além e chegam a criar histórias em webséries, utilizando os Sims como personagens e produzindo tudo dentro do jogo.

Natália Cavalcante é uma youtuber que faz sucesso com vídeos em que cria histórias de vampiros inspiradas nas obras de Anne Rice, por exemplo. Em uma conversa com o START, ela disse que a ideia para criar um canal sobre o game teve uma inspiração inusitada: tutoriais de maquiagem.

"Eu quis adaptar um pouco daquilo para vídeos tutoriais sobre The Sims, usando a minha personagem como a youtuber", conta.

Nat gostou tanto de jogar e explorar o universo de The Sims que criou um blog, com dicas e tutoriais ensinando como instalar os conteúdos adicionais produzidos pela comunidade.

Acho que The Sims mudou meu estilo de vida, principalmente nos últimos anos, agora que trabalho produzindo conteúdo sobre o jogo

Nat Cavalcante, Youtuber de The Sims

Reprodução Reprodução

Girls in The House

Imagine assistir a uma novela ou uma sitcom americana, só que os atores são virtuais e a série é "filmada" dentro de The Sims. Foi com essa fórmula que Girls in the House fez sucesso na internet.

A websérie foi criada pelo YouTuber Raony Phillips, em 2014, e publicada em seu canal. As tramas contam as peripécias das amigas Duny, Alex e Honey.

Em entrevista ao START, Raony diz que viu em The Sims uma plataforma para criar histórias que sempre quis contar, mas não tinha coragem de fazer. "Queria que as pessoas sentissem que estavam assistindo algo que poderia facilmente passar nas tardes do SBT, por exemplo".

Girls in the House tem um apelo bem forte no humor e em paródias com celebridades como Kim Kardashian, Taylor Swift e Kanye West. Todos recriados como Sims. A série estourou com o meme "Eu vou expor ela" de um episódio da série spin-off Dusk Duny.

Viralizar memes, lançar novas tendências, bordões e conversas são, pelas palavras do próprio criador, o resumo do que é Girls in The House.

Raony também comenta que a criação veio em um período importante da sua vida: "Quando comecei a fazer eu não era totalmente assumido (gay) ou desconstruído, e o sucesso da série acabou vindo num momento de descoberta".

O Sucesso da série fez com que o Youtuber publicasse um livro em 2017: Duny - Meu Livro. Eu Que Escrevi. Ele conta a perspectiva da protagonista desbocada de Girls in The House ao tentar alcançar a fama a qualquer custo.

Girls In The House tem fragmentos de tudo o que eu gosto de assistir em séries: suspense, comédia e uma coisa pessoal minha, o surrealismo.

Raony Phillips, Youtuber criador de Girls in The House

Topo