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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quando os jogos quebram a quarta parede

Psycho Manthis Start - 16bit/Start
Psycho Manthis Start Imagem: 16bit/Start

Colunista do UOL

26/02/2021 08h00

Se você abriu o artigo esperando ver jogos de demolição, sinto te decepcionar. A expressão "quarta parede" vem do teatro e a expressão passou a designar qualquer momento em uma peça ou filme em que os personagens se mostram conscientes de que fazem parte de uma ficção e interagem com o público.

Como os games também são obras de ficção, com a diferença de que exigem interação do jogador, não é surpresa que eles tenham recorrido a esse recurso de forma criativa em vários momentos.

Se ainda não tem uma ideia clara do que estou falando basta lembrar do final de Tomb Raider 2: Lara está prestes a despir seu corpo poligonal para tomar banho quando se volta para a tela e pergunta ao jogador "você não acha que viu o bastante?" e atira com a sua escopeta em nossa direção finalizando o game.

É de momentos assim que listo aqui, quando os games quebraram a quarta parede (com exceção do Deadpool porque né? preguiça) vamos lá!

X-Men (Mega Drive - 1993)


O X-Men de 1993 é um charmoso jogo de plataforma para o bom e velho Mega Drive. No jogo, a sala da mansão X onde os mutantes treinam, a "danger room", é afetada por um vírus de computador que a deixa fora de controle. Cabe aos mutantes vencer os perigos criados pela sala e restaurar a ordem.

Ao vencermos o boss da última fase nos é pedido que reiniciemos o computador para a danger room voltar ao normal. Porém, não há qualquer coisa no cenário que possamos usar para fazer isso. O que fazer? Reiniciar nosso Mega Drive! O meio de prosseguir aqui e apertar o botão reset no console.

Mas cuidado! Se você apertar o botão por muito tempo você reseta o jogo mesmo e perde todo seu progresso! Apenas um leve toque e vemos os códigos binários do computador da danger room reiniciando.

Ao forçar o jogador a largar o controle para reiniciar o sistema no console o game quebra a quarta parede ao mostrar saber que tem um jogador ali e exigir uma interação maior da parte dele. Simples e engenhoso para a época.

Earthbound (SNES 1994)


A sequência do RPG "Mother" do Nintendinho saiu em 1994 para o Super Nintendo e recebeu o nome de Earthbound em sua versão ocidental. O jogo pode não ser tão conhecido quanto um Chrono Trigger, mas é reconhecido por muitos como um dos grandes RPG's da era 16 bits, tanto pelo seu belo design como pela inovação do seu mundo mais parecido com o real.

Além, é claro, dos bons personagens e a ligação que acabamos tendo com eles. E é para ajudar a construir essa ligação que trabalham as quebras de quarta parede do jogo.

Num momento do jogo o personagem Tony faz uma ligação telefônica na qual fala com o jogador! Ele pede desculpas pelas encrencas em que nos colocou e pergunta nosso nome, tendo o cuidado de pedir para que demos o nome correto. Em seguida ele fala de outro personagem jogável, o seu amigo Jeff, pedindo que cuidemos bem do garoto, não o colocando em perigo.

O nosso nome, que demos ao personagem nessa ocasião, volta a ser referido na batalha final contra o vilão Giygas: quando a personagem Paula executa seu comando "Pray" ela emite apelos que podem ser sentidos por vários NPC's com quem interagimos ao longo da aventura e eles rezam pelos personagens do nosso grupo, causando dano ao vilão.

O último apelo é dirigido diretamente ao jogador, chamado pelo seu nome. Então é dito que o apelo de Paula tocou nosso coração e que oramos pelas crianças do grupo, causando o ultimo dano ao vilão e o derrotando.

Nosso nome ainda é referido nos agradecimentos finais do jogo. Uma tocante quebra de quarta parede. Se você ainda não conhece Earthbound está perdendo um jogasso!

Batman: Arkham Asylum (2009)


Batman: Arkham Asylum foi lançado em 2009 abrindo a aclamada trilogia Arkham da Rocksteady. Tanto pela jogabilidade quanto pelo enredo, os três jogos da série nos colocam na pele do homem morcego de um modo que os games não tinham conseguido fazer antes.

O primeiro jogo da série é ambientado no asilo Arkham, hospital psiquiátrico de Gotham City. O lugar serve de habitação forçada a vários personagens da insana galeria de vilões de Batman, afinal eles destacam-se pelos seus transtornos psicológicos e seu modo de mexer com a cabeça das suas vítimas e do próprio morcegão.

Um belo exemplo é Jonathan Crane, o Espantalho: com esse vilão não há do que ter medo, a não ser do medo em si! Ele usa um gás capaz desencadear o medo no cérebro das suas vítimas que sofrem alucinações com aquilo que mais temem.

No jogo seus ataques não são sempre anunciados: as coisas começam a ficar estranhas e então entendemos que estamos numa alucinação do Batman provocada pelo gás do Espantalho.

Uma delas não só bagunça com a mente do morcego como com a do jogador! Estamos jogando normalmente quando o cavaleiro das trevas tosse um pouco (pista que indica que o gás do medo está na área) então o jogo trava com alguns glitches gráficos na tela. Nesse momento muita gente boa olhou para o seu Xbox 360 temendo ver os leds vermelhos acesos formando o terrível "anel vermelho da morte" que indicava um defeito no console.

Porém, alguns segundos depois, o jogo parece voltar do começo, só que de modo diferente: o Batman e o Coringa trocaram de lugar, o palhaço atira no herói e temos uma falsa tela de game over com uma dica "utilize a alavanca do meio para desviar do tiro do Coringa".

Alavanca do meio? Seria uma piada non-sense ou uma alusão ao controle do Nintendo 64? De qualquer modo, o jogo segue para enfrentarmos o Espantalho dentro da alucinação.

Essa quebra de quarta parede se dá na medida em que tenta assustar não só o personagem, mas o próprio jogador enquanto tal, pois ao fazê-la o game se mostra "consciente" de que está sendo jogado num console ou PC. Um dos grandes momentos da sétima geração de consoles!

Conker's Bad Fur Day (Nintendo 64 - 2001)


Conker's Bad Fur Day é um game de plataforma em 3D do Nintendo 64. Nosso personagem é um esquilo fofo que acaba se metendo em problemas em sua jornada de volta para a casa da sua namorada depois de uma noite de bebedeira.

Sim, estamos diante de um jogo que se vale duma estética infantil com temas adultos para fazer humor.

As quebras de quarta parede nesse jogo são várias, porém a mais notável se dá na batalha final contra um monstro na forma do famoso alien do filme de mesmo nome.

Depois de aparentemente derrotarmos o bicho, ele retorna, nos ataca e o jogo simplesmente para, "congela". Depois de alguns segundos nosso personagem sai da armadura robótica que usava, olha o mostro parado e chega à conclusão que o jogo travou! Então, olhando para a tela ele pergunta se não teria nenhum engenheiro de software por ali, ele estaria falando com os desenvolvedores do jogo! E um deles o responde digitando num prompt de comando!

O esquilo então o chantageia, diz que não conta pra ninguém sobre aquele travamento se ele o ajudasse a derrotar o boss, então pede que o cenário seja trocado e algumas armas sejam dadas e ele, o programador obedece e podemos finalizar o alien.

Essa quarta parede vai a baixo não quando um personagem mostra ter consciência do jogador, mas sim dos desenvolvedores e do fato de estar num jogo passível de erros de programação. O que combina bem com o humor do game!

Undertale (2015)


Undertale é um RPG indie que chegou em 2015 inovando em vários aspectos, do seu sistema de batalhas à possibilidade de progredir no enredo sem matar os inimigos.

Controlamos um garoto que cai no mundo subterrâneo onde monstros foram confinados depois duma guerra com os humanos. A partir dessa premissa o cenário se torna mais complexo pois o modo como manejamos nosso save game interfere na narrativa.

Basta saber que o jogo guarda informação do que você fez antes de salvar e te confronta com isso. Por exemplo: se você matar um NPC em batalha, se arrepender, voltar ao seu jogo salvo e poupa-lo, alguns personagens podem confrontar e dizer que você não é tão bonzinho quanto quer parecer.

Notoriamente o personagem Flowey irá fazer isso. Essa florzinha senciente é o primeiro NPC que encontramos e nos ensina a mecânica básica do gameplay. Porém, é também um dos principais antagonistas da trama, que em certo momento pode ganhar poder de mexer com nossos saves, fechar o jogo e... salvar o jogo! Quando a enfrentamos em sua forma monstruosa ela carrega o próprio save se chegarmos perto de derrota-la, e ameaça salvar o jogo ao nos matar e carregar esse save indefinidamente para nos fazer ficar assistindo nossa morte!

Além de outras quebras de quarta parede pontuais, pela sua própria mecânica de save games alterando o enredo, Undertale estabelece uma metalinguagem que quebra a quarta parede pelo seu próprio conceito de mundo e personagens que levam em conta que são parte dum jogo e lidam com isso de maneiras diversas. Não é à toa que o jogo foi tão aclamado!

Metal Gear Solid ( Playstation -1998)


Por fim temos uma criativa batalha de boss num dos clássicos do primeiro Playstation. A série Metal Gear tem muitos momentos de quebra da quarta parede e isso não é diferente no Metal Gear Solid.

Porém, na batalha contra o boss Psycho Mantis, a tal parede imaginária é detonada sem piedade. Esse chefe tem poderes de telepatia e telecinesia; ao ler a mente do nosso personagem ele fala um pouco do seu passado e características, e então fala que pode ir além e começa a falar dos jogos que gostamos, então percebemos que ele está falando de jogos que gostamos de verdade, nós os jogadores!

O que ele está fazendo é ler os saves de outros jogos no nosso memory card! Ele também comenta sobre o número de vezes que salvamos o jogo, julgando-nos covardes ou audaciosos através dele. Daí ele decide demonstrar seus poderes de telecinesia no controle do nosso videogame! Ele pede que coloquemos o controle no chão para que o vejamos move-lo apenas com a sua mente, então a vibração do controle é ativada com força para o controle se mexer um pouco!

Por fim descobrimos que é difícil derrotar esse boss pois ele pode ler a mente do personagem e prever seus movimentos. Mas há uma solução pra deixar as coisas mais fáceis: retiramos nosso controle e o conectamos no slot 2, assim ele não consegue mais "ler nossas mentes" e o derrotamos.

Passar por essa experiencia lá em 1998 era algo inovador e divertido. Muito bem, senhor Kojima, muito bem!

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL