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BioShock

31/08/2007 23h52

"Blade Runner" encontra "Psicose" no fundo do mar. Embora a frase não defina todos os aspectos de "Bioshock" foi a maneira que encontrei para descrevê-lo em poucas palavras para pessoas que não são íntimas dos videogames durante uma reunião de pauta do UOL. Trata-se de um jogo de ficção, mas não futurista. Pelo contrário, a ação se passa em 1960 em uma fantástica cidade submarina. Neste lugar, a insanidade gera violência e crianças buscam a proteção de monstruosos gigantes vestindo escafandros.

"Bioshock" é um jogo de tiro em primeira pessoa dos criadores de "System Shock". Tal qual o aclamado sucesso de 1994, que teve uma competente continuação, não deve ser comparado com os demais títulos do gênero. É daqueles jogos que aparecem de tempos em tempos e conquistam o jogador pela experiência e história, como "Half-Life 2" e "Metal Gear Solid". Mergulhar em "Bioshock" é uma experiência inesquecível.

Feliz 1959

Andrew Ryan era um visionário. Entre o capitalismo norte-americano, o comunismo soviético e as doutrinas da igreja católica, ele optou por criar sua própria sociedade, submersa em algum ponto do Atlântico e totalmente desvinculada da civilização. Bem-vindo a Rapture. Sem deuses ou reis, nesta cidade o artista não precisa temer o censor, o grande não fica constrangido pelo pequeno e cientistas não são limitados pela moralidade. Maravilhas da genética aperfeiçoam a raça humana além do imaginável. Mas quando o abuso foge do controle, o isolamento cobra seu preço.

Após um acidente aéreo, um sobrevivente sem nome descobre em um rochedo a entrada para Rapture. Ao acionar a batisfera que dá acesso à cidade, o desconhecido e o jogador deparam-se com o universo fantástico. Cartazes, avisos sonoros, néon e impressionantes efeitos de luz dão vida à uma cidade esquecida no tempo. Esses poucos minutos ilustram o alto valor de produção e denunciam: "Bioshock" é um grande jogo. Após a parada da batisfera, as coisas só tendem a melhorar para o jogador e piorar para o inafortunado sobrevivente.

A primeira cena de horror define o estado atual de Rapture. É um lugar amaldiçoado e esse sentimento de assombração persegue o jogador por toda sua jornada com sombras na parede e ruídos misteriosos. Em meio a mutantes e seres grotescos, uma voz amiga vem ao auxílio: através de um rádio de ondas curtas, Atlas pede auxílio para salvar sua família, presa em algum lugar da cidade. Enredo à parte, a voz atua muitas vezes como tutorial, explicando as peculiaridades do universo de "Bioshock", como os plasmids.

Geneticamente modificado

Mas nem tudo é história e atmosfera. Elas cativam, e muito, mas a mecânica e variedade são que mantêm o jogador preso no controle. "Bioshock" tem uma gama de itens e possibilidades que desafiam a inteligência do jogador. No começo, a única arma é uma chave inglesa, mas isso logo muda ao descobrir que é possível modificar geneticamente o corpo para adquirir poderes, os chamados plasmids. No começo a única habilidade é desferir raios através das pontas dos dedos, mas até o final da aventura o jogador estará hipnotizando oponentes, levitando objetos ou incendiando o que estiver pela frente, só para citar alguns exemplos.

Ao lado das armas de fogo tradicionais, os plasmids adicionam estratégia à ação frenética e fazem com que cada partida seja única. O que vale é experimentar. O "Electrobolt", primeiro dos plasmids dá uma amostra da engenhosidade. Numa cidade submersa em ruínas o que não faltam são poças d'água. Fique atento à movimentação dos inimigos e quando eles tiverem em contato com água, atire para eletrocutar todos de uma única vez. De posse do "Incinerate", o segundo plasmid, o jogador pode ainda forçá-los para água ateando fogo - uma vez que eles estiverem molhados, o choque será o golpe de misericórdia .

Essas são amostras. "Bioshock" é brilhante em propiciar opções. Se numa ponta do controle, o jogador tem acesso aos plasmids, do outro lado estão todas as armas convencionais que incluem, por exemplo, pistola, espingarda, metralhadora e lançador de granadas. A escolha da forma de ataque é feita pelos gatilhos do controle: o direito é para armas, enquanto o esquerdo dispara plasmids. Os botões acima, os de ombro, servem alternar entre os diversos tipos de plasmids e armas.

É possível ainda hackear eletrônicos do cenário para que eles trabalhem a seu favor. Ao congelar uma sentinela voadora, por exemplo, o jogador tem a opção de modificar seu circuito para que ela comece a atacar seus inimigos. O hack é na verdade um minigame que lembra o quebra-cabeça "Pipe Dreams" - aquele de juntar canos antes que a água vaze. Bons favores podem ser obtidos através do hack, mas eles vão ficando mais difíceis a cada tentativa.

Não é a mamãe

Armas, plasmids e até mesmo sua habilidade física e de modificar eletrônicos precisam evoluir. Caso contrário, avançar se tornará mais e mais penoso. Plasmids são repostos com ampolas de EVE, que podem ser encontradas em corpos, espalhadas pelos cenários ou em máquinas de venda em vários pontos de Rapture - não deixe de recolher dinheiro quando vir espalhado pelo caminho! O mesmo vale para a munição das armas e kits médicos, que recuperam a energia. Chega uma hora, no entanto, que repôr não basta. É preciso aumentar a capacidade de seu corpo de armazenar ADAM, a substância que permite as modificações genéticas. Para isso o jogador terá de lidar com "Big Daddy".

Esses gigantes vestindo escafandros podem parecer lentos, mas quando se trata de defender as "Little Sisters", crianças que sempre os acompanham, são extremamente violentos. As pequenas recolhem sangue de cadáveres com uma seringa e o bebem para reciclar o ADAM. Não são crianças puras, como seu amigo Atlas alerta no começo da aventura, mas uma vez que perdem seu "Big Daddy" choram desamparadas. Nesta hora, cabe uma decisão: extrair o ADAM diretamente do corpo da "Little Sister", colocando a vida dela em risco, ou tentar eliminar a parasita que gera essa substância em seu corpo. A diferença é a quantidade de ADAM que o jogador irá conseguir, ou em outras palavras, o quanto irá evoluir. Se ajudar na decisão, "Bioshock" não é um jogo difícil.

A variedade de inimigos de "Bioshock" é pequena, se resume a cinco tipos e todos podem ser facilmente eliminados com a técnica correta. Já as duplas "Little Sister" e "Big Daddy" receberam toda a atenção dos produtores. Os detalhes chegam a comover. Vale a pena ficar parado para observar a relação entre os dois.

Para ver e ouvir

Outra simbiose de "Bioshock" é parte sonora com a visual. Ninguém aqui nasceu na década de 50 - minhas desculpas caso esteja cometendo injustiças -, mas a apresentação visual e a imersão faz quase acreditar que Rapture seja real. Rádios, "jukeboxes", mobílias, cartazes remetem ao art-déco da época. Um trabalho de pesquisa incrível que o produtores fizeram questão de valorizar evitando interrupções.

Isso porque a grande diferença entre "Bioshock" e "Metal Gear Solid", entre outras grandes histórias dos videogames, é que o jogo usa muito pouco intervenções em computação gráfica para explicar a narrativa. Ou seja, em raros momentos o jogador é tirado da experiência para depois ter de mergulhar novamente na ação. Nem mesmo há pausa para salvar o game, que é feito ao encontrar as "Vita-Chambers" pelo caminho. Uma vez que o jogador morre, retorna da última "Vita-Chamber" visitada.

O alto valor da produção artística também está nos belos efeitos visuais - como da eletricidade e explosões - e no conjunto sonoro. A música alterna entre momentos de calma e terror intenso. Ao andar por Rapture, ruídos, murmúrios e gritos distantes aumentam o clima de suspense. A dublagem é também competente, a começar pela voz do patriarca da Andrew Ryan, interpretada por Vincent Price. Vale comentar que Rapture possui vários diários em áudio espalhados pelos escombros. Jogador tem a opção de não escutá-los, mas com isso perde a oportunidade de entender esse mundo na visão de seus idealizadores.

Nota: 9 (Excelente)