Taís de verdade

Sem medo de se posicionar, Taís Araujo é referência na TV, nos palcos e na web: 'Quero o mundo bom para todos'

Débora Miranda De Splash, em São Paulo Julia Rodrigues/UOL

"Sem maquiagem eu tenho cara de gente normal, porque eu sou gente normal", jura Taís Araujo. Há, no entanto, controvérsias. A atriz, que conquistou na TV papéis inéditos até então para as mulheres negras, hoje é considerada referência, exemplo e influenciadora.

Foi a primeira protagonista negra da TV Globo, em "Da Cor do Pecado" (2004), e se tornou a primeira também no horário nobre, em "Viver a Vida" (2009). Apresentou programas, atuou em séries, participou de filmes e fez peças inesquecíveis. Produziu e realizou seus sonhos. Nas redes sociais, onde pode ser encontrada pelo @taisdeverdade, faz sua voz ecoar discutindo questões sociais e políticas.

"Durante muito tempo, eu lia sobre mim coisas que um jornalista achava. Ele tinha a chance de conversar comigo por duas horas e vinha, com seu repertório, falar sobre mim. Aquilo era taxado como a verdade absoluta. As redes chegaram para democratizar, para a gente ter a chance de mostrar quem é. O nome do meu perfil vem disso também. É a necessidade de ter um diálogo de verdade, honesto, com quem está lá, me vendo", afirma Taís.

Claro que nem sempre é simples. Falar o que pensa e sente pode criar pontes, mas também atrair ódio. Taís já sofreu ataques na internet, mas diz que sua função como artistas é provocar reflexão. "E isso, muitas vezes, também gera desconforto, né?", questiona, de forma retórica.

Nesta entrevista exclusiva a Splash, ela fala da pandemia e do aguardadíssimo retorno da novela "Amor de Mãe" (capítulos inéditos a partir do dia 15), comenta o encontro pessoal e profissional com o marido, Lázaro Ramos, revela novos projetos e reflete sobre a maternidade.

Leia, abaixo, trechos.

Julia Rodrigues/UOL Julia Rodrigues/UOL

A primeira protagonista negra

"'Da Cor do Pecado' chegou em um momento da minha carreira em que eu estava bastante desacreditada, porque havia feito 'Xica da Silva' [Manchete, 1996] sete anos antes. Eu demorei sete anos para ser protagonista na Rede Globo. Mas acho que, no final das contas, isso trabalhou a meu favor. Eu era muito menina, era uma atriz verde, e esse amadurecimento foi necessário.

Sobre 'Da Cor do Pecado', é importante pensar no que era o Brasil naquela época. Era um país que estava começando a gostar de si, que tinha orgulho de ser brasileiro. Vale lembrar que o autor era o João Emanuel Carneiro, um cara de vanguarda. Ele entendeu que Brasil era aquele que estava para surgir e apostou nisso. Alguém precisava ter essa coragem em um país tão racista e misógino como o nosso. E não é surpresa que esse passo tenha sido dado por um autor jovem.

A novela veio em um momento muito bonito e serviu para a gente se olhar e se gostar."

'Da Cor do Pecado' foi, sem dúvida, uma porta que se abriu, mas também porque deu certo! E, durante a minha história, tive momentos que deram certo e momentos que deram errado. Momentos que dão certo abrem portas. Momentos que dão errado nos transformam, para que, quando a porta se abrir de novo, nós consigamos passar. Essa é a beleza da vida!

Sobre as mudanças provocadas por "Da Cor do Pecado"

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A volta de 'Amor de Mãe': 'Achamos que seria impossível'

"Se não me engano, nós, de 'Amor de Mãe', fomos os primeiros a voltar a gravar depois da pausa pela pandemia. E terminamos em novembro. Tudo era novo, mas havia um protocolo que nos dava muita segurança. Foi importante, porque a gente achou que seria impossível voltar a trabalhar naquele momento, e não só foi possível como foi prazeroso. Foi lindo, foi bom rever os amigos, saber como eles estavam, poder olhar no olho de cada um. Foi muito emocionante voltar.

Parecia que eu estava deixando os meus filhos pela primeira vez. Mas, ao mesmo tempo, graças a Deus, porque precisava desse respiro. Meu trabalho para mim é muito importante, mas tinha um medo gigantesco [por causa do coronavírus]. Vou sair de casa, será que vou voltar? Eram muitas sensações misturadas, mas, conforme a gente foi fazendo e foi acontecendo, foi acalmando o nosso coração."

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Ser mãe é...

"A maternidade é uma das coisas mais desafiadoras do mundo. É muito difícil, meu Deus do céu! Mas também é muito bonita e transformadora. O meu filho me fez adulta. Foi quando vi que eu era responsável por uma pessoa e acabou! E com a minha filha a relação é outra, diferente, porque ela me obrigou a olhar para mim enquanto mulher. E a minha filha tem uma coisa muito louca, porque ela é muito parecida comigo fisicamente, e ela é muito parecida comigo no jeito também. Fico nervosa porque ela é muito parecida comigo hoje [risos]!

Estou sonhando faz tempo com uma peça de teatro na qual quero falar sobre maternidade, sobre a relação entre mães e filhas, que são muito complexas. Queria me aprofundar nesse tema. Acho que vai ser difícil fazer agora, obviamente pela pandemia, mas também porque 'O Topo da Montanha' faz tanto sentido para mim e para o Lázaro [Ramos], que conforme o mundo vai ficando pior, a peça fica mais relevante. E parece que não faz muito sentido deixar de apresentá-la.

Quando estou à frente de um projeto, o que me motiva normalmente são assuntos que me despertam interesse enquanto cidadã. Com 'O Topo da Montanha' foi assim. São assuntos que me movem e que me estimulam. O que me desperta o desejo de fazer [esses projetos] são as minhas dúvidas, a minha vontade de mergulhar em determinados assuntos, além de viver papéis e histórias diferentes do que naturalmente me ofereceriam.

Apesar de que hoje tenho uma carreira tão diversa, com tantas oportunidades, que não seria justo eu dizer isso."

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Casamento igual ao de todo o mundo

"Eu e Lázaro funcionamos como um casal absolutamente normal —o que não é normal talvez seja a vida pública, né? E por isso a gente faz tanta questão de manter a nossa vida íntima privada. A gente tem que preservar os nossos filhos, a gente tem que preservar a nossa relação. Falam: 'Ah, é o casamento perfeito de margarina'. Claro que não! É um casamento igual ao de todo o mundo.

A gente comunga muito em pensamentos, em ideologias. A gente comunga na educação dos nossos filhos. A gente pensa muito parecido mesmo, em muitas coisas. Temos personalidades completamente diferentes, mas gostamos das mesmas coisas.

Profissionalmente, a gente tem tido sorte! Mas já não teve, tá? Em 'Cobras e Lagartos' [Globo, 2006], por exemplo, era muito chato trabalhar com ele. Eu detestava! E eu tinha prometido para mim: 'Nunca mais eu trabalho com ele!'. Na sequência, a gente tinha engatilhado uma peça, 'O método Gronholm', que também foi horroroso fazer junto. Tanto que logo depois a gente se separou! Foi quando ficamos oito meses afastados.

De repente veio 'O Topo da Montanha', e a gente decidiu fazer. Veio também a proposta de 'Mister Brau' [série da Globo]. Eram 24 horas de convivência. A gente ia para a Globo, gravava, gravava, gravava, pegava avião e ia fazer teatro em São Paulo, com as crianças embaixo do braço. Foi isso durante três anos e deu muito certo. O trabalho junta muito a gente."

No meio da pandemia, quando estava desesperada, achava: 'Amor, não vai dar! Esse casamento vai acabar agora, nesta pandemia, com certeza!'. O que uniu a gente muito foi o trabalho, foi fazer 'Amor e Sorte' [série da Globo gravada remotamente]. Depois disso, parece que houve um encaixe.

Sobre as dificuldades dos meses de convivência em casa

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Um mundo bom para todos

"Acho importante ser referência, porque cresci carente de referências de mulheres negras. Tenho o maior orgulho de ocupar esse lugar! Para mim faz sentido me posicionar. Essa é a minha função enquanto artista: provocar reflexão. E, quando provoco, muitas vezes gero desconforto, né?

Meu trabalho de artista não faz sentido se não for assim. Vou lutar até o fim para que o mundo seja bom para todo o mundo. Utópico? É, mas sou artista. Quem tem de lidar com a utopia sou eu mesmo. Não é você que é jornalista e tem que lidar com a realidade [risos]. Essa é a minha função no mundo! Eu quero um mundo bom para todo o mundo e vou trabalhar até o meu último dia para que seja assim!

E aí vou enfrentar de tudo. Vou enfrentar quem acredita, quem não acredita, quem desmerece. Faz parte do jogo. A partir do momento em que entendi que a violência do outro diz muito mais sobre ele do que sobre mim, eu acalmei o meu coração. Não quer dizer que eu não me sinta ofendida, magoada, com medo. Só que quem pauta a minha vida sou eu e as minhas escolhas."

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Vida pós-pandemia

"Quando tudo isso acabar, eu quero perder o medo de ver as pessoas, de estar perto. Hoje, a pessoa chega perto de mim, eu vou para trás. É horrível isso! Eu quero apertar uma mão e depois não ter que passar álcool. Eu sou uma pessoa do afeto. Sou a pessoa que abraça, a pessoa que beija. Parece que a gente está sempre lidando com estranhos, que não pode tocar os outros.

Gentileza não faz parte do protocolo. Delicadeza, afeto, não estão no protocolo. E isso é dificílimo para mim.

Mas é como a gente está vivendo hoje. As mortes continuam, os números estão elevadíssimos, e a gente vai ter que reaprender a viver, reaprender a sair com segurança, se cuidando, se protegendo e protegendo o outro. A gente vai ter que viver aprendendo. É batalhar para vacinar todo mundo, e agir com responsabilidade na rua."

As Donas do Show

Esta reportagem faz parte de uma série de UOL Splash, com histórias de mulheres que não necessariamente são famosas ou estão em cima do palco, mas que se tornaram referências no universo da arte e do entretenimento.

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