O forró tá on

As transformações que fizeram o gênero voltar para o topo das paradas 20 anos depois

Breno Boechat (texto), Mathias Pape (arte) Colaboração para Splash, do Rio

Entre a gravação de um clipe e uma sessão de fotos, DJ Ivis comemora o sucesso.

Sem poder fazer shows por causa da pandemia, é no Instagram que ele vibra com os números de "Esquema Preferido" e outras quatro músicas que estão entre as mais ouvidas do Spotify no Brasil.

O músico se sente à vontade no "universo digital" e não está sozinho nessa. No streaming e nas redes sociais, o forró é o ritmo do momento, dominando rankings, "challenges" e dancinhas.

Hoje, a pisadinha, estilo de forró eletrônico em que a base é feita só com um teclado, é um grande celeiro de hits e artistas. Fenômenos como Barões da Pisadinha, Tarcísio do Acordeon, Zé Vaqueiro, o próprio Ivis e muitos outros emplacam sucessos sozinhos e em parcerias com nomes já consagrados, como Wesley Safadão e Xand Avião.

Não dá para nadar contra a maré nem ter medo do novo. O novo sempre vem.

A frase é de Xand, parceiro e empresário de Ivis, que, por sua vez, é diretor musical e produtor da banda do Comandante —apelido pelo qual o líder do Aviões é conhecido.

"Eu tento sempre não fazer parte da modinha, mas da nova geração, da nova tendência", descreve-se Ivis, que vê o boom do piseiro como uma oportunidade bem aproveitada:

Essa paralisação foi muito ruim para o mercado, mas as pessoas que tiveram a sacada de criar algo novo, encontraram uma porta aberta. Eu encontrei essa porta e fui para cima com unhas e dentes.

Mas o sucesso da pisadinha não veio do nada, explica o DJ. A renovação é constante no forró:

A gente já passou por várias mudanças em relação a ritmo, montagem de bandas, estilos de artistas, sonoridade. O que acontece hoje é que o forró mais uma vez rejuvenesceu.

Até voltar ao topo das paradas 20 anos depois do estouro do forró universitário de Falamansa e correlatos, um longo caminho foi percorrido. E Ivis estava lá no início da última revolução eletrônica do forró, há cerca de quatro anos, quando recebeu a missão de dar uma nova cara ao Aviões, após a saída de Solange Almeida.

A hora da virada

O fim da 'metaleira' e dos vocais no Aviões

Quando a Solange saiu do Aviões, eu fiquei só com o tecladista. Ela levou a banda inteira. Então eu chamei o Ivis e falei: 'Macho, a hora de arriscar é agora'.

Quem conta a história é o próprio Xand Avião, que hoje vê o resultado das mudanças:

"A gente começou do zero e inovou para dar mais respiro e suingue. Mudamos a pegada da banda e deu muito certo. Pode ter banda melhor, mas, com o suingue que a gente tem, impossível".

Mas quando Ivis tirou os metais e os backing vocals que eram tão característicos do Aviões, teve fã que não curtiu. Ele levou na boa:

É mais uma situação do novo chegando. O forró já existe há muito tempo e, desde o forró regional, passou por grandes mudanças. O forró eletrônico do Mastruz com Leite dos anos 1990 também sofreu críticas. Uns vão reconhecer e outros, não.

Com o álbum "Xperience", Xand e Ivis emplacaram "Inquilina" como o forró mais ouvido de 2017. "Fazia anos que uma banda de forró não estourava com triângulo e zabumba e a gente conseguiu", comemora o Comandante. Junto com a faixa que resgatava as raízes, a dupla já adiantava o que viria pela frente: um som cada vez mais eletrônico e misturado com outros gêneros musicais.

Mas sem deixar de ser forró.

Esse é um dos pontos que Ivis ressalta para diferenciar o sucesso recente do forró e o do sertanejo, que há mais de dez anos domina as listas das mais tocadas no país. O DJ, aliás, não gosta de comparar os dois estilos e as conquistas de cada gênero:

O forró sempre viveu por conta própria. O sertanejo existe com várias abas: já fizeram balada, pop, rock, axé, hoje é a bachata... Tudo isso eles denominam como 'sertanejo'. O forró não consegue se apropriar, porque já respira sozinho há muitos anos, tem seu estilo definido. O forró pode se misturar com qualquer coisa que não deixa de ser o que é.

'Nordeste, meu mundo'

Recentemente, era possível contar seis forrós entre as 15 faixas mais tocadas no Spotify Brasil.

O nordeste é um mundo separado, onde a gente pega um Wesley Safadão, um Xand Avião e eles fazem números que ninguém faz em lugar nenhum. O sertanejo tem vários eventos grandes, com um conglomerado de artistas. E quem eles também chamam para fazer parte desse casting? Os forrozeiros. O forró se encaixa muito bem, mas também vive por conta própria. Ele está dentro do nordeste e consegue respirar sozinho.

O esforço de Ivis é reconhecido por especialistas no tema. "Ele foi o cara por trás dessa nova estética e a gente vê, mais uma vez, o forró sendo aceito pelo que ele é", explica Darlison Azevedo, head de conteúdo do Sua Música —plataforma especializada em forró. Azevedo compara o forró com outro movimento nordestino, que se espalhou pelo país nos anos 1990: o manguebit.

O Brasil teve que aceitar o Chico Science do jeito que o Chico queria ser aceito. Ele não mudou nada para fazer sucesso no sul. Vejo isso no forró, que é sempre algo muito autêntico, em qualquer uma de suas eras.

No Sua Música —onde novos artistas como Tarcísio do Acordeon, Nattan e Vitor Fernandes ultrapassam marcas como 20 milhões de downloads em um mês—, a maior parte da audiência vem do nordeste, mas o público do sudeste (principalmente de São Paulo) também cresce.

"Ainda é muito forte no nordeste e a gente não trata isso como algo negativo. Aliás, um dos nossos objetivos é ficar cada vez mais forte no nordeste", explica Azevedo.

Unidos, venceremos

Quem abrir as listas de músicas mais tocadas vai se deparar com vários "feats" de forró. O podcaster Arlindo Orlando —que reúne mais de 86 mil inscritos no "Cunversa É Essa?"— aponta que a união dos forrozeiros é um fator-chave desse novo momento:

É Tarcísio gravando com Xand, que gravou com Barões, que juntou com Safadão. E chegam Zé Vaqueiro, Nattan, Vitor e todo mundo grava com todo mundo.

Mas não foi sempre assim. Xand e Safadão, por exemplo, são amigos e têm projetos juntos hoje em dia, mas já travaram uma ferrenha rivalidade na época de Garota Safada e Aviões do Forró. Era comum ver as duas bandas se bicando para ver qual era a maior da cena.

Você só podia gostar de um ou de outro.

Quem conta é Carlos CP22, que comanda um canal de fofocas do forró com mais de 120 mil inscritos (e sobre isso falaremos depois).

Em 2011, a treta ficou escancarada. Safadão despontava como a nova estrela do forró no comando do Garota Safada, enquanto o Aviões já era considerado a maior banda do segmento. Na época, Wesley e seu grupo investiram em garantir a exclusividade da canção "Minha Mulher Não Deixa Não".

A música já fazia parte do repertório do Aviões e foi motivo de uma longa troca de farpas entre os cantores. Xand chegou a abrir shows dizendo que "quem não sabe cantar assina cheque", em referência ao contrato assinado pelo então rival com os compositores.

Superada a rivalidade, eles agora somam forças. O projeto Tamo Junto —uma live estrelada pelos dois— surgiu como símbolo da "união nacional dos forrozeiros".

Quanto mais a gente se unir mais forte a gente vai ser. Não é nem só de fazer show junto, mas de dar força mesmo. Quando Wesley bateu primeiro lugar com 'Ele é Ele, Eu Sou Eu', mandei mensagem para ele. Ele ficou feliz pra caralho.

Xand Avião

A bandeira branca atraiu empresários —entre eles o próprio Xand— para a criação de um mega festival de forró, quando os shows voltarem:

Já pensou juntar Zé Vaqueiro com Safadão e colocar Tarcísio e eu no meio? Para quem é forrozeiro, esse seria o melhor evento do mundo.

O mundo digital do forró

Os números impressionantes dos forrozeiros não se restringem aos artistas. A popularidade do gênero ajudou a formar uma grande rede de produtores de conteúdo especializados, que atuam nas mais variadas plataformas.

O youtuber Carlos CP22 é um dos que souberam aproveitar esse hype. Há dois anos, ele transformou um canal dedicado à banda Calcinha Preta em uma das principais referências de notícias —e fofocas, claro— sobre o animado mundo do forró.

Se a rivalidade entre os artistas já não é mais uma pauta tão comum, o que não falta é notícia. Carlos, que deixou o trabalho de designer para cuidar do canal, diz que, com o sucesso do forró, não para de chegar informação em seu WhatsApp:

Depois que a gente chega a um determinado número de seguidores, muita gente começa a passar informação. Tem denúncia, babado... A gente ajuda a impulsionar o forró na internet.

Quem também se dedica a debater os assuntos mais quentes do forró é Arlindo Orlando, do podcast "Cunversa É Essa?", que tem feito sucesso com entrevistas com grandes nomes da cena. Depois de trabalhar por anos como saxofonista, ele viu no programa a chance de se reaproximar de uma paixão antiga:

Teve um momento em que eu perdi um pouco do gosto pelo forró, pela dificuldade de viver como músico. O podcast fez o forró entrar de novo na minha vida.

Juntam-se a Carlos e Arlindo influenciadores digitais que dialogam com o público forrozeiro, páginas de memes, canais de "react" e portais de notícias especializados. Tudo conectado e com o objetivo de tornar a cena cada vez mais relevante dentro do disputado espaço digital.

Tipo exportação

Cada vez mais unida e forte, a indústria do forró agora espera ansiosamente pelo controle da pandemia e pela volta dos shows.

Eu nunca tinha passado tanto tempo com a minha família. Acho que eu estava precisando disso também, mas já está bom. Preciso voltar a cantar logo.

Xand Avião

Enquanto esse dia não chega, nomes como Ivis agora miram exportar seus hits para outros países e ultrapassar a impressionante marca de sete milhões de ouvintes mensais no Spotify. E ele tem cada vez mais ferramentas para isso, já que é o mais recente contratado da Sony Music, gravadora líder do mercado fonográfico no Brasil.

Depois de entrar nas listas virais de países como Portugal, Paraguai, Bolívia e Uruguai, DJ Ivis já até adaptou seu bordão, "Eu ouvi 'Brasil'?", para uma nova escala de sucesso: "Eu ouvi 'mundo'?".

Apertem os cintos, que o forró tá chegando!

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