Poucas cantoras conseguiram se destacar na primeira era de ouro do pagode, durante os anos 1990. "Foi um período de muitas conquistas e de muitas batalhas", conta Adryana Ribeiro, líder do Adryana & A Rapaziada, único grupo comandado por uma cantora a fazer sucesso nacionalmente.

Adryana, que tinha referências como Leci Brandão e Eliana de Lima, olhava para o lado e via poucas cantoras na cena. "A gente tinha que mostrar ainda mais que era boa, que cantava mesmo", conta ela, hoje com 47 anos.

A sensação era parecida com algo que a própria Leci —que nessa época ajudou muitos grupos de pagode, como madrinha— viveu no início da carreira, na virada para os anos 1970. Mesmo no mundo do samba, onde muitas mulheres são reverenciadas, o caminho sempre foi mais difícil para elas.

Antes de se tornar a primeira mulher a entrar para a prestigiada Ala de Compositores da Mangueira, Leci teve que provar que era mesmo talentosa, além de escrever em uma carta os motivos pelos quais achava que merecia fazer parte do grupo. Com medo de cometer uma injustiça, ela não crava, mas afirma que não se lembra de ter visto compositores homens passarem pela mesma "fase de testes".

"Eu fiquei um ano fazendo sambas de terreiro e sendo avaliada, para só depois ser aceita. O pessoal gostou, e eu entrei para a ala no Carnaval de 1972", conta a cantora e deputada estadual em São Paulo pelo PCdoB.

Com Adryana, a avaliação veio em forma de "prova final". "Em 1999, eu só tinha mais um disco no contrato com a gravadora e precisava arriscar", lembra ela, que desistiu de tentar ser a "nova Clara Nunes" —como apostavam alguns executivos— para mergulhar no pagode.

"Eu tive que me reinventar, deixei o samba tradicional. E mudei o visual mais por uma questão pessoal do que profissional. Sonhei que estava loira e decidi transformar tudo", conta Adryana, que considera que a mistura entre ela —branca e loira— e "a rapaziada" — formada por quatro homens negros— ajudou a chamar a atenção de um público que só olhava para os conjuntos masculinos.

Mesmo com todas as dificuldades, os ventos parecem estar mudando. Norival Júnior, o "Orelhinha", radialista da Rádio FM O Dia, uma das principais do Rio de Janeiro, destaca o crescimento dessa nova geração de mulheres no pagode. E ele acredita que o público tenha sido muito importante nesse processo.

A rádio sempre foi importante para o pagode. De uns três anos para cá, venho sentindo que tem mais mulheres tocando. É claro que temos esse papel de divulgação, mas sinto que o público também está pedindo demais [as canções delas]. Existe essa questão de demanda.

Mas por que só agora?

O movimento das mulheres no pagode não surgiu do nada. Porém, boa parte das cantoras da nova geração aponta o fator medo como motivo para o femigode não deslanchar —como aconteceu, por exemplo, com o agora consagrado feminejo, que revelou nomes como Marília Mendonça e Maiara e Maraísa. Segundo as próprias artistas, muitas sentiam medo de cantar pagode nos bares da vida.

Nathália Geraldo, repórter de Universa e autora do trabalho de conclusão de curso na USP (Universidade de São Paulo) "Machismo e racismo na música: as mulheres negras no pagode dos anos 1990", acredita que o medo é justificado pela estrutura machista que ainda existe nesse mercado.

Essa falta de representatividade, inclusive no auge do pagode, tem muito a ver com o machismo, com o pacto que a indústria fez com os homens que já tinham um lugar cativo no gosto do público. Hoje, a pauta do feminismo tem mais espaço, principalmente na arte e na música. Como consequência, o mercado enxerga essa demanda. Creio que essa questão social e essa nova visão da indústria estejam conectadas.

A cantora Marvvila, um dos destaques da cena atual e que tem Ludmilla como madrinha, acredita que, por conta do histórico de grandes mulheres no samba, as portas para o ritmo já estavam mais abertas. Como isso não existia no pagode, havia o temor de ser pioneira e quebrar a cara.

Eu tinha muito medo. Recebia muitas mensagens de produtores e cantores elogiando a minha voz, mas eu achava que as pessoas não receberiam bem o meu trabalho. Não acreditava, mas eu tinha a minha verdade.

É bom destacar que, assim como no fenômeno do feminejo, o grande "start" do femigode partiu da composição. Mulheres que escreveram músicas que foram parar na boca do povo por meio de artistas homens, mas que agora decidiram tomar a frente dos palcos.

Com composições cantadas por artistas de destaque, como Ferrugem e Dilsinho, agora elas querem ser as protagonistas do próprio sucesso.

Diante de um cenário promissor, mas ainda longe do ideal, cantoras de pagode estão se organizando para que todas cresçam juntas e ocupem mais espaços na cena. Karinah, por exemplo, está trabalhando no desenvolvimento de um novo álbum que vai celebrar as mulheres do pagode e do samba.

Para o projeto, ainda sem título, a paranaense convocou várias cantoras que estão despontando na indústria, a fim de apresentar clássicos do pagode em vozes femininas. Marvvila, Jecy, Ana Clara e Juliana Diniz são algumas das confirmadas no trabalho, que vai contar com um registro audiovisual também.

"O mercado está pagando para ver uma nova geração de cantoras que vem com tudo. Serão 15 pagodeiras em cima do palco, cada uma com uma história muito linda e também dolorida, porque todas sofreram muito. E a gente quer que elas possam voar muito", explica Karinah, emocionada ao falar da reunião das pagodeiras.

Marvvila, por exemplo, conta que não tinha muitas referências femininas quando começou a cantar. Hoje, ela ainda se surpreende com o retorno do público.

"Eu até me assusto às vezes, porque muitas falam que não tinham coragem de cantar e que, quando me viram, se sentiram representadas", conta Marvvila.

Muitas mulheres, assim como eu, estão na luta. A gente precisa de mais referências femininas. No samba, temos muitas, mas no pagode elas ainda estão se fortalecendo.