A forasteira

Chloé Zhao chega ao Oscar como favorita com 'Nomadland' e se prepara para estrear 'Os Eternos', da Marvel

Beatriz Amendola De Splash, em São Paulo CHARLY TRIBALLEAU/AFP

Os últimos meses de Chloé Zhao, 39, foram "intensos", em suas próprias palavras. Pudera: ela estava focada em campanhas para as mais importantes premiações do cinema —incluindo o Oscar—, que têm recebido com entusiasmo seu novo filme, "Nomadland".

Já seria, por si, um trabalho pesado, que envolve muitas reuniões por Zoom e conversas com a imprensa, como a que ela teve com Splash. Mas a cineasta chinesa está tocando outro grande filme: "Os Eternos", blockbuster da Marvel estrelado por Angelina Jolie e Salma Hayek, atualmente em pós-produção.

Não que ela ache ruim:

É um bom exercício para entender que somos capazes de fazer tudo isso.

Para relaxar, ela tira meio dia por semana para cuidar de sua horta e de seu jardim: "É uma forma de me desligar de tudo"

Muito em breve, no entanto, ela poderá focar só em "Eternos". A temporada de premiações termina neste domingo, justamente com o Oscar, e Chloé concorre aos prêmios de melhor montagem, roteiro, filme e direção. Vencedora do prêmio do sindicato dos diretores e do BAFTA, ela chega a esta última categoria como favorita —e já fez história como a primeira mulher chinesa indicada a ela.

Sim, você ainda vai ouvir falar muito dela. Veja a seguir o papo com Splash:

CHARLY TRIBALLEAU/AFP

Da China às aulas com Spike Lee

Nascida e criada em Pequim, na China, Chloé deixou seu país cedo. Ela estudou em um internato inglês e se mudou para os Estados Unidos ainda adolescente, para concluir o ensino médio. No país, a cineasta se formou em ciência política antes de ir estudar cinema na prestigiosa NYU, a Universidade de Nova York.

Lá, ela teve como professor ninguém menos do que Spike Lee. "Ele é muito honesto, não fica enrolando", conta Zhao, que desenvolveu uma ótima relação profissional com o diretor de "Destacamento Blood": "Ele entende muito do sistema, e ele tem toda aquela personalidade, mas, no fundo, é um nerd, então é ótimo conversar com ele". O diretor, aliás, ajudou a financiar o primeiro filme da cineasta, "Songs My Brother Taught Me" (2015).

Mas se engana quem pensa que Chloé se afastou de suas origens por morar fora há tanto tempo:

Minha cultura e minha herança são superimportantes para mim, e acho que elas formaram muito de quem sou como contadora de histórias. Se você olhar bem, muitas das ideias filosóficas que exploro nos meus filmes estão profundamente ligadas a tradições asiáticas, e tradições com as quais eu cresci.

Pode parecer contraditório que Chloé fale de suas origens ao mesmo tempo em que tenha mergulhado fundo no interior dos Estados Unidos para contar suas histórias. Mas não é.

"Songs..." é sobre dois irmãos que moram em uma reserva indígena; "Domando o Destino" (2017) acompanha um caubói lesionado; e "Nomadland" (sobre o qual já vamos falar) conta a história de Fern (Frances McDormand), uma mulher que vive a bordo de sua van. Todos os protagonistas estão às margens da sociedade, um sentimento com o qual a cineasta consegue se identificar.

Sempre me senti um peixe fora d'água a minha vida toda, não importava onde eu fosse. Sempre reparo naquela pessoa sentada contra a parede em uma festa, é a primeira coisa que me desperta a curiosidade. Sempre fui assim, então foi muito natural para mim buscar as histórias de pessoas que vivem na contracultura ou numa comunidade periférica.

Divulgação Divulgação

'Nomadland' e a parceria com Frances McDormand

O nascimento de "Nomadland" se deve muito à parceria de Chloé com Frances McDormand, protagonista e também produtora do filme —que estreia por aqui em 29 de abril, apenas nos cinemas.

Frances tinha os direitos de adaptação do livro homônimo da jornalista americana Jessica Bruder, que investigava o fenômeno dos idosos que, afetados pela crise de 2008, resolveram adotar um estilo de vida nômade e viajar pelos EUA em busca de trabalhos temporários.

"Frances viu 'Domando o Destino' e somou 2+2", brinca a diretora. A entrevista aconteceu um dia depois do BAFTA, o Oscar britânico, e Chloé não escondia a animação pela vitória de Frances como melhor atriz:

Fiquei muito emocionada por ela. Se tivessem me filmado na hora, teriam me visto gritando e correndo na sala da minha casa.

E Frances, conta Chloé, se mostrou uma ótima parceira de produção. "Ela tem uma habilidade para realmente encontrar momentos e histórias interessantes. Ela estava lá para ser parte do cérebro, para ajudar a contar a história como um todo. É isso que a torna uma grande produtora, porque ela é curiosa".

Além de 'Nomadland', vale ver...

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'Songs My Brother Taught Me' (2015)

O primeiro filme da diretora é um drama sobre dois irmãos, Jashaun e John, que moram na reserva indígena de Pine Ridge, na Dakota do Sul. Disponível no MUBI.

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'Domando o Destino' (2017)

Esse filme sensível tem como protagonista Brady, astro do rodeio que vê seus dias de competição acabarem depois de sofrer um acidente. Disponível em plataformas de aluguel.

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A realidade na ficção

Uma marca interessante do trabalho de Chloé Zhao é que ele fica no limiar entre a realidade e a ficção. O caubói de "Domando o Destino", Brady, era realmente um caubói lesionado contando uma versão ficcional de sua história, e não um ator profissional.

O mesmo aconteceu em "Nomadland". Swankie, Linda May e o youtuber Bob Wells —pessoas que Fern encontra em sua jornada— são reais, e Chloé trabalhou com elas para conseguir criar personagens cativantes.

Para compor a história de Swankie, a personagem, a cineasta se inspirou em um vídeo antigo da Swankie da vida real, em que ela estava em um lago, vendo uma revoada de andorinhas. "E se a personagem fosse doente terminal e quisesse viajar? E isso também teria consequências emocionais para Fern. Tudo isso veio da semente daquele vídeo".

Você tem que buscar pistas sobre qual é a alma e a essência de seu filme, para a partir daí construí-lo.

Chloé Zhao

Inquieto em sua beleza

Trecho da crítica de Roberto Sadovski, colunista de Splash

"A trajetória de Fern, interpretada magnificamente por Frances McDormand, passa longe de fechar uma etapa em sua vida. Sob seu olhar, Zhao busca o registro de um paradoxo: a liberdade oferecida pela vastidão de uma América apresentada não só como espaço físico, mas também simbólico, saboreada por pessoas que ocupam, esquecidos e invisíveis, seus cantos menos festejados. Não é uma jornada, e sim um recorte.

O ponto de partida é o esfacelamento das raízes da própria Fern. Ela e o marido moravam em Empire, cidadezinha no estado de Nevada, quando ele morreu pouco antes de a fábrica em que ambos trabalhavam fechar as portas. Na crise do fim da primeira década do século 21, isso significou literalmente a extinção da cidade. A vida humana e sua história não têm nenhuma chance ante a devastação promovida pelo capitalismo".

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Alberto E. Rodriguez/Getty Images for Disney

E 'Os Eternos'?

"Os Eternos", um blockbuster de super-heróis, pode parecer bem diferente de tudo que Chloé já fez. Para ela, no entanto, não é bem assim: a cineasta viu nos personagens da Marvel a oportunidade de contar uma história íntima em escala épica, e faz uma comparação com "A Árvore da Vida", de Terrence Malick.

'A Árvore da Vida' é um filme sobre algo muito pessoal, a família, mas que mostra o que está acontecendo conosco como espécie. E 'Eternos' tem essa intimidade em escala, é uma história que se estende ao longo de 7 mil anos.

Chloé ainda diz que levou o filme de Malick como referência ao fazer sua proposta para a Disney —que o presidente da Marvel Studios, Kevin Feige, vale lembrar, já definiu como uma das melhores que já ouviu. "A história se presta à oportunidade de fazer certas coisas", acrescenta, mantendo o mistério sobre o longa, com estreia prevista para novembro.

Em um pequeno teaser do que esperar do filme, Chloé adiantou que ele terá uma mistura de gêneros:

Gosto quando as coisas se bagunçam um pouco e gêneros são subvertidos, então com certeza tentaremos isso.

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