Espartilhos e casarões

Visitamos o set de 'Bridgerton' na Inglaterra e te contamos o que é necessário para fazer uma série de época

Beatriz Amendola De Splash, em Bristol* LIAM DANIEL/NETFLIX

Você sabe que não é um dia normal de trabalho quando vai ao banheiro e dá de cara com duas garotas com penteados elaborados e vestidos longos que poderiam ter saído direto de um livro de Jane Austen.

E não era mesmo (pelo menos para mim).

Eu estava em Bristol, uma cidade inglesa que fica a mais ou menos 2h30 de Londres, de carro. Mais especificamente, estava em um casarão inglês daqueles que a gente vê em "Downton Abbey" ou "The Crown": pé direito altíssimo, salas amplas, janelas enormes e imponentes, e mais cômodos do que dava para contar.

Era o set de "Bridgerton", a série que estreou na última sexta-feira na Netflix e se passa no começo do século 19. A convite da plataforma, passei um dia lá acompanhando as gravações e conversando com o elenco e equipe. Foi uma oportunidade única de ver como funcionam os bastidores de uma produção do gênero —e, ainda por cima, uma que não sai do top 10 do serviço desde a estreia, no último dia 25.

Te conto aqui tudo o que descobri.

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As casas da riqueza

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A cena que acompanhei naquele dia chuvoso e frio é o sonho de qualquer pessoa fascinada por produções de época: um baile luxuoso, com decoração em tons de vermelho e dourado por toda a parte. Se você já assistiu, é o primeiro baile do terceiro episódio da série.

O evento é o pano de fundo para um diálogo rápido —mas muito divertido— entre os protagonistas Daphne (Phoebe Dyvenor) e Simon (Regé-Jean Page), que fingem estarem interessados um pelo outro para alcançar seus objetivos: ela quer atrair pretendentes para um bom casamento, e ele quer se livrar do assédio das mães que querem casar suas filhas com um duque.

Mas não era só na sala onde era filmada essa cena que havia gente trabalhando.

Outra sala na mesma propriedade já estava sendo preparada para um outro baile —esse decorado em tons mais claros, com flores brancas combinando com tons de azul e verde (dica: este também está no terceiro episódio, mais para o fim).

Foi um trabalho e tanto para o diretor de arte Will Hughes-Jones, que colocou a velocidade do trabalho como o maior desafio de "Bridgerton". "Arrumamos a locação em um ou dois dias, filmamos e vamos embora, tudo isso enquanto preparamos as próximas", contou.

No dia em que conversamos, em outubro do ano passado, fazia quase um mês que as gravações da série haviam começado e havia mais de 30 sets sendo construídos ao mesmo tempo, por mais de 70 funcionários.

Hughes-Jones, porém, já trabalhava desde fevereiro, e estimava que, durante toda a primeira temporada, seriam usadas mais de 200 locações.

Não é pouco, né?

Para ser honesto, nada nessa série foi fácil, mas é isso que a torna tão recompensadora. Ver tudo ganhar vida com esse elenco e equipe incríveis me deixa muito orgulhoso.

Chris Van Dusen, criador de "Bridgerton"

Looks de babar

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Outro departamento que também teve muito trabalho em "Bridgerton" foi o de figurino. Até o dia da nossa visita, eles já haviam montado algo entre três mil e quatro mil looks, que vestiram de figurantes a protagonistas —e ainda não estavam nem perto de acabar.

E foi tudo feito pela equipe da série. Literalmente tudo, como conta o figurinista John Glaser.

Tudo foi feito por nós, todas as roupas, os chapéus, os sapatos. Temos um time de joalheiros, três chapeleiros, quatro ateliês em Londres, um departamento de cores... e mandamos fazer tudo em lugares na Europa, em Nova York e Los Angeles.

Para montar os figurinos, Glaser se inspirou nas pinturas de 1812 e 1813, mas acrescentou referências dos anos 1960 e trouxe também um toque mais moderno nas cores das roupas.

As cores, aliás, são bem importantes nos figurinos da série: são elas que diferenciam a família Bridgerton, de Daphne e seus sete irmãos, da família vizinha, os Featheringtons.

"Chamamos os Bridgertons de família Tiffany, porque eles sempre usam tons de azul e têm muita classe. Quando eles saem de casa, eles estão lindos", explica Glaser. "Já os Featheringtons nós chamamos de família Versace, porque eles usam cores mais vibrantes".

Dá pra ver isso bem nessa cena que mostra as amigas Penelope Featherington e Eloise Bridgerton:

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Daphne, a rainha dos looks

Daphne é a personagem que tem, de longe, mais looks: no dia em que visitamos, ela já tinha 94 figurinos prontos, e outros tantos ainda a serem feitos. É bem mais do que a média de 40 a 50 looks dos outros personagens do elenco principal.

E sabe quais são os looks que mais dão trabalho? Se você respondeu "os vestidos de baile", acertou. "Eles são bordados a mão, então alguns dos vestidos de Daphne podem demorar até 16 dias para ficar prontos", conta Glaser.

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Reprodução/Instagram/@kimkardashian

Conexão com Kim Kardashian

Mas não dá para falar de uma série que se passa no século 19 sem falar dos espartilhos. Os de "Bridgerton" foram feitos por Mr. Pearl, o mesmo que fez aquele que deixou Kim Kardashian com uma cintura finíssima para o baile do Met de 2019 (esse da foto ao lado).

E não, não é fácil usá-los:

"Quando você coloca o espartilho, você não consegue colocar os seus sapatos, então outra pessoa precisa fazer isso por você", diz Nicola Coughlan, a Penelope.

Ruth Gemmel, que vive Lady Violet, a matriarca dos Bridgertons, até que gosta da peça, mas...

Eles são rígidos e estruturados, o que cai bem neste período que estamos retratando. Mas ficar com ele todo dia é complicado, às vezes você resolve que não vai almoçar [risos].

Lulus e regras de etiqueta

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Para as estrelas de "Bridgerton", estar em uma série de época tem seus próprios desafios além dos espartilhos apertados e das duas horas (em média!) que elas passam ajeitando cabelo e maquiagem antes de começar o dia.

Alguns deles são fofos (e latem)...

É o caso dos Lulus da Pomerânia da rainha Charlotte (Golda Rosheuvel, que aparece com um deles na foto acima). Eles são lindos, mas nem sempre bons companheiros de cena. "Quando eles ficam com calor, eles arfam muito alto, o que às vezes afeta o diálogo, então sempre fico nervoso quando gravamos com eles", conta Hugh Sachs, que vive Brimsley, o braço direito da monarca.

Mas há também uma parte do trabalho que começa bem antes do set: aprender a falar e se portar como alguém realmente do século 19.

"Tivemos que aprender como fazer uma cortesia, já que temos uma cena em que somos apresentadas à rainha. E tivemos que aprender tudo sobre os cartões de dança e as diferentes regras de etiquetas para cada baile e jantar", diz Nicola.

A produção contou com a ajuda das historiadoras Hanna Greig e Jane Karen, que atuaram como consultoras de etiqueta e de dialeto, respectivamente.

"Jane nos ajudou a traduzir os maneirismos e coloquialismos da vida moderna de forma que fizessem sentido no século 19", conta Jonathan Bailey, que interpreta Anthony, o mais velho entre os irmãos Bridgerton. "Eles têm todo um conjunto próprio de códigos, acenos e piscadas. É até difícil deixar isso no set quando vou para casa", brinca.

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E as cenas quentes?

Mas "Bridgerton" é bem mais sexy do que outras produções de época. E para deixar as cenas quentes ainda melhores, a produção usou um tipo de profissional que tem se tornado cada vez mais popular em Hollywood: o coach de intimidade.

A protagonista Phoebe Dyvenor aprovou:

Essas cenas íntimas são como cenas de ação. Nós ensaiamos bastante e literalmente coreografamos cada movimento. Então você sabe exatamente o que a outra pessoa vai fazer. Isso torna as cenas muito mais confortáveis e, espero, melhores, porque sabemos o que fica bonito em cena.

Agora que a série estreou, resta esperar a renovação —e aí o trabalho da equipe começa todo de novo.

Já estamos torcendo!

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