'Eu me posiciono'

Aline Midlej se destaca na GloboNews em meio a pandemia e fala sobre espaço na TV

Guilherme Lucio da Rocha De Splash, em São Paulo Divulgação

Negra, nordestina e mulher. Aline Midlej tem apenas 38 anos, mas já se tornou uma das jornalistas mais conhecidas na atualidade, um rosto familiar para todas as pessoas que acompanham o noticiário da GloboNews —com audiência elevada em tempos de pandemia.

Talvez chegar na principal emissora do país, comandar programas como o "Em Pauta" e se multiplicar em diversas atrações do canal, seja algo próximo do auge. Mas quem vê sua alegria e espontaneidade em frente às câmeras não pode fazer ideia da sua caminhada.

A bagagem de Aline não é pequena. Teve passagens por Band e Record. Encarou episódios de preconceito. Viveu situações muito difíceis, até momentos de guerras como no Congo quando fazia trabalho na África.

Aline nasceu no Maranhão, filha de um engenheiro e uma dona de casa. Se considera privilegiada apesar de ter de encarar racismo. E todo esse caminho resultou em um crescimento fora do comum em um momento de dificuldade do país.

Quando recebia elogios de outros colegas, isso me gerava até um certo desconforto.

Aline Midlej

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Sede de justiça

A carreira sólida no jornalismo não era o sonho de seu pai. Embora Aline, de certa forma, tenha conseguido com um microfone e uma câmera fazer uma espécie de justiça.

O desejo de seu pai era que ela vestisse a toga de juíza. Mas Aline decidiu trilhar carreira no jornalismo, sempre pensando em lutar por "justiça social" e "igualdade de direitos".

Na função de âncora do maior canal de notícias do país, ela deixa esses incômodos transparecerem para além dos gestos.

Acho que [jornalistas] têm que se posicionar diante de questões humanitárias, civilizatórias, que não estão dentro de nenhum espectro político ideológico, mas dentro de uma questão humana. A pandemia e a questão racial estão dentro disso.

Globo/Ramón Vasconcelos Globo/Ramón Vasconcelos

'Tenho origem nordestina'

Aline nasceu no Maranhão, mas mudou para São Paulo bem nova - com três anos de idade. O sobrenome vem do pai, Ronaldo, um baiano com ascendência libanesa.

Mulher negra, Aline reforça que teve uma vida com certos privilégios. Estudou em escolas particulares, teve acesso a outras línguas desde cedo e esteve inserida em bolhas. No entanto, isso não a fez escapar do racismo.

"Cresci numa condição abastada socialmente falando. Eu fui muitas vezes a única mulher negra na escola, no prédio, mas sempre tentei fazer disso uma força e tentar entender. Falar hoje está muito elaborado e claro. Mas eu sempre quis conhecer e entender outras bolhas, contar histórias dos diferentes."

Mesmo com o pouco tempo vivido em terras nordestinas, a jornalista destaca que sua ligação com o Maranhão é parte intrínseca de si. Ela diz que reforçar suas origens também ajuda a quebrar um preconceito que ainda existe com relação a profissionais de fora do eixo Sul-Sudeste.

Eu sempre tenho muito orgulho de falar que nasci no Maranhão, porque ainda existe um preconceito com o Nordeste, um estigma. Minha formação vem muito da cultura nordestina. Isso muda a maneira de olhar para o outro, de perceber o diferente, e tem muito a ver com minha origem regional.

Aline Midlej

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Âncora posicionada

A primeira passagem de Aline na TV Globo foi como estagiária de produção do programa "Globo Repórter", em 2005. Em 2016, ela voltou ao grupo, dessa vez como apresentadora da GloboNews, após passagens por TV Brasil, TV Record e Band.

A despeito da pandemia que já matou mais de 260 mil pessoas no Brasil, o ano de 2020 foi de conquistas profissionais para a jornalista. Titular do "Edição das 10h", que ganhou mais tempo e audiência, ela foi crescendo e se tornou uma das apresentadoras do "Em Pauta", programa de debates do canal, exibido de segunda a sexta-feira, entre 20h e 22h, faixa nobre da Globo News.

Ainda que eu saiba e tenha convicção da importância que o jornalismo passou a ter no meio de uma pandemia como essa, quando você associa isso a um crescimento profissional, ainda que faça sentido, que seja legítimo, durante muito tempo causava até um desconforto. Fiquei observando isso ao longo de 2020 e muito do que eu vivi e consegui galgar no ano passado. Ficamos muito companheiros das pessoas, a gente brinca que a GloboNews virou a novela dos brasileiros.

Mas por que Aline conseguiu destaque?

"Eu consegui consolidar um estilo de apresentação que já fazia na própria GloboNews, que é uma ancoragem pautada pelo envolvimento. Eu sinto a notícia e não explícito isso só com caras e bocas, eu me posiciono - o que é diferente de opinar. Acho que se posicionar é se colocar diante de questões humanitárias, civilizatórias. Acho que a pauta da pandemia e racial estão dentro dessa crise maior."

Globo / João Cotta

Fazendo história

Hoje, Aline fará história mais uma vez. Comandará ao lado de Ana Paula Araújo o "Em Pauta" especial em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Segundo ela adiantou para Splash, duas pautas que com certeza estarão nos debates: o impacto da pandemia do novo coronavírus na vida das brasileiras e a escalada da violência de gênero, principalmente em tempos de isolamento social.

Em 3 junho de 2020, o programa também recebeu uma edição especial, apenas com jornalistas negros. Estavam na bancada, além da própria Aline, Maria Júlia Coutinho, Flávia Oliveira, Lilian Ribeiro, Zileide Silva e o apresentador Heraldo Pereira.

Mas essa edição só aconteceu porque, um dia antes, a internet apontou um problema: composto apenas por jornalistas brancos, o "Em Pauta" debatia a questão racial em torno da morte de George Floyd.

O que a Globo fez naquele "Em Pauta" histórico foi marcar uma posição, reconhecer onde tem que avançar. A Globo fez uma reflexão junto com a audiência, de reconhecer o quanto é importante, diariamente, o avanço da pauta racial.

Aline Midlej

As referências de Aline Midlej

  • Neide Duarte

    "Eu me lembro que quando cheguei na Globo, em 2005, e ela entrou pra conversar com a chefia. Eu fiquei pálida. Ela sempre foi uma referência pra mim, com um jeito de interpelar o entrevistado, uma suavidade e uma força, um interesse pela cultura brasileira e pelas pessoas."

    Imagem: Divulgação
  • Gloria Maria

    "A Gloria, que é uma referencia duplamente, uma mulher negra, isso, mesmo que no campo do inconsciente, tem um peso muito grande. Ela também é uma grande contadora de histórias, sempre muito envolvida e envolvente, uma jornalista que só melhorou com tempo."

    Imagem: Globo/Estevam Avellar
Ramon Vasconcelos/Rede Globo Ramon Vasconcelos/Rede Globo

A vivência na África

Entre 2009 e 2010, Aline Midlej fez uma série de reportagens no continente africano para o programa "Revista Nova África", da TV Brasil. Ela também cobriu o terremoto de 2010 no Haiti.

Ela viajou por vários de países, fez entrevistas em outras línguas com personalidades importantes da política e da cultura dos países, como Wangari Maathai, a queniana que se tornou a primeira mulher africana a receber um Prêmio Nobel da Paz.

A África foi um marcador na minha carreira. Sempre me pergunto o que seria do meu caminho profissional sem isso. Esse trabalho me deu um repertório jornalístico que não sei quantos eu precisaria ter em São Paulo para ganhar o que aprendi no continente.

Num continente com mais de 50 países, a experiência da repórter foi a mais plural possível: mostrou a retomada econômica da África do Sul pós-apartheid, campos de refugiados e a violência constante das guerras no Congo, a diversidade cultural do Zimbábue. As matérias produzidas por Aline eram longas, com cerca de 20 ou 30 minutos, grandes entrevistas e cenários.

Mas a viagem também rendeu novos conceitos para sua vida pessoal.

A África mudou meu jeito de ver e sentir a história que quero contar. É óbvio que todo conhecimento, falo da minha própria origem, fortaleceu muito minha identidade. É difícil pensar como teria sido a minha vida sem essa oportunidade que tive de fazer esse programa para TV Brasil.

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