Ex-rei exilado da Espanha se sente abandonado pelo filho, mostra livro de memórias

Juan Carlos, que desempenhou um papel fundamental na transição da Espanha para a democracia após a morte do ditador Francisco Franco, disse que se arrepende amargamente de um caso com a socialite dinamarquesa-alemã Corinna zu Sayn-Wittgenstein-Sayn, dizendo que isso prejudicou sua reputação entre seus compatriotas, levou à sua queda e ao exílio autoimposto em Abu Dhabi.

"Dei liberdade ao povo espanhol ao estabelecer a democracia, mas nunca pude desfrutar dessa liberdade para mim", escreveu.

"Agora que meu filho me deu as costas por dever, agora que aqueles que se dizem meus amigos me deram as costas, percebo que nunca fui livre."

Juan Carlos disse que queria voltar à Espanha, desfrutar de uma aposentadoria tranquila e de um relacionamento harmonioso com Felipe, e ser enterrado com honras de Estado.

O livro de memórias de 512 páginas, escrito em colaboração com a jornalista e autora francesa Laurence Debray, é uma tentativa de recuperar seu legado após décadas de escândalos, disse Juan Carlos.

"Meu pai sempre me aconselhou a não escrever minhas memórias", disse. "Os segredos (dos reis) permanecem enterrados nas sombras de seus palácios. Por que estou desobedecendo a ele hoje? Sinto como se minha história estivesse sendo roubada de mim."

Nascido no exílio na Itália em 1938, durante a Guerra Civil Espanhola, ele foi separado de seus pais aos 10 anos de idade, depois de ser convocado para a Espanha por Franco, que o preparou para ser seu sucessor.

Juan Carlos disse que passou a admirar Franco, que governou a Espanha por 36 anos.

"Eu o respeitava enormemente, apreciava sua inteligência e senso político", escreveu Juan Carlos, que foi coroado rei dois dias após a morte de Franco, em 1975.

Ele também escreveu sobre a morte, em 1956, de seu irmão Alfonso, de 14 anos, em Portugal, enquanto os dois limpavam uma pistola -- a primeira vez, segundo ele, que falou sobre o episódio traumático.

"Perdi um amigo, um confidente. Ele deixou um enorme vazio", escreveu Juan Carlos. "Sem sua morte, minha vida teria sido menos sombria, menos infeliz."

Como rei, Juan Carlos implementou rapidamente reformas que levaram a eleições democráticas em 1977. Durante grande parte de seu reinado, ele foi uma figura popular devido ao papel que desempenhou na condução da transição da Espanha para a democracia.

No entanto, a opinião pública se voltou contra ele no auge da crise financeira da Espanha em 2012, quando muitos espanhóis perderam seus empregos, depois que surgiram detalhes de uma luxuosa viagem de caça a elefantes em Botsuana com Sayn-Wittgenstein-Sayn.

Ele abdicou em 2014 e se mudou para os Emirados Árabes Unidos em 2020. Felipe cancelou seu estipêndio quando se soube que ele era alvo de investigações de lavagem de dinheiro na Espanha e na Suíça. Os dois casos acabaram sendo arquivados.

"Sou acusado de inúmeros delitos, de ter me enriquecido por meio de supostas comissões, sem qualquer prova ou base", escreveu.

Ele disse ainda que as relações extraconjugais atribuídas a ele pela mídia, incluindo um suposto encontro com a falecida princesa Diana, eram "em sua maioria totalmente fictícias".

O ex-monarca achava Diana "fria, taciturna, distante, exceto na presença dos paparazzi", escreveu.

"Reconciliação" foi publicado na França nesta quarta-feira pela Editions Stock e será publicado na Espanha em 3 de dezembro pela Planeta.

(Reportagem de Lewis Macdonald, Aislinn Laing e Charlie Devereux, reportagem adicional de Inti Landauro)