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Ricardo Feltrin

OPINIÃO

Análise: Aposta em novelas bíblicas deixa Record numa "sinuca de bico"

9.nov.2015 - Moisés (Guilherme Winter) abre o mar vermelho em cena de "Dez Mandamentos" - Divulgação/Record
9.nov.2015 - Moisés (Guilherme Winter) abre o mar vermelho em cena de "Dez Mandamentos" Imagem: Divulgação/Record

RICARDO FELTRIN

Colunista do UOL

09/08/2022 00h09

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Resumo da notícia

  • Há 7 anos a Record fez uma aposta nas novelas bíblicas
  • Ideologia da Universal, porém, limitou opções de tramas
  • Hoje a emissora se vê encurralada por falta de público

A Record está com um problemão para resolver no horário nobre, o mais importante para a TV aberta. O problema se chama "novelas bíblicas" (ou séries).

Em 2015 a Record decidiu fazer uma grande aposta nesse ramo inexplorado da dramaturgia brasileira. Começou com "Os Dez Mandamentos" e já se deu bem.

Guardadas as proporções de audiência da Record, a novela estrelada por Moisés rendeu média de 16,3 pontos. Um fenômeno.

No capítulo da travessia do Mar Vermelho, por exemplo, chegou a impressionantes 28 pontos na Grande São Paulo (hoje cada ponto são 78 mil domicílios na região).

As tramas religiosas seguintes também foram muito bem. Para se ter ideia, a reprise de "Terra Prometida" (2019) dava mais de 11 pontos de média.

Fonte secou

A partir de "Jezebel" (2019) a coisa começou a degringolar. A trama mal passava dos 7 pontos.

Atualmente em cartaz, "Reis" muito raramente chega aos 5 pontos.

Sob o domínio de Cristiane Cardoso, filha de Edir Macedo, a emissora da Barra Funda tentou manter a aposta, ao tentar trazer o proselitismo cristão (do Velho Testamento, diga-se) para os dias atuais com "Todas as Garotas em Mim".

Foi um fiasco. A novelinha adolescente afundou a Record a um tal ponto que o SBT voltou a encostar na vice-líder em ibope em horário nobre, após anos.

Chegou a dar 3 pontos de média, um quinto do que a primeira novela bíblica.

Para se pensar

Bom, mas por que isso aconteceu? Como esse estilo foi do sucesso ao fracasso em sete anos?

São alguns motivos:

A Record jogou praticamente todas as suas fichas no Velho Testamento. Mesmo o que houve baseado no Novo Testamento ("Jesus") foi submetido ao crivo da filha do líder da Universal e à liturgia da igreja.

Depois de Adão, Moisés e o apóstolo João há poucos personagens icônicos suficientes para virar grandes histórias. Para reduzir ainda mais as opções, a Record ignora histórias de santos —mesmo sendo fantásticas— ou da Virgem Maria, por exemplo.

Ainda há alguns profetas e os apóstolos, mas há poucas informações de fato sobre a vida pregressa de cada um deles. Uma novela sobre Judas? Maria Madalena? São João Batista? Complicado.

A menos que inventem a própria "narrativa" neopentecostal sobre esses personagens.

Sinuca de bico

Após sete anos, a aposta da Record da dramaturgia religiosa a colocou em uma sinuca. Como sair dela?

Dobrar a aposta na Bíblia?

Difícil, como mostram os argumentos acima.

Voltar ao passado?

Vejo poucas chances de sucesso. Voltar a investir em novelas laicas parece algo hoje distante da emissora.

Além disso, há pouquíssimos autores talentosos no mercado. Uma possibilidade seriam os "remakes", mas o leque de opções é pequeno.

Substituir as novelas por outro conteúdo?

Pode até ser, mas vão colocar o que no lugar? Filmes? Reality shows? Improvável que dê certo.

Conclusão

O problema é que a própria Record, dominada inteiramente por uma ideologia (religiosa), criou seus limites (proselitistas) na dramaturgia.

Caberá à emissora encontrar uma saída para a teia em que se enredou.

Caso contrário, daqui em diante, será um Deus nos acuda (com trocadilho, gente).

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