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Ricardo Feltrin

REPORTAGEM

Análise: Igreja Universal enfrenta maior crise desde sua fundação

Colunista do UOL

19/02/2022 00h09

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Desde que surgiu no Rio, em 1977, a Igreja Universal do Reino de Deus, então fundada por Edir Macedo e seu cunhado R.R. Soares, nunca mais saiu dos noticiários.

Desde então, e certamente devido a sua profissão de fé neopentecostal e da defesa da polêmica teologia (ou teoria) da prosperidade, a instituição atraiu para si a atenção e a desconfiança de boa parte da população.

Atraiu também a atenção da mídia, e de autoridades, como o Ministério Público.

A prisão

O auge dessa desconfiança e impopularidade ocorreu em 92, com a prisão de Macedo, o líder máximo da Igreja. Ele foi acusado de charlatanismo.

Como era previsível diante de uma acusação tão frágil e sem provas, acabou inocentado.

Mas, o pior mesmo, foi que Macedo e a Universal atraíram demais a atenção da TV Globo.

Em 1995 a emissora exibiu no "Jornal Nacional" um vídeo em que Macedo "ensinava" como pastores e bispos deveriam agir para conseguir dinheiro dos fiéis. Foi um escândalo nacional.

Depois de alguns dias de ira generalizada contra a Igreja e seus membros, o caso perdeu força e nenhum crime foi ali comprovado também.

Alvo do Leão

Veio então a Receita Federal, que passou a investigar declarações de I.R. não só de Macedo, mas de toda a cúpula da Igreja, além de pastores e alguns fiéis.

Provocado, o Ministério Público Federal começou a fazer investigações para saber se havia ilegalidade na compra da Record por Edir Macedo, em 1989. Vejam só: uma "investigação" feita apenas quase 20 anos depois do fato!

Até o momento da publicação deste texto, nada foi encontrado contra ninguém da instituição.

Ou seja, independentemente do clamor popular e midiático, a verdade é que nada nunca foi definitivamente comprovado nem contra Macedo, nem contra a Universal no Brasil.

Os órfãos

Houve ainda outra denúncia que causou furor: em 2017, uma TV portuguesa começou a exibir uma série de reportagens nas quais acusava a igreja de "tráfico de crianças".

Muitos pastores e bispos, além do próprio Edir Macedo, adotaram crianças ao longo dos anos. Um dos motivos para isso é a orientação para que façam vasectomia e não tenham filhos (você não entendeu, é confuso mesmo).

A Universal negou qualquer ilegalidade nas adoções de crianças portuguesas órfãs, e o caso arrefeceu.

Já no caso mais recente, ainda esta semana, ONGs brasileiras decidiram se unir e acionar o Ministério Público Federal, pois a Universal divulgou em redes sociais que um casal de fiéis se curou do HIV "através da fé".

Como podem notar, a igreja de Macedo atrai a atenção da mídia, mas parece que pede por isso.

Livres para doar

O Brasil garante liberdade religiosa. Se uma pessoa de livre e espontânea vontade acredita que, se pagar um dízimo, um carnê, ou se doar dinheiro na noite da "Fogueira Santa", vai ter prosperidade na vida, isso é problema dela.

Se ela acredita no pastor ou bispo ou apóstolo que lhe pedem dinheiro, é seu integral direito.

"Ah, mas eles estão enganando os pobres". Pode ser, mas isso não é da minha, da sua ou da conta de ninguém. Trata-se de uma questão de fé íntima e inviolável. Está na Constituição. Ponto.

"Ah, mas eles lavam o dinheiro dos dízimos". Bom, até hoje no Brasil nenhuma autoridade conseguiu documentar e provar isso. Você tem provas? Entregue-as às autoridades.

Porém, em Angola a coisa é outra

Apesar de tudo, todos esses fatos negativos, quando olhados hoje à distância, não se comparam com o que está ocorrendo com a igreja de Edir Macedo em Angola neste momento.

As autoridades daquele país, com a ajuda de colaboradores e fiéis da própria igreja, dizem ter descoberto um suposto esquema de '"lavagem" de dinheiro e evasão de divisas daquele país.

A estimativa é a de que seriam tirados de Angola, de forma ilegal —por pastores e bispos—, ao menos US$ 10 milhões mensais (R$ 50 milhões).

Os líderes brasileiros locais da Universal também foram acusados de menosprezar os fiéis angolanos e de, na hora de decidir por "promoções" de cargo e de poder, darem preferência sempre a outros brasileiros.

Até a RecordTV acabou entrando na roda e teve sua licença cassada naquele país. Fechou as portas. As autoridades também fecharam vários templos e iniciaram um processo judicial.

Esse julgamento só deve terminar no próximo dia 10, quando um juiz angolano dará a sentença a quatro líderes da Igreja que estão no banco dos réus.

Na prática, porém, nada acontecerá com eles: todos já deixaram o país africano. Um deles é Honorilton Gonçalves, ex-vice-presidente artístico da RecordTV.

A Universal promete recorrer a instâncias superiores, mas sabe que a chance de reverter a situação atual será muito difícil —quiçá, impossível.

O pior momento em 45 anos

Vendo agora de longe todas as crises e percalços que enfrentou, a crise de Angola é certamente o momento mais delicado da igreja desde sua fundação.

Dessa vez ela foi atingida não só em sua honra, mas também em seus cofres e na própria soberania da instituição.

O caso é confuso e paradoxal: a Universal segue existindo em Angola, mas não pertence mais à instituição da qual nasceu.

É como uma "sucursal" que se rebelou, ou um navio de uma frota que se amotina e passa a agir de forma independente.

E tudo isso com aval da Justiça local. A igreja afirmou a esta coluna que vai recorrer, e que é vítima de preconceito e "xenofobia" por parte dos angolanos.

Mas, as coisas ainda podem piorar: a "rebelião" de fiéis em Angola tem sido vista cada vez com mais interesse por outros países africanos nos quais a Universal está.

O maior risco de todos, na verdade, é se Angola tiver sido apenas a primeira peça do dominó a cair.

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