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Ricardo Feltrin

REPORTAGEM

Análise: Streaming e novos hábitos fazem TV aberta derreter no ibope

Colunista do UOL

05/11/2021 04h23

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A coluna de ontem informou com exclusividade que outubro foi um mês que Globo e SBT deveriam esquecer.

Foi a pior média mensal de audiência de duas das maiores TVs comerciais do país. Band e RedeTV também amargaram péssimos resultados.

Só a Record pode comemorar um crescimento de 5%, graças ao reality "A Fazenda" e o crescimento de público da novela "Gênesis".

Só no período que vai desde o começo da pandemia até outubro, a Globo perdeu 1 em cada 5 telespectadores (perdeu "share").

TV aberta definha

Mas, por que isso está acontecendo?

Bem, já tratamos disso outras vezes, mas não custa repetir: obviamente um dos fatores se chama "streaming" e a coluna tem números para provar.

Segundo a medição da Kantar Ibope. no mês passado praticamente um quinto dos aparelhos de TV ligados no Brasil passaram 24 horas (o mês todo) consumindo algum tipo de vídeo: seja na Netflix, no YouTube, no Disney+, no XVideos ou quaisquer outras plataformas.

Segundo os dados da Kantar, esse segmento —que é chamado de "streaming ou conteúdo sem referência"— representou 18,3% do "share" da TV brasileira.

Ou seja, quase um em cada 5 aparelhos (ou telespectadores) ligados estavam consumindo vídeos que não os da TV aberta e nem dos canais da TV paga (que foram responsáveis por outros 11,7% de "share" no mês): séries, filmes, brincadeiras, youtubers, pornstars etc.

Novos tempos

O ponto central é que 5 anos atrás esse "share" de 18,3% obtido pelos tais "vídeos sem referência" simplesmente não existia. E isso não brotou do chão, do nada.

Brotou dentro do público de seres viventes que assistiam TV aberta ou TV paga.

Então, o streaming (e os vídeos) surgiram com força total e abocanharam público dessas duas outras "plataformas": de um lado a TV paga está vendo sua base de assinantes evaporar mês a mês;, de outro lado, a TV aberta vendo o público passar mais tempo na internet do que no "Programa Silvio Santos", por exemplo.

Então temos ao mesmo tempo dois fenômenos "conjuntos": o surgimento de um novo tipo de mídia que "sufoca" a velha TV (gratuita ou paga), e uma mudança de hábito do telespectador em geral.

Acabou o horário da novela

Se no passado não muito distante a família se reunia todas as noites para assistir ao "JN" e depois à novela, esse hábito já está se extinguindo.

A dona de casa até pode continuar vendo sua novela na TV da sala, mas seu marido talvez prefira ficar a seu lado vendo pegadinhas no YouTube no celular; um de seus filhos estará em outro quarto assistindo "Peaky Blinders" (intercalando com outra tela em que ele está vendo escondido conteúdo do "XVideos").

Já sua filha mais velha, quem sabe, está na cozinha assistindo aos vídeos desta coluna no canal do UOL no YouTube.

Mesmo a dona de casa sabe que, se por um azar do destino, não conseguir assistir ao capítulo de "Império" às 20h30, ela pode ver mais tarde no Globoplay.

E há um terceiro agravante chamado "pandemia", que obrigou as Tvs abertas a pararem suas gravações e exibições de programa ao vivo. O excesso de "repetecos" certamente afugentou mais uma leva de telespectadores. Especialmente no SBT, segundo os dados da Kantar.

Jornalismo em baixa

Aqui vale mais um adendo: o jornalismo da Globo de forma geral —e principalmente o "JN"— está perdendo público dia após dia.

Se no passado bem distante o "JN" dava 40, até 50 pontos de audiência, hoje quando ele passa de 26 pontos já é motivo de alegria na redação.

O pior que podia acontecer à TV brasileira não foi só o surgimento de um concorrente pesado chamado Netflix: foi a mudança de comportamento de uma parte do telespectador-consumidor.

Ele não se vê mais obrigado a esperar pacientemente a nova programação da Globo somente um vez por ano, em março.

Ele tem o mundo em suas mãos, na ponta dos dedos. Tudo que ele precisa apenas é ter banda larga, um bom celular ou um laptop.

Mas, não podemos esquecer que, mesmo que seja grande, esse universo de consumidores ainda está longe de ser maioria esmagadora da população.

Isso porque, vamos relembrar, o Brasil continua com 80 milhões de pessoas que não têm acesso à internet por banda larga.

Para estes milhões de pessoas, Globo e SBT (e RecordTV, Band etc.) ainda continuarão relevantes por muuuuito tempo.

Lembre-se disso da próxima vez que disser, de dentro de sua bolha de streaming, que "ninguém mais vê TV aberta no Brasil".

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