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Ricardo Feltrin

Análise: Os desafios (e riscos) das 5 TVs abertas este ano

Logotipo da TV Globo - Divulgação
Logotipo da TV Globo Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

01/01/2020 06h30

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Resumo da notícia

  • TVs abertas entram em 2020 perdendo ibope
  • Queda na publicidade e dívidas são maiores problemas
  • Só a Globo investe pesado em streaming
  • RedeTV e Band estão nas piores situações

Esta primeira coluna de 2020 traz uma breve análise sobre a situação atual das cinco principais emissoras de TV abertas do país.

O ano passado foi definitivamente um dos piores da história da TV brasileira. Não só no nível do conteúdo exibido, mas principalmente pelo encolhimento, pela queda de ibope, pelas demissões em massa, cortes de equipes e também muitos erros crassos (ou mau gosto) em programação.

Quase sem exceção, todas as TVs deverão apresentar queda nas receitas publicitárias (principalmente as federais) em 2019.

Mas, a situação é pior para algumas emissoras. Band e RedeTV, especificamente, estão presas a um enorme círculo vicioso. Vejamos o círculo:

> sem dinheiro para investir em conteúdo elas apelam para fórmulas ou programas de baixo custo (e qualidade) ou então vendem espaço na grade para terceiros
>> com programas ruins ou grade alugada o ibope cai ainda mais
>>> sem ibope a publicidade entra menos ainda nos cofres
>>>> sem dinheiro de publicidade não há como investir em novos programas.

Vamos analisar da pior situação para a melhor (repetindo, tudo opinião do colunista).:

RedeTV

Do ponto de vista de audiência é a emissora em pior situação. Economicamente só não está pior que a Band. Aos 20 anos de idade a RedeTV ainda mal consegue sair do meio ponto de ibope no Painel Nacional de Televisão (PNT).

Tem um jornalismo competente (melhor que o do SBT, por exemplo), mas a grade é toda fraturada por igrejas e programas caça-níqueis ou fraquíssimos, que beiram o traço de ibope.

Em 2019 tentou fazer um corte de despesas heterodoxo nos salários dos jornalistas contratados em carteira, e que quase acabou em greve.

Resultado? Como não tem verba para um programa de demissões vai acabar demitindo os terceirizados e "pejotizados", diminuindo ainda mais o pouco que resta em qualidade.

Por fim há uma "Encrenca" à vista: a equipe do humorístico dominical que mais rende audiência e dinheiro para a emissora de Osasco está sendo assediada pela concorrência.

Diagnóstico da saúde em 2020: Muito grave.

Band

Emissora teve um respiro no ano passado ao se acertar com a Globo a respeito de uma dívida de dezenas de milhões de reais (de contratos antigos de futebol etc). Só que ainda há outras dívidas muito maiores em aberto.

No passado o grupo Band chegou a vender ativos (como antenas de transmissão) e em 2019 fez demissões em massa —incluindo funcionários graduados e históricos na casa.

No entanto a situação ainda está longe de ser nem sequer "razoável". Para piorar tudo perdeu no ano passado sua maior estrela e grife, Ricardo Boechat.

Basicamente, hoje quem carrega o piano da Band nas costas é seu departamento de Jornalismo (mesmo sem Boechat ainda é um dos melhores do país) e José Luiz Datena.

Só que Datena está cansado, descontente e vem sendo sondado não só por outras TVs como também por partidos políticos.

Sua equipe está absolutamente sobrecarregada de trabalho —lembrando que são jornalistas com salários modestos, e não os confortáveis seis dígitos do âncora.

Assim como a RedeTV a Band também tem a programação toda fissurada por igrejas, pastores e programas caça-níqueis que afundam sua audiência ao longo do dia e da noite.

Também já parece ter sugado até o tutano do osso do "Masterchef", tal a quantidade de versões e exibições. A audiência do reality afunda a cada nova edição.

Por fim há esse problema familiar eterno entre a família Saad e agregados, que deixa tudo mais caótico e inseguro para os funcionários e a própria empresa.

Em termos de ibope a Band é outra emissora congelada no tempo e que mal passa de 1,5 ponto de audiência há anos.

Diagnóstico da saúde em 2020: Muito grave

Record

Aqui está o caso mais sui generis da TV brasileira.

A Record é uma emissora equipada com a última palavra em equipamentos, tecnologia, quadro de funcionários enxuto, competente. Enfim, do ponto de vista da gestão é uma empresa excelente.

Além disso é uma TV que ano após ano, acertando ou errando, vem lançando novos programas, formatos, algumas novelas, investe em contratações, exibe bons filmes. Também é a única, além da Globo, que está fazendo investimentos em streaming, com o Play Plus.

E, vejam só, MESMO assim a Record está no ibope atrás do SBT e sua programação "mexicano-vegetativa".

Esta coluna já analisou este fenômeno recentemente e a resposta parece ser simples: a Record, em todos os seus cantos, está "contaminada" pela religião e especificamente pela ideologia da Igreja Universal.

Curiosamente, a igreja que paga centenas de milhões de reais por algumas horas nas madrugadas, deixando a emissora numa situação financeira confortável, é a mesma que derruba seu ibope quase ao traço e que tira sua credibilidade.

A igreja ou gente da igreja interfere costumeiramente no jornalismo da casa, e induz à elaboração de pautas sem qualquer distanciamento e credibilidade; muitas vezes obriga o jornalismo a perseguir os "inimigos" (muitos imaginários) da igreja.

É gente da igreja que também força telejornais da casa a anunciar repetidamente os "recordes" de público do último filme sobre a vida do bispo Macedo.

(apenas parem com isso: até as pipoqueiras dos cinemas sabem que ninguém foi ver o filme e que só os ingressos foram vendidos a rodo nas igrejas. Eu fui a várias sessões e fotografei as salas vazias. Mentir é pecado e feio).

Convenhamos, tudo isso somado não parece ser muito atraente ao mundo publicitário e aos anunciantes.

A verdade é que, a despeito de ter muito mais verba e braços, o departamento de Jornalismo da Record não chega aos pés do da Band, por exemplo.

Só não dá para dizer que é pior que o do SBT porque lá no complexo Anhanguera Silvio Santos já matou e enterrou o jornalismo há anos.

E ainda assim a Record termina 2019 como terceiro no ibope.

Programas como "Hora do Faro" já não causam mais aquele frenesi do passado. Xuxa parece já ter chegado ao seu limite midiático. "A Fazenda" segue perdendo telespectadores e interesse. E para piorar tudo a Record ainda perdeu seu rosto mais carismático no fim do ano: Gugu Liberato

Diagnóstico da saúde em 2020: Preocupante, mas com muito dinheiro e sem dívidas

SBT

Eis outro caso "raro" e que merece estudo profundo no mundo da comunicação brasileira.

Seu maior acionista é também seu principal apresentador, e responsável por uma das maiores audiências da sua própria casa.

Não bastasse isso, o grupo econômico que ele comanda banca, no mínimo, um quarto do R$ 1 bilhão que a emissora fatura anualmente. Ou seja, tira de um bolso e põe no outro.

Grosso modo, guardadas as devidas proporções financeiras, "ideológicas" e de finalidade, a Jequiti está para o SBT como a Universal está para a Record.

O problema é que, ao contrário da Record, o SBT não investe em praticamente mais nada. Não há novidades, novos programas, formatos, estrelas, contratações, nadica de nada.

Maisa Silva foi a exceção de 2019 como bom conteúdo, mas não pode fazer grande coisa sozinha. No entanto, o SBT continua à frente da Record no ibope. Por quê?

Porque no fundo a grade do SBT ainda tem programas e apresentadores com público fiel: Ratinho, Eliana, Portiolli, os desenhos, até mesmo as sofríveis novelas mexicanas, todos têm telespectadores leais.

Mesmo assim é visível e palpável que o SBT é hoje uma emissora estagnada e com zero criatividade. Silvio deu vários "chutes" em 2019 e errou todos. Na frente e atrás das câmeras, aliás.

Se por um lado ele ainda é o espírito e a força motriz do SBT, por outro é também o próprio freio de mão puxado.

O SBT, tudo indica, ainda está solvente, mas o Grupo Silvio Santos como um todo tem dificuldades, e uma delas é a deficitária Jequiti Cosméticos.

Mas, a emissora ainda tem alternativas: novas parcerias possíveis (Disney? Telemundo? Warner?), novos produtos e, principalmente, algo inestimável e raro: a fidelidade (em alguns casos, fanatismo) de seu público.

Silvio na verdade deveria agradecer ao bispo Macedo: é por causa do bispo que o SBT está (ainda) na vice-liderança de ibope no país. Mas, lembremos, essa a vantagem é ínfima.

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Globo

Pronto, chegamos à última e maior das emissoras abertas. E ela também está em dificuldades financeiras, mas são de outro nível.

Seu ibope tem caído nos últimos anos, as receitas publicitárias também tiveram alguma queda, mas a gestão é tão correta e profissional que mesmo assim ela obtém lucro.

Os detratores podem xingar a Globo, mas ela tem o que se chama "excelência" em termos de planejamento e execução de projetos. Alguns programas não dão certo? Verdade. Ela comete erros? Claro.

Mas, no fritar dos ovos, a Globo ainda é a única emissora com os olhos e os cofres voltados para o futuro. A única que está investindo pesadamente em streaming e é de longe a maior produtora de conteúdo do país.

Essa questão do streaming é fundamental porque, com exceção da Record, todas as outras TVs abertas estão dormindo sobre o assunto.

Talvez acreditem que a mídia como é hoje não vai mudar nos próximos 20 anos. Correm o risco de errar e morrer miseravelmente.

A Globo está em crise, sim, como quase todas as empresas de comunicação. Está fazendo pesados cortes, entra em 2020 já com uma ameaça de protesto em, sua sede em São Paulo; perdeu estrelas para novas concorrentes, como a CNN Brasil.

A situação financeira parece ainda mais grave em algumas de suas afiliadas, como as da Amazônia, da Bahia e do Rio Grande do Norte, entre outras.

Esse problema (afiliadas) provavelmente vai ser um dos maiores que o Grupo Globo irá enfrentar em 2020. Porque pode ser a afiliadinha modesta no interior do Pará, mas ainda assim é o nome da Globo que está em jogo.

Em Alagoas, por exemplo, a equipe da Gazeta (afiliada da Globo no Estado) chegou a pedir a intervenção do Grupo Globo no jornalismo local.

Por outro lado, a sede do Grupo Globo no rio está cumprindo passo a passo um plano que já estava previsto anos atrás.

Não só um plano de cortes, mas também de investimentos, como as dezenas de milhões de dólares que têm sido gastos em novas plataformas (como o Globoplay), estúdios, conteúdos e licenciamentos.

Em 2020, sob a ótica apenas da TV aberta, a Globo deverá ficar menor. Mas, continuará crescendo e se espalhando pela internet e por todas as plataformas possíveis; e por meio de conteúdo licenciado a outros países, além do cinema.

A despeito de toda a crise da TV aberta ainda vale registrar: a Globo sozinha tem mais ibope e share (participação em TVs ligadas) do que as outras quatro concorrentes somadas. Vai ser difícil tirar essa diferença só com hashtags ofensivas em redes sociais.

Estado de saúde em 2020: Estável e com boa possibilidade de melhora

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