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O adeus à escritora Lya Luft, que se dedicou a destrinchar relações humanas

Lya Luft (à esq, em entrevista com Roseann Keneddy em 2017) escreveu sobre o cotidiano, a existência e as relações humanas - GUSTAVO ROTH/FUNDAÇÃO PIRATINI - VIA AG BRASIL
Lya Luft (à esq, em entrevista com Roseann Keneddy em 2017) escreveu sobre o cotidiano, a existência e as relações humanas Imagem: GUSTAVO ROTH/FUNDAÇÃO PIRATINI - VIA AG BRASIL

30/12/2021 14h25Atualizada em 30/12/2021 14h51

"Por isso escrevo e escreverei: para instigar meu leitor imaginário - substituto dos amigos imaginários da infância? - a buscar em si e compartir comigo tantas inquietações quanto ao que estamos fazendo com o tempo que nos é dado", diz a contracapa de Perdas & ganhos, um dos livros mais famosos de Lya Luft.

A escritora gaúcha, um dos principais nomes da literatura brasileira, morreu hoje, aos 83 anos, vítima de um melanoma, contou sua filha Suzana Luft à imprensa.

"Uma pessoa iluminada, feliz, alegre, apaixonada pelos netos. Tudo o que pôde ensinar de amor e companheirismo, ela ensinou", disse Suzana ao portal GZH.

Luft escreveu dezenas de livros em diferentes gêneros e foi colunista de diferentes veículos de imprensa, abordando sobretudo a existência, o cotidiano e as relações humanas.

"Boa parte do tempo andamos meio às cegas, avançando por erro e tentativa, tateando entre os desafios de cada dia", diz outro trecho de Perdas & ganhos.

"Sobre essa terra firme ou areia traiçoeira, teremos de erguer a nossa casa pessoal feita em parte desses materiais brutos. Nem tudo pode ser programado. Os cálculos têm resultados imprevistos. Misturamos em nós possibilidade de sonhar e necessidade de rastejar, medo e fervor."

Pelo Twitter, o governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB) afirmou que o Rio Grande do Sul "perde um de seus maiores nomes da literatura".

"Lya Luft nos deixa aos 83 anos e abre uma lacuna difícil de ser preenchida. Que Deus conforte a família e os amigos", escreveu.

Luft nasceu em Santa Cruz (RS), em uma família de origem alemã, e se formou em letras anglo-germânicas. Trabalhou como tradutora de alemão e inglês de escritores icônicos, como Virginia Woolf, Gunter Grass, Thomas Mann e Doris Lessing.

Aos 41 anos, iniciou sua carreira literária, com o romance As Parceiras, em 1980, que abriu o caminho para outras obras importantes - por exemplo O rio do meio (1996), Perdas & ganhos (2003) e, mais recentemente, As coisas humanas, em que aborda afetividade e luto após a morte de um de seus filhos, em 2017, de parada cardiorrespiratória.

"Em última análise, escrevi, talvez, para mostrar que o amor é mais importante do que a morte, disse à escritora em entrevista à Folha de S.Paulo no ano passado. Na mesma entrevista, Luft falou de política e pandemia.

Disse que se arrependeu de ter votado no presidente Jair Bolsonaro. "Votei na falta de coisa melhor e me arrependi muito", declarou ao jornal.

"Parece que vivemos uma ditadura branca, uma coisa estranha, onde ele (Bolsonaro) decreta e tem que ser como ele quer. Mesmo em assunto em que ele não entende, quando estão morrendo milhares de pessoas. Essas distrações dos líderes na sua própria cobiça, a distração do sofrimento das pessoas, estão me deixando muito entristecida."

Em 2017, à jornalista Roseann Kennedy, Luft falou dos aspectos positivos do envelhecimento e da maturidade. "Eu acho muito chato esse negócio de ser eterno. A velhice é inevitável, tem que levar com dignidade, alguma elegância e bom humor."