Cineasta russo em Cannes: 'Estão dispostos a cancelar Tchekhov ou Dostoiévski?'
Cannes, França, 19 Mai 2022 (AFP) - "Estão dispostos a cancelar Tchekhov, Dostoiévski, Tolstói e outros gênios russos?", questionou o cineasta crítico do regime russo Kirill Serebrennikov,reconhecendo, no entanto, que entende os ucranianos que estão descontentes com a sua presença em Cannes.
Sua apresentação ontem de "Tchaikovsky's Wife", na disputa pela Palma de Ouro, despertou críticas de representantes do cinema ucraniano, que pediram para "banir tudo o que é russo".
"Primeiramente, devo dizer que entendo por que dizem o que dizem. Entendo que estão em uma situação terrível, que tem gente que perde a vida, a casa. Para eles, é difícil até ouvir o idioma russo. Eu entendo muito bem", comentou o diretor de "A Febre de Petrov" (2021). "Mas banir tudo o que é russo seria um grande erro, e estou feliz que o festival tenha tomado a decisão certa."
No fim de março, a organização anunciou que proibiria os cineastas russos próximos do poder, mas que não fecharia as portas para os artistas críticos do regime do presidente Vladimir Putin, que ordenou a invasão à Ucrânia em 24 de fevereiro. Mais tarde, o delegado geral, Thierry Frambux, indicou que a Ucrânia estaria "na mente de todos" durante a mostra, principalmente com vários filmes ucranianos programados.
- 'Não é justo' -
Serebrennikov, 52, aplaudiu a postura do Festival. "Estão dispostos a cancelar Tchekhov, Dostoievski, Tolstói e outros gênios russos? Não é justo rejeitar as pessoas por causa de sua nacionalidade", pontuou.
Conhecido por suas criações iconoclastas, seu apoio à comunidade LGBT+ e sua crítica indireta ao regime de Putin, Serebrennikov se apresentou pela terceira vez em Cannes. Nas ocasiões anteriores, não pôde viajar até a cidade porque a Justiça russa o proibiu de deixar o território devido a um caso de desvio de fundos que, segundo seus defensores, tratou-se de uma manobra política.
Sem ser um adversário ou dissidente frontal de Putin, Serebrennikov sempre denunciou a redução das liberdades e as guerras da Rússia fora de suas fronteiras, e participou de manifestações.
Denunciado em Cannes por representantes ucranianos que afirmam que "toda a sua carreira foi financiada pelo governo russo", Serebrennikov disse à AFP que seu filme foi financiado "por empresas independentes russas" e "fundos europeus".
"Sou questionado sobre o papel de (Roman) Abramovich, dono de um dos fundos que financiaram meu filme", disse Serebrennikov. Mas o oligarca russo "é alguém que ajudou muito os projetos de arte contemporânea, as ONGs, e alguém que esteve nas negociações entre a Ucrânia e a Rússia", observou.
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