Família e finanças: o que tirou Ney Matogrosso do grupo Secos e Molhados

O Secos & Molhados era um fenômeno: shows lotados, discos aclamados e uma estética que desafiava os padrões da ditadura militar. No centro do furacão, Ney Matogrosso, com sua voz ambígua, maquiagem marcante e roupas que borravam as linhas de gênero, tornou-se símbolo do grupo.

Mas, por trás do sucesso, brigas por direitos autorais e disputas internas levaram ao rompimento da formação original —o que ecoam ainda hoje, décadas depois. A história do cantor é retratada em "Homem com H", cinebiografia que chega aos cinemas amanhã.

O que aconteceu

Os motivos que levaram à saída de Ney Matogrosso do grupo foram dois, segundo o próprio artista: a troca do empresário e a divisão financeira da banda. "Quando nós fomos para o México, íamos entrar no estúdio para o segundo disco, e o nosso empresário não apareceu! Como assim? O João Ricardo veio com alguma desculpa e, depois, disseram que o empresário não viria e o pai do João ia entrar para gerir o negócio. Eu não concordava. Ele não era do ramo."

O cantor conta que, ao voltar do México, já quis sair do Secos & Molhados, mas recebeu o pedido para que ficasse até o lançamento do segundo álbum, que ainda seria gravado. "Gravamos! E, quando acabou, todos achavam que aquilo ia acabar mesmo. Falei que não ia mais estar no grupo. Meu compromisso era até o lançamento", afirmou Ney Matogrosso anos depois, em entrevista ao programa Persona, da TV Cultura.

Antes, todo dinheiro que entrava era dividido igualmente entre nós três. Era uma época mais romântica. Só que eu não era compositor. Quando eles perceberam o quanto um compositor ganha, o romantismo dançou. Falei então que queria ganhar pelo show. Eu sabia que eu era um maluco que chamava atenção. Falaram que não podia, e eu não queria brigar por dinheiro.
Ney Matogrosso

Hoje, o principal conflito envolvendo a banda é por causa dos direitos autorais do nome Secos & Molhados. João Ricardo, vocalista e compositor, detém os direitos após disputas na Justiça. Isso gerou atritos recentes, como a proibição de incluir cinco músicas em uma série documental sobre a banda e a necessidade de ocultar digitalmente o rosto de Ricardo do livro biográfico "Meteórico Fenômeno", após a recusa do cantor em autorizar o uso de sua imagem.

Já em "Homem com H", segundo assessoria de João Ricardo, todas as músicas pedidas, foram liberadas para uso no filme, mesmo que o músico não tenha tido acesso ao roteiro.

Em 1974, após o segundo LP, Ney e o músico Gerson Conrad deixaram a banda. João Ricardo tentou seguir com novos integrantes, sem o mesmo impacto. Ney, por sua vez, construiu uma carreira solo de sucesso, mantendo a irreverência que definiu o Secos & Molhados.

Outros desentendimentos

Não foram apenas discordâncias sobre empresários e os direitos autorais que marcaram os bastidores do Secos & Molhados. Antes disso, já tinha havido algumas divergências, como relembrou Ney Matogrosso, em 2023, em entrevista a Splash: "Teve um momento que [os integrantes] me deram uma dura. Eu não podia fazer o que estava fazendo, porque estavam dizendo ser um conjunto de homossexuais", contou. A resposta foi firme: "Vocês podem falar que vocês não são."

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A pressão vinha da imagem andrógina de Ney, que se recusou a ceder. "Era um forte atrativo. Tinha uma ousadia que, naquele momento, não era possível", disse. A maquiagem, as roupas e a ambiguidade vocal viraram marcas do grupo —e também alvo da ditadura. "Tinha um fusca na frente da minha casa [me vigiando], mas nunca tive medo."

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