Mãe transforma dor de suicídio da filha em HQ: 'Escrever é minha salvação'

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A HQ "O Céu de Celinna", criada pela escritora e psicóloga Nanna de Castro, é um convite ao diálogo sobre saúde mental e prevenção ao suicídio entre adolescentes. A publicação acompanha a jornada de Celinna, uma jovem de 17 anos que enfrenta a depressão e a baixa autoestima.
Atrás da narrativa, no entanto, reside uma motivação profundamente pessoal e dolorosa: a perda da filha de 16 anos de Nanna para o suicídio. Em entrevista a Splash, a psicóloga compartilha o caminho que a levou transformar a dor em arte (e ação).
Escrever é minha tábua de salvação, meu portal desde sempre, desde a infância. Obviamente, tem um momento da dor que não dá para produzir nada, que não dá para transformar nada. Fui caminhando no luto, nesse processo, onde primeiro é muito carne viva e depois você vai chegando em algum lugar em que você põe o nariz para fora d'água.
Procure ajuda
Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

"O Céu de Celinna" não é apenas uma história; para Nanna, ela se apresenta como "um pretexto para que mais pessoas possam falar sobre suicídio, serem ouvidas e encontrarem um caminho para reexistir". A escolha da linguagem dos quadrinhos foi estratégica, com o objetivo de alcançar o público jovem de maneira mais eficaz.
Apesar da urgência do tema, Nanna enfrentou resistência para publicar a HQ. Ela encontrou apoio por meio de um projeto de financiamento coletivo, que ultrapassou a meta em poucos dias. "Ninguém quer mexer nisso, sabe? É um assunto que ninguém quer tocar. Ninguém quer tocar. E a mídia também não. É um lugar que é um tabu, então as empresas não querem investir. Nos editais você tem dificuldade..."
O objetivo principal era distribuir em escolas públicas gratuitamente. O que a gente fez? Pegou 500 livros e distribuiu para a rede pública em São Paulo. A gente precisa trabalhar muito com o ensino médio, que é por causa da idade que a gente queria atingir.
As ilustrações foram criadas por Guilherme Fonseca. Ele é roteirista e escritor, com experiência em animações e histórias para o público jovem.
'Falar do monstro para lidar com ele'
Ela explica que, embora compreenda os receios em relação ao assunto, a orientação atual de especialistas e da ONU é clara: "Existe um consenso de que é preciso falar e de que o não falar, o seguir com isso como um tabu, traz prejuízos gigantescos de várias formas e contribui com o aumento das taxas".
Para Nanna, o silêncio impede que a questão seja trabalhada abertamente, levando os jovens a buscarem informações em locais inadequados. A autora enfatiza a importância de criar espaços seguros para a conversa —dentro e fora de casa.
Se o jovem não se sente à vontade para falar disso com a pessoa certa, ele vai se sentir à vontade para falar com a pessoa errada. O tema continua lá. A gente entende que é o básico da terapia, você precisa falar do monstro para lidar com ele.
'Estou cercada de mães que estão segurando filhos na beira do abismo'

Além de alcançar os jovens, ela também direciona o olhar para os pais, compreendendo a dor e a culpa que podem surgir após uma perda por suicídio. A escritora defende que os pais sejam acolhidos diante da dor.
Quando alguém perde um filho por suicídio, as pessoas vêm falar comigo. Então, o que eu diria para mães e pais que estão passando por essa situação? Se acolha, se abraça na sua imperfeição. Você não é um herói, você é um ser humano fazendo o melhor possível. Sendo a melhor mãe possível. O melhor pai possível. E o melhor pai possível, a melhor mãe possível pode não ser suficiente. Pode não bastar. Faz parte da vida morrer e não dar conta. Tudo isso faz parte da vida.
Por meio de "O Céu de Celinna", Nanna de Castro transforma a própria tragédia pessoal em uma ferramenta de conscientização e prevenção. A mensagem é clara: é preciso quebrar o silêncio, falar abertamente sobre o suicídio e, acima de tudo, aprender a ouvir.
Eu estou cercada de mães que estão segurando os filhos pela camiseta, na beira do abismo. Elas acordam o dia inteiro, pânico apavorado, porque o menino pode fazer uma m****. Não é sobre estar colado na pessoa [filho], agarrado o tempo todo. Não é sobre isso. É preciso ter um lugar de escuta para os pais.
O primeiro passo, segundo a autora, é "topar olhar para isso", pois somente assim será possível construir um caminho de compreensão e apoio para aqueles que enfrentam uma dor silenciosa.
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