'Dor não pode ser em vão': doc revive acidente que matou 199 pessoas em SP

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No dia 17 de julho de 2007, o voo TAM 3054, operado pela TAM Linhas Aéreas, se chocou contra um prédio da própria empresa após não conseguir parar na pista do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
O acidente resultou em 199 mortes (187 passageiros e tripulantes a bordo, e 12 pessoas no solo) e se tornou o pior desastre aéreo da história do Brasil. Agora, ele é revisitado pelo documentário Congonhas: Tragédia Anunciada, que chega amanhã à Netflix.
Em entrevista exclusiva a Splash, Angelo Defanti, diretor da produção, desabafou sobre o processo de desenvolvimento da obra que resgata essa memória dolorosa, porém necessária. "É algo permanente, uma ferida que não vai se extinguir jamais", afirma sobre o impacto duradouro da tragédia. "Foram 199 pessoas que morreram, e a gente não pode aceitar algo assim como nação". O diretor enfatiza a abordagem cuidadosa: "A saída é lidar de maneira muito respeitosa, especialmente com respeito à dor dos familiares".
Essa dor não pode ser em vão e não pode ser explorada. Mas essa dor também não pode ser desviada. Angelo Defanti
A inspiração para a série veio em 2016, quando ele visitou o abandonado memorial das vítimas antes de um voo em Congonhas. "Aquele memorial não servia para memória de nada. Será que estamos esquecendo?". O local fica em frente ao Aeroporto de Congonhas.
A distância do tempo está arrefecendo a proporção do absurdo. Esse acidente tem proporções nacionais - não só assistimos ao vivo, como diz respeito a algo maior, algo brasileiro.
Ao investigar o caso, Defanti descobriu "um arquipélago de problemas". São eles, fatores técnicos (pista curta e sem drenagem adequada), pressões operacionais e corporativas e falhas sistêmicas de gestão. "Não foi um erro isolado, mas uma sucessão de falhas gravíssimas. Conforme estudávamos, renovava-se nosso pasmo", revela.
Para o diretor, não é possível escolher apenas um aspecto que o chocou durante os estudos para a produção. "Não consigo fazer um ranking, porque tem uma coisa da aviação que são muitas disciplinas distantes que se cruzam. O que mais me chamou atenção foi que, seguindo essa máxima de que um acidente nunca é causado por um único fator, o do acidente de Congonhas era uma cauda muito longa disso e era tudo um grande descalabro."
Eu olhava o acidente como um centro, mas olhava as coisas ao redor como se fosse um arquipélago de problemas e questões e era tudo muito grave. Conforme a gente vai sabendo mais sobre o tema, a gente vai emitindo mais opinião.
Além das lições técnicas, ele também destaca o aspecto humano. "Como lidamos com tragédias deste tamanho? O acidente permite refletirmos sobre nossa mentalidade como sociedade. É claro, todo meio de transporte tem o seu risco. Tem também essa máxima de que você corre muito mais risco de morrer em um acidente no Uber, a caminho do aeroporto, do que no avião. E se você vê a estatística, é muito maior a possibilidade. Só que você está topando, você pegou um elevador, você está topando alguns riscos. Só que a aviação, as coisas estão no ar, e a aviação tem todo um cabedal de conhecimento construído ao longo de vários acidentes que a gente tem que aprender com eles. Isso é algo muito bonito da aviação."

Defanti contextualiza o episódio no caos aéreo dos anos 2000. "Vivíamos aquele período conturbado, com o acidente da Gol em 2006. Havia algo estranho na aviação brasileira", explica o diretor ao citar o acidente do voo Gol 1907. No dia 29 de setembro de 2006, um Boeing 737-800 da Gol que havia decolado do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, em Manaus, com destino ao Galeão, no Rio de Janeiro, colidiu em pleno voo com um jato executivo Embraer Legacy 600 sobre a região amazônica de Mato Grosso. Ao todo, 154 pessoas morreram.
Ele diz existir um paradoxo."A aviação nacional é hoje uma das mais respeitadas do mundo, mas precisou daquele acidente para acordar. Se os aviões decolam e pousam com segurança hoje, é porque aprendemos com essas tragédias".
A aviação funciona como uma caixa preta. Entramos, ficamos mais leves que o ar e pousamos, delegando enorme responsabilidade a quem pilota. O documentário não quer gerar pânico, mas abrir essa caixa preta. É natural a curiosidade - e bom que exista.
Sobre a atual gestão privada de Congonhas, o diretor faz uma provocação. "A equação para ter lucro é aumentar voos. Mais movimento significa mais pousos e decolagens. Será responsável?", questiona.
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