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'Geni e o Zepelim': atriz é retirada de papel principal por não ser trans

De Splash, em São Paulo

19/04/2025 19h53

A diretora Anna Muylaert anunciou, na noite de hoje, que o papel principal do filme "Geni e o Zepelim" será desempenhado por uma atriz trans e não mais por Thainá Duarte, atriz cisgênero que havia sido escalada. A mudança ocorreu após o filme ser alvo de críticas. O filme é uma adaptação cinematográfica da música "Geni e o Zepelim", de Chico Buarque.

O que aconteceu

Anna Muylaert foi às redes sociais para anunciar a mudança no filme. Ela disse que errou ao escalar uma atriz cisgênero para interpretar Geni. "Fazer esse filme com uma mulher cis foi um erro, foi um equívoco, quero pedir desculpas a todas as pessoas da comunidade trans que se sentiram apagadas em sua corporeidade por causa dessa ideia", disse.

Tive uma visão errada. Vamos trocar a personagem e adaptar o roteiro para uma personagem trans, a Geni.
Anna Muylaert

Anna Muylaert também pediu desculpas a Thainá, que havia sido escalada. "Eu também queria pedir desculpas para a atriz Thainá Duarte, que, por causa de uma ideia, minha foi tão exposta a haters na internet, que eu entendo que eram agressões a qualquer atriz cis que estivesse nesse papel, mas ela sofreu as agressões pessoalmente."

A canção "Geni e o Zepelim" integra a peça "Ópera do Malandro", na qual a personagem Geni é uma mulher transexual —fato que gerou questionamentos sobre a escolha de Thainá para o protagonismo.

Em publicação nas redes sociais, Thainá também comunicou sua saída do projeto. E disse lamentar que toda a discussão tenha causado tanta dor.

Geni será interpretada por uma mulher trans, lamento que todo esse processo tenha causado tanta dor. Reafirmo meu compromisso com a escuta, aprendizado e com a luta pela equidade! Boa sorte e todo meu carinho.
Thainá Duarte

Ela conta que aceitou o papel somente após conversar com a diretora, Anna Muylaert. A atriz teria perguntado por que Geni não seria uma mulher trans e ouviu que a ideia era fazer uma releitura, falando de Amazônia em paralelo com o feminino. Segundo Thainá, a cineasta afirmou ainda que estava em diálogo com a comunidade trans.

Sinto muito que essa escolha tenha machucado tanto a comunidade trans. Agora eu entendo melhor o tamanho dessa reivindicação. Estou colocando do lado de quem está ferido. Reconheço o lugar de fala, a urgência e a dor de estar pedindo pelo mínimo, que é respeito [...] Mas isso não justifica alguns dos ataques que recebi, como 'transfóbica oportunista, você é nojenta, você merece morrer'. Mensagens que supunham que eu não estava aberta para o diálogo. E eu estou. Tá doendo. E eu espero que a atriz que interprete a Geni faça tão bem que isso possa sanar um pouco a dor que estamos sentindo.
Thainá Duarte

A produção enviou a Splash uma nota oficial explicando o assunto (leia abaixo a nota completa). "A personagem principal, inicialmente concebida como uma mulher cis, passa a ser uma mulher trans / travesti, e será interpretada por uma atriz trans. A decisão coletiva foi fruto da escuta atenta e do aprendizado de intensas trocas com pessoas de diferentes setores da sociedade. Compreendemos que o momento político global, e em especial o cenário transfóbico no Brasil, impõe a todas as pessoas uma postura ativa e comprometida", diz.

Cineasta abriu debate

Antes de anunciar a mudança hoje, Anna Muylaert chegou a se manifestar durante a semana sobre a polêmica. A cineasta explicou ter concebido a partir da impressão de que a letra de Buarque permite várias interpretações além do tema trans. "Durante o processo de criação deste filme, entendemos que a letra do Chico —e o conto do [autor francês] Guy de Maupassant, 'Bola de Sebo', no qual o Chico diz ter se inspirado— poderiam ter várias leituras. Poderia ser uma mulher trans; poderia ser uma mãe solteira; poderia ser uma presidente tirada do poder sem crime de responsabilidade; poderia ser uma floresta atacada diariamente por oportunistas. Por uma questão de lugar de fala, escolhemos fazer uma prostituta cis na Amazônia", declarou ela, em vídeo publicado no Instagram.

Muylaert convidou todos os interessados a se reunirem em um debate sobre a questão que se instaurou a partir da polêmica. "Diante da reação da comunidade trans, quero vir aqui abrir o debate e jogar a pergunta: essa letra do Chico, essa poesia, o mito Geni, hoje em 2025 só pode ser interpretada como uma mulher trans?"

Ela acrescentou que, a depender das respostas que lhe chegariam, o projeto do filme poderia sofrer severas modificações. "Se computarmos que hoje só se pode interpretar a Geni como trans, repensaremos o nosso filme. Na verdade, a história não vai mudar, porque os corpos femininos ou trans estão sempre sob perigo."

Abaixo, leia na integra a nota oficial enviada pela produção.

A produção do longa "Geni e o Zepelim" tomou a decisão de redesenhar o projeto. A personagem principal, inicialmente concebida como uma mulher cis, passa a ser uma mulher trans / travesti, e será interpretada por uma atriz trans. A decisão coletiva foi fruto da escuta atenta e do aprendizado de intensas trocas com pessoas de diferentes setores da sociedade. Compreendemos que o momento político global, e em especial o cenário transfóbico no Brasil, impõe a todas as pessoas uma postura ativa e comprometida. Consideramos que esta mudança de abordagem da identidade de gênero da personagem no filme é a atitude acertada. Diante desta decisão, expressamos nossa profunda admiração e gratidão a Thainá Duarte - uma atriz de grandeza e talentos únicos. Agradecemos ainda à Associação de Profissionais Trans do Audiovisual (APTA), que realizou conosco uma conversa franca e nos apontou caminhos. Agora precisamos nos dedicar ao filme, que começa a ser rodado em duas semanas, no Acre. Em breve divulgaremos quem será a protagonista. Que Geni ganhe o mundo e sensibilize corações e mentes.
Migdal Filmes, Paris Filmes e Globo Filmes

Errata: este conteúdo foi atualizado
O nome do conto de Guy de Maupassant foi grafado incorretamente como 'Bola de Seda'. O correto é 'Bola de Sebo'. O texto foi corrigido.

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