Denise Fraga cura no teatro dor pela morte da mãe: 'Embeleza a existência'

Denise Fraga, 60, acredita no poder que a arte tem de restaurar o "fascínio pela vida", apesar de todas as dores inerentes à existência humana. A atriz, que recentemente perdeu a mãe, Wilma Rodrigues, encontrou no ofício uma forma de lidar com o próprio sofrimento.

Se eu não conseguisse transformar em beleza os sofrimentos... Eu li livros que me ajudaram. Eu tinha visto uma peça que tinha me ajudado muito. A minha própria peça me ajuda. Fazer arte me ajuda a transformar, de alguma maneira, minhas dores em vozes que eu compartilho com aquele público.

Durante entrevista a Splash, ela cita um pensamento de Simone de Beauvoir presente na peça "Eu de Você". O texto discute o papel da arte em compartilhar experiências difíceis, oferecendo o "consolo da fraternidade" ao conectar sofrimentos individuais em uma experiência coletiva.

Você não deixa de sofrer, mas você embeleza muito a existência. Acho que o teatro te restaura o fascínio pela existência, o fascínio por estar no jogo, por querer viver. Falo isso quando a gente está ensaiando: 'não precisa ter final feliz, não gosto de final feliz, não quero ter final feliz, mas precisa dar vontade de viver.

A artista defende que o contato com a arte, seja qual for a expressão, proporciona um reconhecimento de que não se está sozinho —seja na dor ou na alegria. A experiência de ver uma peça de teatro e sentir a reação da plateia ao lado pode trazer uma melhor compreensão das próprias emoções.

Isso não é uma frase feita, eu tenho visto. Eu vejo o que aconteceu com um marido que foi arrastado para o teatro. Eu vejo essa pessoa que começou a peça sentada para trás na cadeira, eu vejo esse cara se ajeitando e ficando de boca aberta, em estado de reflexão.

Em um mundo cada vez mais fragmentado pela internet, o palco oferece um "estado de captura" e atenção plena — quase como um "campo dos sonhos" onde o público pode ser levado ao pensamento. Denise é otimista quanto ao futuro do teatro como um espaço para essa conexão profunda entre as pessoas.

O que eu mais gosto, sei lá, eu virei meio uma especialista nisso... o que eu mais gosto no meu ofício é fazer alguém rir e ao mesmo tempo que eu faço essa pessoa pensar. E o que é mais incrível: quando você consegue se divertir pensando, você entra num estado de prazer. O teatro faz você ter insights.

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'História da ditadura nos foi sonegada'

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A atriz também destaca o papel da arte em dar voz a histórias silenciadas, como a da ditadura militar (1964 e 1985), tema abordado pelo filme "Ainda Estou Aqui" (vencedor do Oscar de melhor filme internacional). Ela relata como essa parte da história foi "roubada" de sua geração e como o cinema pode contribuir para a construção (e preservação) da memória.

A história da ditadura militar nos foi sonegada. Na escola, a gente não podia saber, os nossos pais tinham medo de nos contar — mesmo que eles não fossem a favor da ditadura. As pessoas tinham muito medo de falar essa palavra. Eu sou filha do golpe militar. Nasci em 1964 e só ouvi a palavra ditadura quando eu tinha 18 anos.

Denise lamenta que o acesso à cultura não seja prioridade na educação e na sociedade. Em um momento de polarização política e complexidade social, ela vê na arte um caminho para a reflexão, a empatia e a ponderação.

É triste porque é uma falta de consciência sobre o seu direito. Eu sinto que a arte é um direito de todos. A minha mãe me levou ao teatro, me ensinou a ler no clube do livro, me fez escutar boa música. Se ela não tivesse feito isso, não teria sido pela minha escola que eu teria entendido a importância do teatro na minha vida.

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