Gorgulho volta ao teatro após 10 anos: 'Não dá para ficar em cima do muro'
Paulo Gorgulho, 64, está de volta ao teatro. Após hiato de dez anos, o ator assume o papel de Papa Francisco na peça "Entre Franciscos, o Santos e o Papa", que fica em cartaz no Teatro Sergio Cardoso, em São Paulo, de 10 de maio a 30 de junho.
Em entrevista exclusiva a Splash, Gorgulho conta que o diálogo de divindades sobre tragédias atemporais da humanidade na peça o tocou para voltar a subir aos palcos, com o objetivo de discutir os problemas atuais da sociedade.
É importante não se omitir. Hoje, não nos é dado o direito de ficar em cima do muro. Muita gente fica, mas não dá. As questões são tão urgentes e estão na nossa cara.
Paulo Gorgulho
'Personagem vivo'
Paulo Gorgulho foi convidado pelo diretor Fernando Philbert e o escritor Gabriel Chalita para dar vida a um personagem vivo e 24 anos mais novo. O desafio de interpretar o papa fez o ator tomar cuidado para não fugir da imagem que o mundo tem do pontífice da Igreja Católica.
"Ele toma atitudes bastante corajosas em termos de saneamento da igreja. Da igreja voltar à sua origem, ao seu significado inicial, trabalhar em favor dos pobres, ser apoio para aqueles que mais necessitam. Então, se torna uma figura interessante. É legal fazê-lo hoje e retratar a representatividade desse Papa nos dias de hoje", conta.
O cenário do espetáculo é numa lavanderia para pessoas em situação de rua — como feito pelo Papa Francisco em Roma, na Itália, em 2017. Paulo, no papel de pontífice, encontra Cesar Mello, o São Francisco de Assis, e promovem diálogo filosófico sobre o amor estar ficando em segundo plano para ingratição, desamparo e ganância.
O Papa está se queixando de tanta desesperança, hipocrisia, mentira e disputa de poder dentro da igreja, e ele fala que nem tudo está perdido. Quem entra para ver o espetáculo, recebe uma mensagem de um jeito que não esperava e sai com questões novas na cabeça.
O ator faz coro com o colega de palco Cesar Mello para dizer que a mensagem da peça é que ainda há esperança no mundo. "De renovação, de renascimento e é isso que tem acontecido com a plateia que nos vê. Elas saem com bastante esperança, com questões na cabeça que a gente coloca e que elas não esperavam. Saem felizes, leves e com uma visão de esperança no futuro, que as coisas podem melhorar e que nem tudo está perdido."
Gorgulho destaca que o trabalho ao lado de Cesar Mello é um "encontro de almas". "Cesar e eu não nos conhecíamos, mas nos demos bem desde o começo. Foi uma simbiose muito grande em termos de entendimento do que é o ofício do ator, em termos de dinâmica interna, de entrega. A gente pensa o teatro, a vida, o ofício de maneiras parecidas."
O artista ressalta que o retorno aos palcos é para usar sua voz para propor reflexão de dias melhores. "É importante não se omitir. Hoje, não nos é dado o direito de ficar em cima do muro. Muita gente fica, mas não dá. As questões são tão urgentes e estão na nossa cara. O que está acontecendo de tanto egoísmo e individualismo é legal poder falar sobre através de uma figura pública que é um ícone, que toca em assuntos delicados e não se omite."
Mudanças no teatro
Paulo Gorgulho conta que o teatro mudou muito em dez anos, porque agora tem uma série de ações inclusivas. "Você faz o espetáculo no qual, obrigatoriamente, precisa de um intérprete de libras, a contrapartida para patrocínios de leis de incentivo. As contrapartidas são muitas diferentes e acho positivo. Nesse aspecto da produção, como é que se produz teatro, tem essas diferenças." Ele também pontua surpresa com a duração das peças, pois antigamente se mantinha em cartaz enquanto fizesse sucesso. "Agora são temporadas e cíclicas. Depois da pandemia, o teatro se recuperou muito mais rapidamente e mais forte. Tem muitas peças legais e muito público para teatro."
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Quero receberPreço da fama
O ator lembra que o sucesso vivido como José Leôncio na primeira versão de Pantanal (TV Manchete), em 1990, foi assustador. "Quando estreou, minha mãe tinha falecido. Foi a grande virada [da minha carreira], não podia mais andar na rua. A minha esposa Vânia estava grávida da nossa primeira filha, a Catarina. Eu falei: 'Não vou aguentar isso. Nunca mais vou ser uma pessoa comum'. Fui para a casa da minha irmã mais velha, que assumiu o lugar da minha mãe. Fiquei ali uns dias com ela para tentar digerir isso, entender."
Era assustador [essa fama]. Tinha que sair escoltado dos lugares. A minha mulher estava grávida e tinha que proteger ela, porque as pessoas avançam mesmo.
"Rejeitar nunca vai ser uma boa opção"
Gorgulho detalha que a nova safra de atores lhe causou surpresa pela falta de vínculo com o ofício. "Fiz uma novela em que a atriz e o ator jovens não sabiam falar, não entendiam que a pontuação te dava a intenção. Quando você tem uma fala com ponto final é uma coisa, com uma vírgula é outra coisa, com reticência é outra coisa e eles não sabiam. Mas como é que essas pessoas estão aqui? Elas foram escaladas pelos nomes dos seguidores. Isso no começo era chocante, mas é a época que eu vivo".
Na minha época, se você não lesse, não tivesse o mínimo de cultura, você não teria um lugar ao sol. Hoje, não é mais necessário. Edita aquilo, grava um pouquinho, mas esse tipo de gente não faz teatro com o rigor dessa peça. Não adianta dar murro em ponta de faca, senão é melhor desistir. É conversar e ensinar. Rejeitar nunca vai ser uma boa solução.
Serviço:
Peça: Entre Franciscos, o Santo e o Papa
Data e horário: De sexta a domingo, a partir das 18h (de Brasília)
Local: Teatro Sérgio Cardoso (R. Rui Barbosa, 153 - Bela Vista, São Paulo)
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