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O que se sabe até agora sobre o ataque contra o escritor Salman Rushdie

Salman Rushdie na Flip de 2010 - Leandro Moraes/ Uol
Salman Rushdie na Flip de 2010 Imagem: Leandro Moraes/ Uol

De Splash*, em São Paulo

14/08/2022 11h29Atualizada em 15/08/2022 10h24

O autor anglo-indiano Salman Rushdie, 75, foi atacado na última sexta (12) em um centro cultural em Chautauqua, no estado de Nova York, nos Estados Unidos, quando estava prestes a dar uma palestra. Ele, que já foi ameaçado de morte no Irã na década de 80 devido a suas publicações, foi atingindo com 10 facadas.

Após o ataque, ele foi encaminhado para um hospital e precisou de ajuda de aparelhos para respirar.

Ontem, ele já apresentou melhora em seu quadro de saúde, que está estável, sem precisar mais da ventilação mecânica para respirar. O agente dele, Andrew Wylie ainda informou que ele já consegue falar, segundo reportou a BBC.

Confira o que se sabe até agora sobre o incidente:

O ataque

Segundo relatos de testemunhas que estavam no local ao New York Times, um homem invadiu o palco da instituição onde Rushdie palestraria e começar a socá-lo e esfaqueá-lo, no momento em que o autor era apresentado, conforme relatou a BBC.

Rushdie participava de uma discussão sobre os Estados Unidos como asilo para escritores e outros artistas no exílio e como um lar para a liberdade de expressão criativa.

David Graves, 78, que estava no meio do anfiteatro, disse que Rushdie ainda estava sentado quando o agressor chegou ao palco e se lançou contra ele. "As coisas se desenrolaram em segundos", disse.

Rita Landman, médica que estava presente no local e auxiliou nos primeiros socorros ao escritor, contou ao New York Times que ele tinha várias facadas, "incluindo uma no lado direito do pescoço, e que havia uma piscina de sangue sob seu corpo".

Ela reforçou, contudo, que ele parecia estar vivo e que as pessoas afirmavam que ele ainda "estava com pulso".

As primeiras informações davam conta de que ele havia sido esfaqueado no pescoço. No entanto, um porta-voz da polícia disse em comunicado que Rushdie também sofreu um pequeno ferimento na cabeça e no abdômen.

Segundo o "Jornal Nacional" (TV Globo), os golpes em Rushdie chegaram a acertar o estômago, o peito, a coxa e o olho.

O apresentador da conferência, Ralph Henry Reese, de 73 anos, ficou levemente ferido no rosto.

ataque - REUTERS - REUTERS
A Instituição onde Salman Rushdie foi atacado no palco em um evento
Imagem: REUTERS

Rushdie foi levado de helicóptero até um hospital, onde passou por uma cirurgia de emergência.

Um esquadrão antibomba também esteve no local após o ataque e determinou que a instituição está segura. A polícia está trabalhando com o FBI e o Gabinete do Xerife do Condado de Chautauqua nas investigações.

Hoje, um dos filhos confirmou que Rushdie está se recuperando e que "seu senso de humor permanece intacto".

O agressor

O autor da agressão foi imediatamente preso e levado sob custódia. Segundo o major da polícia, Eugene Staniszewski, o suspeito foi identificado como Hadi Matar, de 24 anos, originário de Fairview, no Estado de Nova Jersey.

Uma revisão preliminar das redes sociais de Matar por parte das autoridades mostrou que ele era simpático ao extremismo xiita e ao Exército dos Guardiães da Revolução Islâmica, conhecido popularmente como Guarda Revolucionária Iraniana, segundo a NBC de Nova York.

Matar nasceu na Califórnia e se mudou recentemente para Nova Jersey, disse a reportagem da NBC, acrescentando que ele tinha consigo uma carteira de motorista falsa.

Matar viajou de ônibus para o retiro intelectual no oeste de Nova York e comprou um passe que lhe permitia assistir à palestra que Rushdie daria na manhã de sexta-feira, de acordo com o New York Times

Ainda não há indicação do que motivou o crime e acredita-se que o suspeito agiu sozinho.

Segundo o promotor distrital do condado, Jason Schmidt, Matar foi indiciado na sexta-feira por tentativa de homicídio em segundo grau e agressão em segundo grau. Ele está detido sem fiança.

Schmidt disse que agências de aplicação da lei estaduais e federais, inclusive em Nova Jersey, estão trabalhando para entender o planejamento e a preparação que precederam o ataque e determinar se acusações adicionais devem ser apresentadas.

Neste sábado, o principal jornal ultraconservador iraniano, Kayhan, parabenizou o agressor. "Bravo a este homem corajoso e consciente do dever que atacou o apóstata e cruel Salman Rushdie", escreveu o jornal. "Beijamos a mão daquele que rasgou o pescoço do inimigo de Deus com uma faca".

No hospital

Após a cirurgia de emergência, Rushdie precisou usar um respirador e tinha risco de perder um olho, segundo seu agente, Andrew Wylie.

Em nota enviada para o New York Times, o representante afirmou que o autor não pode falar e que as notícias "não são boas".

Salman provavelmente perderá um olho. Os nervos de seu braço foram cortados e seu fígado foi esfaqueado e danificado.

Agente do escritor Salman Rushdie

Já ontem, Rushdie apresentou melhora em seu quadro de saúde e foi considerado estável. Ele não precisa mais da ventilação mecânica para respirar e está conseguindo falar, de acordo com o seu agente, Andrew Wylie à BBC.

Quem também comentou a melhora no quadro de saúde de Rushdie foi o escritor Aatish Taseer. No Twitter, ele disse que Rushdie está "falando e brincando", mas o tuíte foi apagado da rede social.

Reações

salman - Gilbert Carrasquillo/Getty Images - Gilbert Carrasquillo/Getty Images
O escritor Salman Rushdie em evento realizado na Filadélfia, em dezembro de 2019
Imagem: Gilbert Carrasquillo/Getty Images

O ataque contra o autor repercutiu no mundo inteiro. O jornal francês Charlie Hebdo publicou na noite de ontem uma carta de apoio a Rushdie.

"Até o momento da redação deste artigo, não sabemos os motivos do autor do ataque com faca a Salman Rushdie. [...] Arriscamos dizer que é provavelmente um crente, que é igualmente provavelmente muçulmano e que cometeu o seu ato ainda mais provavelmente em nome da 'fatwa' lançada em 1989 pelo aiatolá Khomeini contra Salman Rushdie, que condenou ele até a morte", começa a carta.

O jornal critica ainda comentaristas da imprensa que afirmaram que o livro de Rushdie, "Versos Satânicos", não é desrespeitoso ao Islâ: "Raciocínio de uma perversidade muito grande porque induz que, inversamente, comentários desrespeitosos em relação ao Islã justificariam uma punição, mesmo que fosse fatal."

Por fim, o veículo defende que "nada justifica a sentença de morte. "Com que direito os indivíduos, a quem não damos a mínima para saber que são religiosos, se arrogam o direito de dizer que alguém deve morrer?"

"Teremos que parar de respeitar a palavra 'respeito' quando ela é mal utilizada e usada para intimidar e justificar a execução em nome de Deus. A palavra 'respeito' tornou-se uma arma usada para ameaçar e até matar", conclui a publicação.

O presidente francês Emmanuel Macron também se manifestou. "A luta dele é nossa, universal", declarou no Twitter, garantindo que estava "hoje, mais do que nunca, ao seu lado".

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, disse estar "chocado por Sir Salman Rushdie ter sido esfaqueado enquanto exercia um direito que nunca devemos deixar de defender", referindo-se à liberdade de expressão.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, revelou, por meio de seu porta-voz, que estava "horrorizado" com o ataque, acrescentando que "de forma alguma a violência foi uma resposta às palavras".

"Este ato de violência é terrível", disse o conselheiro de segurança do presidente dos Estados Unidos, Jake Sullivan.

Hezbollah nega participação

Um representante do grupo armado libanês Hezbollah, apoiado pelo Irã, afirmou que a organização não tem informações sobre o ataque contra o escritor.

"Não sabemos nada sobre esse assunto, então não comentaremos", disse o representante, sob condição de anonimato, à Reuters.

Publicações proibidas

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O livro 'Versos Satânicos' de Salman Rushdie
Imagem: Wikipedia

Rushdie, nascido em 19 de junho de 1947 em Bombaim, dois meses antes da independência da Índia, foi criado por uma família de intelectuais muçulmanos não praticantes. Ele incendiou parte do mundo muçulmano com a publicação de "Versos Satânicos", proibido no Irã desde 1988, pois muitos muçulmanos o consideram uma blasfêmia.

Um ano depois, o falecido líder do Irã, o aiatolá Ruhollah Khomeini pediu a morte de Rushdie, com uma recompensa sendo oferecida.

O autor foi obrigado a viver escondido e sob proteção policial. Ele se mudou para os Estados Unidos e vivia discretamente em Nova York. Rushdie havia retomado uma vida praticamente normal, sempre defendendo em seus livros a sátira.

De acordo com a Fox News, o governo do Irã já se distanciou do decreto de Khomeini, mas o sentimento anti-Rushdie permaneceu no país.

Muitos dos tradutores de seu livro foram feridos e até mesmo mortos, como o japonês Hitoshi Igarashi, vítima de várias facadas em 1991.

Em 2012, a recompensa por sua morte foi aumentada de R$ 10,80 milhões para R$ 16,80 milhões (na conversão atual) por uma fundação religiosa iraniana semi-oficial.

O escritor Ayad Akhtar, amigo da vítima, disse ao Times que Rushdie nunca levou segurança aos eventos em que esteve.

Akhtar, o atual presidente da PEN America, organização sem fins lucrativos que defende a liberdade de expressão na literatura nos EUA, disse que ele e Rushdie nunca discutiram as ameaças que o romancista enfrentou por causa de seu livro, mas que ele parecia perfeitamente confortável no mundo.

*Com AFP e RFI