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Vencedores de reality se dizem enganados e pedem R$ 3,7 mi na Justiça

Equipe levanta a taça no episódio final do reality "Bravo!"; nove atletas entraram na Justiça Imagem: Reprodução/Bravo

De Splash, em São Paulo

05/07/2022 18h15

Com 13 mil inscritos, "Bravo!", reality de futebol que foi ao ar nos canais ESPN entre março e maio de 2020, mostrou um torneio disputado por 78 atletas. Passados mais de dois anos do fim da atração, 9 dos 21 vencedores se dizem enganados pela produção do programa.

O programa consistia em dividir os jovens em seis times para a disputa de um torneio. A premiação prometida aos ganhadores em episódios do programa era uma viagem para a Espanha. Os atletas teriam a oportunidade de enfrentar equipes de base dos clubes espanhóis, o que nunca aconteceu.

Envolvidos no reality, atletas brasileiros com rodagem no futebol mundial, como Cafu (Zaragoza), Edmilson (Barcelona), Djalminha (Deportivo La Coruña), Marcos Assunção (Betis), Belletti (Barcelona) e Zé Roberto (Real Madrid). Os superatletas são "embaixadores" da LaLiga, a entidade que organiza o campeonato espanhol, e atuaram no programa como mentores dos times amadores.

Depois de adiamentos, mensagens não respondidas e frustração, o caso agora vai para a Justiça. Splash teve acesso a um processo movido pelos nove atletas contra o Grupo LX, produtora que promoveu a competição exibida pela ESPN, e a LaLiga, a entidade que organiza o campeonato espanhol.

A defesa dos jovens pede R$ 3,7 milhões por danos morais e materiais, alegando a frustração dos atletas e os investimentos que eles e suas famílias fizeram diante da perspectiva de ter uma oportunidade no futebol.

Procurado, o Grupo LX afirma que a viagem não aconteceu em razão da pandemia de covid-19. "Os participantes estavam cientes e de acordo que não haveria a entrega de nenhuma premiação", afirma Dayyán Morandi, responsável pelo LX, a Splash.

A LaLiga afirma que pediu para ser excluída do processo por considerar que não firmou nenhuma obrigação com os atletas. A ESPN disse que a empresa não irá se manifestar por não ser citada na ação e não ter relação com a produção do programa.

Marcos Assunção, Cafu, Djalminha, Edmilson, Zé Roberto e Belletti participaram do "Bravo!" Imagem: Reprodução/Facebook

Os seis ex-jogadores que orientaram os times amadores também foram procurados, mas não se manifestaram até o momento. Caso o façam, os posicionamentos serão incluídos nesta reportagem.

Apesar de exibida pelo canal de TV por assinatura, a competição foi promovida por uma produtora parceira da ESPN, o Grupo LX. Foi esta a empresa que divulgou os dados sobre as inscrições e que divulgou os resultados da iniciativa. O LX celebra ter tido mais de 1 milhão de visualizações no YouTube entre março e junho de 2020, além de cerca de 700 mil pessoas impactadas pelas exibições na ESPN Brasil.

'Não existia diálogo'

Na ação contra a produtora e a LaLiga, a defesa dos jovens argumenta que, embora não firmada em contrato, a premiação foi prometida diversas vezes ao longo do reality "Bravo!", além de ter citada pelo perfil da atração em outras tantas oportunidades nas redes sociais.

"Bravo!" comunicou adiamento de viagem nas redes sociais Imagem: Reprodução/Instagram

Um dos trechos é o do último episódio do reality, que mostra a final vencida pela equipe denominada País Basco. No programa, Dayyán Morandi, do LX, anuncia a premiação com a viagem para a Europa para 21 participantes, os 13 integrantes do time vencedor, outros seis jogadores que se destacaram e mais dois garotos salvos em uma repescagem.

Em entrevista a Splash, o advogado Abner Maltezi, do escritório Sarlo, Vaz e Maltezi Advocacia, de Ribeirão Preto (SP), afirma que a rotina dos jovens após o fim do programa foi de frustração, desesperança e falta de notícias.

"Todos estavam com o mesmo sentimento de frustração, sem esperanças. Os organizadores não respondiam mais mensagens, não passavam previsões. Como não existia diálogo, o meio foi partir para o judiciário", afirma o representante dos atletas.

Dayyán Morandi, responsável pelo Grupo LX, apareceu em episódios do reality "Bravo!" Imagem: Reprodução/Bravo!

Prejuízo

Os participantes alegam ter investido dinheiro do próprio bolso antes, durante e depois do programa. Everton Guilherme, 22, mora em João Monlevade (MG) e viajou de ônibus por 12 horas para participar das gravações do reality.

"Foram dois anos de academia, gastando R$ 2 mil, e teve o passaporte, quase R$ 300. Também paguei fisioterapia porque me machuquei durante o reality. Joguei com uma fita no joelho para aguentar, e depois tratei na minha cidade. Cada sessão era R$ 75, a soma bateu quase R$ 800. Sem falar nos gastos com suplementação, chuteiras, caneleiras", detalhou.

Foi um investimento muito alto para um retorno que não existiu. E não tinha ninguém para me ajudar. Gastei muito mais de R$ 5 mil considerando todo o período de espera.
Everton Guilherme

Ian Santos, 18, goleiro que se destacou no reality, mora em Aracaju (SE) e precisou de ajuda dos vizinhos para conseguir participar do programa.
"Precisei fazer rifa, saí na rua fui batendo de porta em porta dizendo que a gente viajaria atrás de uma chance para jogar bola. [...] Foi trabalhoso. Sem rifa eu não conseguiria, a minha família não tem condições", contou.

"Eles pensaram: vou para a Espanha ter uma oportunidade única, então vou manter meu preparo físico. Famílias gastaram o que não tinham para manter nutricionistas, personais e toda uma estrutura", relatou Abner Maltezi.

Expectativa e frustrações

Inicialmente programada para março de 2020, a viagem foi adiada por conta da pandemia da covid-19. Meses depois, as redes sociais do "Bravo" informaram que a oportunidade seria dada apenas em 2021.

Queria saber o porquê de tantas promessas. Foi algo grandioso, estruturado, com tantos ex-atletas importantes. Perguntaria por que ele fez uma coisa dessas. Ele destruiu sonhos. Não só o meu, mas de outras pessoas que ficaram esperando.
Ian Santos

Ian recebe orientações de um profissional da comissão técnica durante o "Bravo!". Imagem: Reprodução/Bravo

Um dos atletas, que preferiu não se identificar, afirma que enfrentou um princípio de depressão. "Não queria mais sair de casa, só ficava deitado e chorando. Meus pais sabem o que eu passei. Não tinha forças para fazer nada. Parei de jogar nesse período", lembrou.

Não tivemos respaldo. Eu me abri com o responsável pelo Grupo LX sobre a situação, falei sobre os meus problemas. Ele só visualizou a minha mensagem, nem teve a humildade de responder. Ele nos iludiu só com promessas. Foi um descaso.

"A Europa é um sonho de todos os jogadores. Recusei ofertas boas de clubes do Brasil que ofereciam um bom salário. Eu estava com a minha mente voltada para a Espanha", concluiu o jogador.

Sem contrato

Os advogados responsáveis pela defesa dos atletas explicam que a viagem, prometida durante o reality, não era assegurada em contrato assinado pelos jovens. A única documentação acertada entre as partes foi a liberação para uso de imagem.

A defesa diz que tentou negociar uma "premiação alternativa" com o Grupo LX, mas não obteve retorno. "Em um cenário de pandemia, poderiam ser jogos contra as bases de clubes grandes do Brasil, por exemplo".

"Em momento algum, recebemos uma notificação formal sobre qualquer tipo de acordo", respondeu a organização do reality sobre o contato iniciado via WhatsApp.

'Trocando o futebol por empregos'

Por medo de não conseguirem viajar para a Espanha por conta de vínculos trabalhistas, a maioria dos jovens optou por carreiras informais. Entre os nove que processam a organização do reality, um é vendedor de artigos esportivos e outro trabalhou como ajudante em obras.

"Depois de um ano, entendi que a viagem não aconteceria. Faço alguns 'bicos', mas penso em estudar, fazer faculdade de educação física. É a área em que eu tenho maio conhecimento, para trabalhar com o futebol", contou Ian Santos.

Todos eles foram trocando o futebol por empregos, trabalhando de maneira informal. Essa é a realidade dos jovens brasileiros, mas o caso dele é mais grave. Existia uma esperança e ela foi alimentada.
Arthur Camperoni, também advogado dos atletas

O perfil oficial do "Bravo" no Instagram confirmava os adiamentos, mostrava fotos dos vencedores e bastidores das gravações. A conta foi desativada minutos após o primeiro contato da reportagem com o Grupo LX.

"Bravo!" divulgou imagens da equipe vencedora nas redes sociais Imagem: Reprodução/Instagram

'Seguimos todas as regras'

Procurado por Splash, Dayyán Morandi afirma que os vencedores do reality não foram à Espanha por conta da pandemia da covid-19. Segundo ele, a organização priorizou a "garantia da saúde e segurança de todos".

O Grupo LX apenas seguiu todas as regras, recomendações e diretrizes de saúde e sanitárias, impostas pelo governo do Brasil e pelo governo da Espanha, e em todos os momentos, prezou pela saúde, integridade e respeito a todos os atletas e seus familiares.
Dayyán Morandi, responsável pelo Grupo LX

A embaixada espanhola em Brasília divulgou, em agosto de 2021, que a Espanha reabria as fronteiras para receber turistas brasileiros que tomaram as duas doses da vacina contra a covid. Os jogos oficiais da liga espanhola voltaram a ser disputados em setembro de 2020.

"Os garotos que participaram do programa sofreram as mesmas frustrações de outros milhares de jogadores de base no mundo inteirol", defende Dayyán, que disse não ter conhecimento sobre mensagens dos jovens ignoradas pelo Grupo LX.

Premiação

Dayyán Morandi rejeita a hipótese da defesa dos atletas, de que a organização do reality poderia oferecer uma "premiação alternativa" de jogos contra times brasileiros, em razão da dificuldade de fazer a viagem ao país.

Segundo o organizador do reality, apesar de o programa mencionar a premiação, o objetivo principal do "Bravo!" era promover a visibilidade dos atletas.

"O objetivo sempre foi de trazer visibilidade e possibilitar a todos os participantes, a oportunidade de mostrarem seu talento e habilidades táticas e técnicas em campo e, dessa forma, despertar o interesse dos clubes", explicou.

O que diz a LaLiga?

Daniel Alonso Duarte, representante da LaLiga no Brasil citado no processo movido pelos atletas, também foi procurado por Splash. A liga cedeu o uso da marca e ajudou o Grupo LX, mas não foi a responsável pela produção do reality.

Confira o comunicado oficial na íntegra:

A LaLiga apresentou defesa nos autos da demanda ajuizada pelos jogadores, na qual não só demonstrou ser parte ilegítima para figurar como parte requerida no processo — tendo em vista não ter firmado nenhuma obrigação com os jogadores no sentido de realização da viagem à Espanha - como também comprovou inexistir ato ilícito capaz de gerar uma indenização. Nesse sentido, a LaLiga continuará prestando os esclarecimentos juridicamente cabíveis nos autos do processo, em que ficará clara a impossibilidade de ser condenada ao pagamento da indenização pleiteada pelos jogadores sem nenhum fundamento jurídico.

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