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ANÁLISE

Lembrando passado próximo, filme sobre guerra na Ucrânia ecoa no presente

Filme "Klondike" retrata sofrimento do povo ucraniano - Divulgação
Filme 'Klondike' retrata sofrimento do povo ucraniano Imagem: Divulgação

Cláudio Gabriel

Colaboração para o UOL, do Rio

05/05/2022 15h15

Sempre que algum acontecimento político pelo mundo ocorre, é comum observarmos indicações de filmes e séries que estabeleçam certo paralelo. Alguns podendo ser premonitórios. Já outros, trazem um espírito do tempo, com relações intrínsecas ao momento vivido. Isso não foi diferente quando eclodiu a Guerra na Ucrânia, com indicações de documentários e longas, desde sobre Vladmir Putin até a história do próprio país invadido.

Contudo, o lançamento de "Klondike - A Guerra na Ucrânia" traz um elemento fundamental para a lembrança dessas obras que discutem o momento: suas relações com um passado próximo. E isso tudo feito de forma direta e através de metáforas mais "óbvias", por assim dizer.

Na história, acompanhamos a vida tranquila em uma fazenda na região de Donbass — aliás, uma das cidades invadidas pela Rússia no conflito atual —. Por lá, vivem o casal Irka (Oksana Cherkashyna), que está grávida, e o marido Tolik (Sergey Shadrin). A realidade pacífica deles começa a mudar quando o vilarejo é invadido e bombardeado e eles, à espera da criança, são os únicos a se manterem por lá.

Klondike - Divulgação - Divulgação
'Klondike - A Guerra na Ucrânia' retrata a realidade do país invadido pela Rússia
Imagem: Divulgação

A direção da ucraniana Maryna Er Gorbach traz uma curiosa contemplação até inesperada no decorrer dos acontecimentos. É uma narrativa em que, apesar de haver uma urgência em toda parte — seja pela guerra ou pelo nascimento —, se mantém pacífica com as situações. De certo modo, pode até parecer fria com tudo, mas, ao mesmo tempo, muito cru ao denunciar essa realidade.

Como dito anteriormente, "Klondike - A Guerra na Ucrânia" ganha mais camadas pelo período atual. O conflito retratado no longa já tinha vislumbres de uma região em que boa parte da população apoia a Rússia, e não se vê como ucraniana. Só que o filme não se preocupa tanto assim com os pormenores da disputa. O que está em jogo dentro dele é o lado humano, quase que perdido em boa parte dos combatentes. Uma das cenas finais, por exemplo, em que há um tiroteio, mostra bem isso. Todos os personagens que participam, não ligam para a morte nem mesmo dos próprios companheiros. É como se a vida nesse terreno pouco importasse. E isso, junto com uma questão nacionalista histórica, dá um entendimento mais profundo do presente.

Klondike - Divulgação - Divulgação
Filme fala sobre realidade de famílias na região de Donbass durante conflito
Imagem: Divulgação

Para além da própria exposição, a diretora também se preocupa com o desenvolvimento da metáfora do nascimento do filho. Em certo sentido, algo similar ao feito por Ingmar Bergman em "O Ovo da Serpente", de 1977, para abordar a ascensão do nazismo na Alemanha. Er Gorbach gosta de trazer um incômodo a cada sequência do sofrimento com a gravidez da manhã, que ganha contornos filosóficos nos questionamentos de para que colocar uma criança neste mundo.

Longe de ser brilhante, "Klondike - A Guerra na Ucrânia" até consegue trabalhar no ambiente que se propõe. Talvez, fosse até deixado de lado por boa parte do público se fosse divulgado anteriormente. Mas, com o desenvolvimento da Guerra na Ucrânia, vira uma lembrança que o presente é construído pelo passado, mesmo que recente.