Topo

Ana Baird, a Nicole de Um Lugar Ao Sol: 'Tinha ódio profundo por ser gorda'

Ana Baird, a Nicole de "Um Lugar ao Sol", luta contra gordofobia e decidiu não ser mãe - Sergio Baia
Ana Baird, a Nicole de 'Um Lugar ao Sol', luta contra gordofobia e decidiu não ser mãe Imagem: Sergio Baia

Valmir Moratelli

Colaboração para Splash

27/02/2022 04h00

Aos 51 anos, Ana Baird se tornou uma voz de combate à gordofobia, graças, em parte, ao sucesso de sua personagem Nicole, na novela "Um lugar ao sol" (TV Globo). Ao viver uma mulher na faixa dos 30 e poucos anos, que tem problemas com a autoaceitação do corpo, a atriz tem recebido inúmeras mensagens de apoio nas redes sociais, além de fazer lives para trocar experiências com os seguidores.

"Alguns ficam irritados com a Nicole, eu até entendo! É a primeira vez que estamos mostrando a gordofobia de um lugar bem sério. Ela sofre gordofobia da família, da rua, dentro de casa. Não sou mais como a Nicole, já superei, mas não foi uma chave que virou de um dia para o outro", diz ela, já sem o tom ruivo dos cabelos.

"Ter o cabelo natural é um alívio. Foram 20 anos ruiva, mas estou amando o grisalho. Já ouvi: 'Ana, que desleixo'. Por quê? Tenho de usar química na cabeça para ser aceita? Ele brilha, tem volume, é natural. Tá ótimo assim", diz.

Esse tom de empoderamento permeia todo o papo de Splash com a atriz, principalmente pela temática da gordofobia no universo feminino, sempre pautado por padrões de estética e de beleza muito rígidos. Ana sabe bem o que é isso. "Desde sempre ouço que o corpo gordo é errado. Só falam: "Emagreça'. Mas não estendem a mão. Emagrecer não te fará ser aceito. É um processo que começa de dentro", diz.

Ao falar dos preconceitos que sofreu, ela relata agressões psicológicas: "Sofria olhares na rua, ia comprar calça 50 e me sentia humilhada. Eu não entrava nas lojas com calma... vestia o que cabia, mesmo não me sentindo bem nas roupas", recorda.

A atriz enumera que fez "a vida inteira" diversas dietas para emagrecimento, sempre na tentativa de melhorar suas relações, algo que só trazia mais frustrações. "A gente vive na função de buscar a imagem que a sociedade diz ser certa. É muito cruel! Eu nasci com muita bunda, meu culote faz parte do meu corpo. Falam que é defeito, mas não existe defeito, e sim formas diferenciadas de ver o corpo", afirma.

Questão de saúde

Em um comparativo com os dramas de sua personagem, Ana diz se reconhecer no roteiro escrito por Licia Manzo. "Assim como a Nicole, eu agia por impulso. No primeiro date, já contava todos os podres para o cara. Ao invés de falar 'eu sou legal, sou astróloga, atriz etc.', eu falava: 'Quer? Já tô te mostrando a merda'. Por isso entendo a Nicole fazer piada de si mesma, ela não sabe o que é afeto".

Após muita terapia, Ana relata que há quatro anos consegue lidar bem com essas questões. Foi um longo e árduo caminho percorrido. "A pior época da minha vida foi quando voltei de uma viagem à França, engordei horrores, me detestei de todas as formas. Só consegui sair desse lugar radicalmente, fiz uma lipo no corpo inteiro".

Queria que meu corpo fosse um macacão para me despir dele. Tinha ódio profundo por ser gorda

Hoje ela faz exercícios, tem alimentação balanceada de legumes, verduras, cereais integrais, pouca carne, nada de refrigerante. "Como superbem, de forma saudável. Mas tenho 82 kg. E é isso. Se nessa melhora de hábitos o meu corpo diminui, é consequência, não pode ser primordial. Eu estou falando de saúde", afirma.

'Gorda pode gozar?'

A questão da autoaceitação, assunto ainda pouco debatido na sociedade, é tão necessária, conforme a novela das 9 coloca, que Ana relata como isso atingia em cheio suas relações, tanto de amizade quanto amorosas. "Minha adolescência foi um inferno sobre a Terra! Me apaixonava pelo menino que não via minha beleza. Era a amiga que dava conselhos para a menina pegar o menino mais lindo, e depois voltava para casa chupando dedo. Eu aceitava que não namorava porque era gorda. Lembro que a primeira vez que conheci uma gorda com namorado, pensei: 'Ué, pode isso? Pode fazer sexo, ser feliz, gozar?'. Achava que não!".

O primeiro beijo foi aos 11 anos, mas depois demorou a dar o segundo. A primeira relação sexual foi aos 19. "Pensava que era impossível, com o corpo que eu tinha, viver relação afetiva. Perdurou muito tempo até conseguir me relacionar".

Após a volta por cima, hoje os amigos brincam para que ela se inscreva em uma futura edição do Big Brother Brasil. Ana nega de imediato, sem possibilidade de negociação. 'Não, amor, a gente entra lá e volta para a adolescência. E minha adolescência foi de uma menina querendo aceitação a qualquer preço, por qualquer migalha. Eu estaria lá lambendo e correndo atrás da Jade, a menina rica e poderosa, gritando: 'Gosta de mim, por favor, diz que sou legal'!", diverte-se.

Ana Baird - Sergio Baia - Sergio Baia
Ana Baird decidiu não ser mãe
Imagem: Sergio Baia

Não à maternidade

Ana está casada há onze anos com o músico Cacau Ferrari e mora em São Pedro da Serra, região serrana do Rio. Os dois têm quatro gatos: Serafim, Dolores, Pleta e Haru. Frisa que não aceita o rótulo de "mãe de pet" por um simples detalhe: "Não sou mãe, porque não acordo de madrugada para trocar fralda". A maternidade, aliás, é um tema que também já lhe causou desconfortou. A atriz conta que teve menopausa precoce, quando há aceleração da queda de hormônios reprodutivos. Precisou tomar uma decisão: ter ou não filhos.

"Chamei um amigo gay para ter um filho, depois pensei 'não, nada a ver'. Quando entendi que não queria ser mãe, tudo fluiu melhor. Não quero me sentir obrigada a criar uma pessoa. Eu ajudo quem faz isso, mas minha função não é maternidade", explica.

Arte e liberdade

Ana vem de uma família de artistas — é filha do ator Antonio Pedro com a cantora Margot Baird e irmã da também atriz Alice Borges. Sua estreia profissional foi em uma peça aos 7 anos. Mas desde os 5 já fazia balé. "Não foi uma escolha, foi um contexto familiar", diz ela, que também já esteve em produções como "Tomara que caia" (2015), "Chapa quente" (2015), "Os caras de pau" (2011), entre outras.

Após a novela, já completamente gravada, ela se prepara para estrear uma peça, em maio, e fazer shows, começando pelo Rio de Janeiro. Tudo, claro, a depender do fim da pandemia. Por enquanto, se diverte com a liberdade da autoaceitação também nas redes sociais. "Poder postar foto de biquini é de uma importância imensa. Se vivesse isso na adolescência, não teria passado tanto tempo me odiando", diz.