Topo

Shantal sobre não se calar com violência obstétrica: 'Tomei como missão'

Shantal Verdelho - Reprodução/Instagram
Shantal Verdelho Imagem: Reprodução/Instagram

Colaboração para Splash, no Rio de Janeiro

17/01/2022 12h55

Shantal, de 32 anos, afirmou que, após ser vítima de violência obstétrica pelo médico obstetra Renato Kalil em setembro do ano passado, tomou como missão não se calar sobre casos como o que a influenciadora digital passou.

Em entrevista para a revista "Marie Claire", ela disse que precisava de um tempo para assimilar tudo que ela passou e entender como tudo foi exposto na internet.

"Agora, tenho a possibilidade de levar esse assunto à frente, uma vez que eu sou uma figura pública. Realmente tomei como uma missão. Vou fazer isso para sobreviver e levarei comigo todas que nunca foram ouvidas", disse ela.

A influenciadora digital disse que ficou bastante assustada, pois seu parto foi extremamente exposto e ela levou tempo para processar tudo que estava acontecendo.

"Tudo isso veio a público sem eu querer. Inclusive era um assunto que eu queria guardar no meu âmbito íntimo até para preservar a Domenica, né? Mas agora não tem mais volta", afirmou Shantal.

Ela ainda complementou lamentando sobre o que sua filha terá que lidar futuramente ao descobrir sobre o caso de violência obstétrica.

Com certeza, quando a Domenica crescer, vai dar um Google no nome dela e vai aparecer isso. Fiquei muito incomodada com o uso da foto dela em notícias que não estavam relacionadas ao meu caso. De repente, o rosto da minha filha estava estampado em histórias horríveis.

Após tudo ter acontecido, ela disse que a primeira sensação foi de sentir medo. "'Meu Deus do céu, ele vai me destroçar, vai me esmagar. E agora? Como vou conter?' Essas eram as minhas preocupações, não queria que nada disso fosse para a frente porque eu estava com medo da atitude que ele fosse tomar e de como iria se defender disso', lembra.

Ela acrescenta que também ficou receosa de não acreditaram nela, pois, de acordo com ela, a vítima é descredibilizada em todos os casos.

Principalmente na nossa hierarquia social, a vítima, a mulher, é tratada como se estivesse sempre querendo 'caçar confusão', 'aparecer'. Primeiro colocam tudo em xeque.

Mesmo com as imagens, ela dizia que as pessoas começaram a falar que era "mimimi", e que a influenciadora digital estava exagerando. "Isso me machucou muito. Não basta a gente ter passado por aquilo, ainda é precisa mostrar: 'Sou eu e passei por isso'. Como assim?", desabafou ela.

No entanto, as cobranças mudaram e perguntaram se ela não faria nada diante do que havia passado, se ela não iria reagir.

Eu não conseguiria aparecer e fingir que nada estava acontecendo, não falar do assunto. Então recuei, porque estava com medo e também porque fiquei abalada emocionalmente. Eu nunca tinha ficado assim. Nem nos meus três meses de cama, que é uma coisa muito difícil, né? Ficar apenas na cama, levantando apenas para ir ao banheiro. É uma história que me deixou muito abalada emocionalmente, porque veio muito recheada de medo.

Nesse período, Shantal ficou doente e teve sintomas de gripe, seguidos por uma sinusite. "Quando fui à delegacia, estava com tanta dor de cabeça que mal podia enxergar a delegada. Vão se somando uma série de coisas. Cada vez que toco no assunto, é muito desgastante. E isso altera a nossa imunidade também", disse.

A partir disso, Shantal, disse que não pode ficar parada e que as coisas precisam se modificar. "Recebi relatos de mulheres que passaram por isso, coisas muito piores do que o que passei, mulheres que perderam os filhos no parto por conta da violência obstétrica. É um assunto grave e de que ninguém estava falando, e isso não pode ser assim. Precisamos falar porque as coisas precisam mudar", avalia.

Sobre o relacionamento do médico com ela, ela definiu atualmente como "maluca". "Apesar de reprovar algumas posturas, via nele uma pessoa que poderia até ser seu amigo. "Ele era gente boa, não era a todo o momento um carrasco falando palavrão, xingando, até porque eu não continuaria ali se fosse assim", afirmou.

Nas consultas, Shantal disse que as falas consideradas machistas do médico a incomodavam muito. Eram piadas sobre traição ou quando sugeriu o "ponto do marido", procedimento cirúrgico de costura para reparar o períneo depois do parto com objetivo de "melhorar" o prazer sexual do homem durante a penetração.

"A outra coisa era que ele falava muito sobre outras pacientes, a maioria delas conhecidas minhas: Fulana está tomando vinho na gravidez, Beltrana foi traída pelo marido e está com IST, Ciclana toma hormônio para ficar sarada. Acho que não estou mais em choque. Hoje, quando falo sobre isso, vejo o quanto é inacreditável um homem com idade para ser meu avô fazendo fofoca no consultório", disse ela.

Ainda segundo ela, antes de assistir aos vídeos do parto, ela também descobriu que o médico falou coisas sobre ela para outras pacientes. "Descobri que ele falou da minha vagina na frente do marido de uma delas: 'Se não fizer episiotomia [corte cirúrgico no períneo], vai ficar arregaçada igual à Shantal'", desabafou.

Entenda o caso

A influenciadora digital fez um desabafo em um grupo privado com aproximadamente 50 mulheres, quando ela começou a desconfiar de que algo não estava certo. Em dezembro, o áudio vazou e ganhou repercussão nacional. Segundo o conteúdo que Shantal havia compartilhado para as pessoas próximas, ela teve um parto traumático em que foi xingada sucessivas vezes pelo seu próprio médico, o ginecologista e obstetra Renato Kalil.

"Ele me xinga o parto inteiro. Ele fala: 'p*rra, faz força, p*rra, filha da mãe. Viadinha, ela não faz força direito, que ódio. Não se mexe, p*rra'", diz um dos áudios que circulam na internet.

Shantal contou que foi submetida a uma manobra de Kristeller, quando alguém sobe na barriga da parturiente e faz força, empurrando o útero para tentar a expulsão do bebê. O procedimento não é recomendado pelo Ministério da Saúde há 20 anos.

Em outra gravação, Shantal conta que o médico teria ficado "com birra" por ela não ter feito episiotomia — um corte na região do períneo para facilitar a passagem do bebê, recomendado apenas em casos de risco. Kalil teria chamado o marido da influenciadora após o parto e dito que ela havia ficado "toda arrebentada" e teria que dar "um monte de pontos" na sua região íntima.