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Aposta para o Oscar, novo 'Amor, Sublime Amor' é ainda mais atual em 2021

Anita (Ariana DeBose) e Bernardo (David Alvarez) dançam em cena de "Amor, Sublime Amor" - Niko Tavernise/20th Century Studios
Anita (Ariana DeBose) e Bernardo (David Alvarez) dançam em cena de "Amor, Sublime Amor" Imagem: Niko Tavernise/20th Century Studios

Laysa Zanetti

De Splash, em São Paulo

10/12/2021 04h00

Caminhando por uma Nova York efervescente entre o fim da década de 1950 e o início da década de 1960, o "Amor, Sublime Amor" dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins, vencedor de 10 estatuetas do Oscar em 1962, se tornou um clássico. Por meio da rivalidade de duas gangues de rua, os Sharks e os Jets, o filme trata sobre os Estados Unidos reconstruídos por imigrantes e de inevitáveis lutas de classe e tensões raciais.

Isso tudo tendo como plano de fundo uma clássica história de amor à la Romeu e Julieta.

A tragédia Shakespeariana, é claro, é a base para toda a história. Contextualizada para o período contemporâneo, tornou "West Side Story" um drama muito mais localizado no tempo, que usa o apelo romântico como catapulta para enfatizar os abismos sociais da época. Abismos estes que, em 2021, ano do lançamento da adaptação do musical, são tão pertinentes quanto foram em 1961. Se não um pouco mais.

A história de amor entre Maria (agora vivida por Rachel Zegler) e Tony (Ansel Elgort) é o centro da trama, mas em torno dela giram os elementos que fazem de "West Side" um produto tão grandioso para o cinema e para o teatro musical.

Ambientado em um bairro no lado oeste de Manhattan, o filme apresenta duas gangues de rua rivais, a versão atualizada dos Montagues e Capulets. Os Jets são os irlandeses, e os Sharks, porto-riquenhos. Quando Tony, dos Jets, se apaixona pela doce Maria, irmã do líder dos Sharks, a rixa se aprofunda enquanto os dois só querem saber de viver o amor proibido.

Foi com o filme que a atriz Rita Moreno (89), que interpretou Anita, ganhou seu Oscar de melhor atriz coadjuvante, com uma cena de agressão sexual que rompeu barreiras e colocou os holofotes sobre discussões necessárias.

Rita Moreno como Anita em "Amor, Sublime Amor" (1961) - Silver Screen Collection/Getty Images - Silver Screen Collection/Getty Images
Rita Moreno como Anita em "Amor, Sublime Amor" (1961)
Imagem: Silver Screen Collection/Getty Images

"Quando fizemos a cena do abuso nos ensaios, quando todos os rapazes estavam me tocando, eu os empurrei e comecei a chorar. Eu não conseguia parar. Todas as minhas cicatrizes, que eu achava estarem curadas, se abriram", contou a atriz em entrevista ao programa "60 Minutes", da rede CBS.

"Eu era um animal ferido quando precisei fazê-la novamente [nas filmagens, quando ela diz 'Não encostem em mim' [...] Sei que foi aquela cena que me deu o Oscar."

Para reprisá-la no filme de 2021, a nova Anita — a ótima Ariana DeBose, cria dos palcos da Broadway e parte do elenco original de "Hamilton" — conta que não havia uma fórmula correta.

Ariana DeBose e Rita Moreno na pré-estreia de "Amor, Sublime Amor" em Los Angeles - Charley Gallay/Getty Images para 20th Century Studios - Charley Gallay/Getty Images para 20th Century Studios
Ariana DeBose e Rita Moreno na pré-estreia de "Amor, Sublime Amor" em Los Angeles
Imagem: Charley Gallay/Getty Images para 20th Century Studios

"Você não se prepara para uma cena daquelas, é isso que eu te digo. O dia chegou, nós fizemos os ensaios e tivemos o ambiente mais seguro que poderia ter sido criado. Acho que eu era a pessoa mais calma da equipe. Steven [Spielberg, o diretor] estava muito nervoso, os Jets estavam supernervosos."

O fator adicional da cena é a presença de Rita Moreno, única pessoa do elenco do filme original a retornar para o novo. Aqui, ela vive Valentina, uma espécie de mentora para Tony — função que, antes, era de Doc (Ned Glass).

"Eu senti uma energia da Rita", continua Ariana. "Não sei se era de nervosismo, mas havia uma energia diferente nela. E eu só sabia, instintivamente, que precisava interpretar com verdade. E a verdade daquele momento é o que está no filme. Estou muito orgulhosa disso porque é a minha manifestação física de um corpo preto. O fato de isso acontecer [a corpos como o meu] já é uma afirmação em si."

Steven Spielberg dirige Rita Moreno nos bastidores de "Amor, Sublime Amor" -  Niko Tavernise/20th Century Studios -  Niko Tavernise/20th Century Studios
Steven Spielberg dirige Rita Moreno nos bastidores de "Amor, Sublime Amor" (2021)
Imagem: Niko Tavernise/20th Century Studios

A atriz, que tem ganhado tração e visibilidade na corrida do Oscar, pleiteia uma vaga na disputa pelo prêmio de melhor atriz coadjuvante. Sua personagem vive uma história de amor com Bernardo (David Alvarez), que é o líder dos Sharks (a gangue porto-riquenha) e irmão de Maria.

"Para mim, foi sobre encontrar minha própria voz o que eu poderia trazer que era único, da minha própria vida", reflete o ator sobre como empregar algo de novo a personagens conhecidos há tantas décadas. "Tivemos sorte com um ambiente em que isso era permitido. Steven Spielberg e Tony Kushner estavam dispostos a nos deixarem respirar e imaginar em cima desses personagens. Eles queriam que confiássemos em nós mesmos."

Homenagem a Stephen Sondheim

Os dois, aliás, são atores que vêm dos palcos. David Alvarez é vencedor do Tony Awards, prêmio máximo da Broadway, por ter interpretado um dos Billys na montagem original de "Billy Elliot", entre 2008 e 2010. Para ambos, ver o filme chegar aos cinemas após a morte do lendário Stephen Sondheim, que é letrista das canções, é algo particularmente sentimental.

O compositor Stephen Sondheim - Reprodução - Reprodução
O compositor Stephen Sondheim
Imagem: Reprodução

"Isso torna o lançamento do filme mais significativo e doloroso", reflete DeBose. "Estávamos nos tornando parte do legado dele, e agora olha para o presente bonito que ganhamos. Sem ele, nós certamente não estaríamos aqui. Essa é uma das primeiras peças em que ele trabalhou, no início de sua carreira. E é uma celebração muito bonita de tudo o que ele deixou para o mundo. As palavras dele sobrevivem."

Morto no último dia 26 de novembro, aos 91 anos, Stephen Sondheim foi um dos mais importantes letristas e compositores do teatro musical americano. Criador de musicais como "Sweeney Todd", "Into the Woods - Caminhos da Floresta" e "Company", ele foi um dos responsáveis pela evolução do que se entende por teatro.

Foi através dele, por exemplo, que as peças evoluíram para além do puro lazer e se tornaram pontos de reflexão de cunho político e social, ganhando uma atenção renovada pelas novas gerações. Ele ajudou a definir o que é o teatro atual, e foi a grande inspiração para o compositor Jonathan Larson, de "Rent!", e para o queridinho do momento, o prolífico Lin-Manuel Miranda.

Anita (Ariana DeBose) em cena de "Amor, Sublime Amor" - Niko Tavernise/20th Century Studios - Niko Tavernise/20th Century Studios
Anita (Ariana DeBose) em cena de "Amor, Sublime Amor" (2021)
Imagem: Niko Tavernise/20th Century Studios

"Nós o conhecemos pessoalmente", conta David. "Eu o admiro demais enquanto pessoa, porque ele era muito honesto, e eu amo quando as pessoas conseguem ser diretas e me dizerem como as coisas são. E isso é a arte dele. É real, vem do coração, da alma, e é por isso que ele é lendário e o trabalho dele passa no teste do tempo."

Sondheim chegou a visitar os estúdios de filmagem quando "Amor, Sublime Amor" estava sendo rodado. O filme, vale lembrar, teria sido lançado em dezembro de 2020, mas foi adiado em um ano por causa da pandemia.

"Ele nos visitou, e nós nos sentamos e tivemos meio que uma aula de história com Stephen Sondheim, basicamente. Ele falou da experiência compondo as letras, os desafios e os triunfos", recorda DeBose. A atriz também leva consigo uma lição daquele dia.

"Eu aprendi que ele era uma pessoa que nunca estava satisfeita, ele sempre tentava deixar seu trabalho um pouco melhor, e essa é a marca de um bom artista. E eu me senti muito bem, porque é assim que eu me sinto sobre meu próprio trabalho [risos]. Pensei: 'ok, legal, eu acho que estou no caminho certo'."

"Talvez esteja tudo bem eu achar que sou péssimo", completa David, aos risos. "Vai fazer eu me esforçar um pouco mais da próxima vez."